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Bigode feminino: elas assumiram o buço e falam dos pelos com orgulho

A artista plástica Marcela Cantuária tem orgulho dos pelos faciais: "Mulheres têm buço. Qual o problema?" - Arquivo pessoal
A artista plástica Marcela Cantuária tem orgulho dos pelos faciais: "Mulheres têm buço. Qual o problema?" Imagem: Arquivo pessoal

Júlia Flores

De Universa

25/05/2021 04h00

Os padrões de beleza cercam as mulheres de muitas formas. Um deles, sem dúvidas, é a depilação. Normas sociais arcaicas pregam que pessoas do gênero feminino não tenham um só pelo no corpo, muito menos no rosto. Até ditado popular em tom de piada existe. "Mulher com bigode nem o diabo pode", diz um eles. Para muitos, uma mulher que assume os pelos faciais é uma figura masculinizada, agressiva e até que provoca repulsa.

Em razão de convenções sociais e consequentes comentários ofensivos, a remoção dos pelos do buço é um serviço amplamente oferecido e procurado em salões de cabeleireiro. Quem opta por não fazê-lo chega a ouvir que se trata de desleixo ou preguiça.

Apesar do cenário, há uma geração de mulheres empenhada em redefinir as regras invisíveis e exercitar a liberdade de escolher o que fazer ou não com a penugem facial. Universa foi ouvi-las para entender o que pensam e como lidam com a ruptura dos padrões:

"Não escondo o buço nem com maquiagem"

"Parei de tirar o buço já adulta. A primeira vez que me depilei tinha 12 anos", conta Marcela  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
"Parei de tirar o buço já adulta. A primeira vez que me depilei tinha 12 anos", conta Marcela
Imagem: Arquivo pessoal

Para a artista plástica Marcela Cantuária, de 30 anos, parar de depilar o buço foi, no primeiro momento, uma decisão motivada por questões financeiras. "Quando virei adulta e tive que me sustentar, parei de gastar dinheiro com isso", conta.

Marcela fala que tem pelos no rosto desde os 10 anos e se recorda de, na infância, ouvir comentários ofensivos na escola. "Lembro do dia em que cheguei em casa depois do colégio e passei lâmina de barbear na cara toda. Não queria mais ser chamada de bigoduda", relata. A partir daí, passou a frequentar clinicas estéticas e salões de beleza para remover os pelos. "E, se você tira uma vez, tem que tirar todo mês. É uma sessão de tortura", argumenta.

Estamos passando por um período de tantas adversidades e a pessoa vem se preocupar com o meu buço. Que planeta é esse?

Atualmente, Marcela segue a linha natural. "Mulheres adultas têm pelo. Eu tenho uma quantidade maior por uma questão hormonal, mas estou de bem com isso", comenta a artista, que segue uma rotina de cuidados com a pele.

"Acham que sou desleixada, mas meu skincare está em dia. Quando me maquio, faço questão de não passar uma base pesada sobre buço porque não quero apagá-lo. Quero aceitá-lo", afirma.

"Recebia comentários até das minhas amigas"

Vitória diz que já recebeu comentários ofensivos sobre o seu buço até mesmo de amigas - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Vitória diz que já recebeu comentários ofensivos sobre o seu buço até mesmo de amigas
Imagem: Arquivo pessoal

A empresária Vitória Régia, 24 anos, também já foi chamada de "desleixada" por não depilar o buço, inclusive por amigas próximas. "O buço com pelos nunca me incomodou. Na verdade, eu só notei que era uma questão, porque passei a ouvir comentários dos outros. Quando eu visitava o salão para tirar as sobrancelhas, a esteticista sempre falava que não era bonito, que era masculino. Amigas próximas começaram a soltar indiretas dizendo: 'Você não vai tirar o buço, não? Vamos ali fazer uma depilação'. Esse é um procedimento que dói muito e eu só fazia porque me sentia constrangida. Nunca liguei."

Não queria perder tempo em salão de beleza enquanto tinha tanto homem vivendo a vida sem essas cobranças

"Conheci o meu rosto verdadeiro aos 25 anos"

A estudante Helen Martins aproveitou a pandemia para deixar o bigode crescer - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A estudante Helen Martins aproveitou a pandemia para deixar o bigode crescer
Imagem: Arquivo pessoal

Foi durante a pandemia e por causa do isolamento social que a estudante Helen Martins, 25 anos, decidiu deixar os pelos ao redor dos lábios crescerem naturalmente. "Sempre tive muito pelos no buço e uma sobrancelha marcada. Antes, tirava na pinça. Doía bastante. Aos 12 anos, fiz minha primeira depilação. A profissional passou cera no meu rosto inteiro sem minha autorização, disse que eu tinha barba; nem era nada, só uma penugem bem rala. A pandemia me deu mais liberdade para que eu me sentisse à vontade com meus pelos", relata.

