"Sou lésbica 'caminhoneira'": ela critica estereótipo da mulher "sapatão"
Quando a criadora de conteúdo Jamine Miranda (a @pretacaminhao) viu um post em tom de brincadeira comparando a aparência de mulheres lésbicas de acordo com o lugar que moram no Brasil, notou que precisaria lidar, mais uma vez, com os estereótipos do que é ser sapatão.
A publicação circula em grupos fechados no Facebook: de um lado, uma menina com camisa, calça social e gravata borboleta, colocada como "a lésbica de São Paulo"; do outro, uma mulher de boné, bermuda e camiseta despojada, a "lésbica da minha cidade", como se a primeira representasse um perfil mais atrativo.
A Universa, Jamine conta que se incomodou com o reforço do que se espera do visual de uma mulher só porque ela é lésbica, o que, segundo ela, por vezes é reiterado na comunidade LGBTQIA+ (Lésbicas, gays, bissexuais, trans e travestis, queers, intersexuais, assexuais e demais existências de gêneros e sexualidades).
No post, questionou de onde vem o conceito de feminilidade por trás da montagem de fotos e como ela acaba evidenciando opressões sobre a forma com que cada uma se expressa para o mundo. "Aqui, não cabe debater sobre 'apenas um estilo diferente' ou 'um corte de cabelo', o papo aqui é sobre racismo, gordofobia, machismo e tantas outras questões que continuam nadando de braçada dentro da nossa comunidade. O papo vai muito além!", escreveu como legenda no Instagram.
Afinal, o que a comparação que incomodou Jamine diz sobre os estereótipos ligados a gênero e à orientação sexual?
Na moda, estereótipos rondam lésbicas
Mulher preta e lésbica "caminhoneira", como destaca, Jamine produz conteúdo sobre sua experiência como sapatão e outras vivências no Instagram e no Twitter. Para ela, julgar a aparência de uma mulher que se relaciona com outra com base em estereótipos — criticando escolhas de roupas e de acessórios, por exemplo — é uma grande cilada, que prende todas a um padrão de feminilidade.
Eu sou 'caminhoneira', então, gosto de me vestir bem e também com conforto. Expresso outra feminilidade. E vejo que na comunidade lésbica cria-se um modelo do que é ser sapatão, principalmente por conta da representatividade do que vemos na mídia e de modelos de pessoas que não são brasileiras
Ligada à moda, como já contou à colunista de Universa Ana Paula Xongani, a criadora de conteúdo diz que já passou por períodos da vida em que se aproximou do estilo associado à feminilidade. "Em casa, meus pais sempre me deram liberdade para vestir o que queria. Mas, a pressão externa me fazia alisar o cabelo, colocar megahair, usar vestido, salto. Coisas com que não me sentia a vontade, mas fazia por querer ser enxergada por alguém. Só mudei meu estilo quando entro na faculdade, quando conheci outras mulheres negras, que me ajudaram a me expressar de outra forma."
"Acontece que a moda é como nos expressamos no mundo e, quando a pessoa está com o estilo da segunda foto, é associada a desleixo", opina, acrescentando o fato de que há ainda uma percepção racial por trás da montagem comparativa.
"Nós importamos para nosso imaginário referências de lésbicas como a Shane, personagem da série The L Word e até da cantora Avril Lavigne, que não é lésbica, mas tinha a referência de ser magra, branca... Só que esse padrão não representa todas as mulheres."
Distanciada desses estereótipos, aliás, Jamine indica que as escolhas de moda e até mesmo o corte de cabelo que mantém são formas de romper esse padrão. "Quando chego em algum lugar, não tem como não ver que cheguei: sou 'sapatãozona'. E nós estamos fazendo uma ruptura de padrões, mostrando que também merecemos afeto."
Para ela, não existe, definitivamente, um "jeito certo de ser sapatão". "Não é porque se está mais próxima de um lugar de feminilidade ou não, não existe o certo e o errado. Até porque estamos falando e lutando pelo direito de ser", comenta. "O que quero é poder existir, dar rolê, me apaixonar pela menina que eu quiser."
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