Continuo me achando ótima, bela. Pude conhecer meu rosto natural aos 25 anos. Faz toda diferença. Meu buço é muito marcado e ele molda meu rosto

Na opinião de Helen, assumir os pelos no rosto é um passo maior do que o ato de parar de se depilar. Como o rosto é mais exposto do que as outras áreas do corpo, está mais sujeito ao julgamento alheio. Ela lembra, inclusive, de um episódio recente em que foi contestada pela escolha.

"Estava em um ônibus e uma mulher começou a rir da minha cara. 'Meu Deus, ela tem bigode'. Fiquei olhando para ela, incrédula. Nessa época, já não depilava minha perna, minha axila. E estava acostumada com olhares, mas fiquei sem reações", diz.

Para ela, entretanto, o olhar do desconforto é um passo importante para que as pessoas possam refletir sobre padrões sociais. "Lembro da primeira vez que vi uma mulher com pelo na axila e pensei: 'não precisa disso'. Com o tempo, fui mudando minha visão e passei a pensar sobre qual era o problema. Acho que esse olhar estranho é o primeiro passo para questionar as coisas", analisa.

"Já me confundiram com homem"

Marta Supernova afirma ter uma relação "leve" com o buço: "Quando quero ter um look com buço, eu deixo ele crescer; quando quero criar um visual diferente, eu tiro" - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Marta Supernova afirma ter uma relação "leve" com o buço: "Quando quero ter um look com buço, eu deixo ele crescer; quando quero criar um visual diferente, eu tiro"
Imagem: Arquivo pessoal

A dj Marta Supernova, 26, relata que já foi chamada de "senhor" na rua. Ela atribui aos padrões de gênero, que inclui não só aparência, mas até o tom de voz. "É engraçado pensar em como uma coisa muito específica na sua aparência define se você é homem ou mulher. As concepções de gênero são bobas", argumenta.

Marta, que tem pelos faciais desde criança, encara o buço de uma forma tranquila. "Quando eu estou com vontade de ter um look com buço, eu deixo ele crescer, quando quero criar um visual diferente, eu tiro. É algo que eu me divirto. Se um homem pode brincar com os pelos faciais, com certas características da sua aparência, por que a gente não pode? Eu me questiono sobre o fato da mulher não ter liberdade sobre o próprio corpo. Acho isso violento", afirma.

Para quem quer se inspirar

Foi com a intenção de causar estranhamento que Marcela Guimarães criou, em 2018, o ensaio fotográfico "Mulheres adultas têm pelo". A ideia partiu de um incômodo da própria Marcela, que estava cansada de se depilar.

"Pelos são aceitos apenas nos corpos dos homens cisgênero. Tudo que foge desse corpo vira uma questão", comenta. Hoje, a conta do projeto no Instagram já possui mais de 20 mil seguidores.

Recentemente, a influenciadora inglesa Joanna Kenny viralizou ao compartilhar um clique em close dos lábios em que se pode notar a presença de pelos cobertos por máscara para cílios.

Na legenda, ela conta que tem o objetivo de mostrar que pelos faciais são normais, muitas pessoas têm e não há obrigação alguma de removê-los sem que haja vontade.

"Essa sou eu dizendo que é normal ter pelos faciais para todas as pessoas que cresceram ouvindo que deveriam se envergonhar deles", escreveu na ocasião.

Excesso de pelos é um problema?

Não necessariamente. A dermatologista Eliandre Palermo, de São Paulo, explica que existe uma condição chamada hirsutismo, caracterizada pelo aumento da quantidade de pelos na mulher. Pode acontecer durante a menopausa, a gravidez ou ser causada por fatores hormonais. Em geral, é um sintoma secundário ou complementar ao diagnóstico, não algo que surge sozinho.

Eliandre explica que muitas mulheres preferem não passar por um tratamento específico ou com uso de pílula. "O importante é que a pessoa seja avaliada por um médico e a conduta acordada entre os dois", afirma..

Segundo especialistas, para outras pessoas, a quantidade é geneticamente determinada. Neste caso, não há questão alguma de saúde envolvida.