Via Facebook, doadores de sêmen ajudam quem quer engravidar; conheça riscos
O sonho de engravidar muitas vezes esbarra em dificuldades na concepção, seja por problema de fertilidade do parceiro, orientação sexual do casal ou mesmo na decisão de ser mãe solo. Para conquistar um resultado positivo no teste de gravidez por vias que não sejam tão caras quanto procurar uma clínica de inseminação artificial, mulheres estão recorrendo a grupos de doadores de esperma no Facebook.
É o caso da cuidadora de idosos Jennyfer Cavalcante, de 27 anos, que sempre quis ser mãe, mas não teve esse desejo compartilhado com o ex-marido. Após terminar o casamento de cinco anos, ela decidiu que seguiria o caminho sozinha. "Depois das decepções e de tudo o que passei, cansei de homem na minha vida. A partir de agora sou só eu e meu futuro filho."
Jennyfer começou a analisar suas possibilidades e conheceu o método de inseminação caseira (IC), em que a fecundação acontece com a ajuda de um doador de esperma. Na prática, o doador se masturba e ejacula em um coletor, a tentante — como se denominam as pessoas que querem engravidar — utiliza uma seringa para inserir o sêmen na vagina. Para Jennyfer, faltava apenas o voluntário.
A cuidadora conheceu, então, um grupo no Facebook que reúne tentantes e doadores. Em uma rápida pesquisa na rede social, é possível encontrar mais de uma dúzia deles, com milhares de participantes. A proposta é simples: intermediar a conexão entre quem quer ter filhos e homens dispostos a ceder o esperma.
Depois de ler relatos de participantes, Jennyfer criou uma publicação anunciando que estava à procura de um doador. Não demorou para que alguns candidatos aparecessem. "Até cheguei a conversar com um de São Paulo, mas não botei muita fé. Aí uma mulher comentou que o homem que tinha doado esperma para ela já tinha mais de 50 resultados positivos", relembra.
"Nos conhecemos por telefone e conversamos com frequência. Ele sempre me manda os exames médicos e a esposa dele sabe de tudo", comenta Jennyfer. O procedimento está agendado para o mês de agosto e ela diz que ainda está se preparando psicologicamente, mas "tranquila e animada". "Boa parte dos positivos dele é de gêmeos."
Grupo recebe denúncias de assédio
Intermediar o encontro entre doadores e tentantes é um dos papéis desempenhados nos grupos, mas alguns assumiram funções maiores. Mensagens de apoio para quem ainda não conseguiu resultado positivo, informações básicas e complexas sobre como funciona o procedimento, algumas mandingas e até denúncias de assédio.
"Nunca estamos livres dessas situações e infelizmente este tipo de coisa acontece com frequência", lamenta Tatiane Priático, profissional de marketing digital e criadora de um grupo de inseminação caseira com mais de 23 mil membros.
Tem muita gente que não leva a sério o nosso método e quer se aproveitar da situação. Seja por sexo, seja por dinheiro. Todos eles são banidos do grupo e denunciados do grupo
Tatiane afirma que em alguns casos graves já foi necessário levar até à polícia, mas o mecanismo padrão não é esse. "Não costumamos denunciar porque a inseminação caseira não é uma prática legal, então acaba complicado, também, para o lado das tentantes", justifica ela, que garante não cobrar pelos serviços prestados no grupo.
A advogada de família Isadora Dourado, porém, explica que os participantes do grupo não estão cometendo nenhum crime. Ela alerta, no entanto, que o grupo tem a responsabilidade de deixar todas as regras muito claras e explicar o que acontece em caso de descumprimento. Para a jurista, o maior peso vem do estigma que está por trás da inseminação caseira. "Muitas tentantes se sentem à margem da sociedade", aponta.
Para Tatiane, isso acontece por desinformação. "As pessoas não conhecem o assunto e já agem com preconceito. Acredito que se todos pesquisassem e estudassem o tema, entenderiam nossa prática" pontua. Essa foi uma das razões que a motivaram a criar uma página no Instagram, que dá dicas, trata de curiosidades sobre o método, além de contar um pouco do dia a dia de uma tentante. A própria Tatiane e sua esposa estão neste processo.
Sempre quis ser mãe. Sou casada há seis anos e eu e a minha mulher queríamos construir uma família. Minha irmã me apresentou a esse método e ingressei nos poucos grupos que existiam
Entretanto, o começo não foi tão simples. "Minha companheira foi a primeira tentante, conseguimos três resultados positivos, mas as gestações não foram adiante."
Foi aí que Tatiane se tornou a tentante. "Tive o meu primeiro positivo logo no primeiro mês, mas infelizmente tive um aborto", lamenta. Ela comenta que agora está se preparando para uma nova tentativa. "Conheci meu doador por meio do grupo no WhatsApp. Minha experiência foi tranquila e estabelecemos uma relação ótima para ambos", celebra.
Os grupos no aplicativo de mensagens surgiram espontaneamente, para tornar as comunicações mais rápidas. "No início, queríamos uma rede de apoio, com pessoas que compartilhassem o mesmo sonho que a gente e que nos entendessem. Hoje temos cinco grupos no WhatsApp, além do Facebook e da página no Instagram", explica. "São pessoas diversas. Casais heterossexuais, homossexuais e mães solteiras", complementa.
Doador fala em "caridade" e "método natural"
Nos grupos, são inúmeras as mensagens de futuras mães comemorando a gravidez e postando fotos dos filhos no colo. "Já tivemos casos de gêmeos e até de quadrigêmeos", celebra Tatiane, ao indicar que também existe um grupo de apoio às grávidas. São numerosas as publicações de doadores.
Numa espécie de "catálogo virtual", há fotos dos candidatos, idade, local, número de resultados positivos em doações de esperma e até referências de outras tentantes. Caso de Valdir, doador do Rio Grande do Sul, que prefere não dizer seu nome completo à reportagem.
Sou doador por caridade e por gratidão mesmo. Foi um meio que eu encontrei para ajudar a realizar o sonho de muitas mães
Valdir afirma que começou a doar há 25 anos. Ele conta que a irmã de sua esposa havia se casado com um homem estéril, mas o casal sonhava ter filhos. Valdir sugeriu a doação de esperma e ambos concordaram, inclusive sua companheira. "O menino me chama de tio", afirma. "Doei esperma para 78 mulheres. Meu sonho é chegar em 100 doações positivas."
Antes das redes sociais, Valdir se esforçava para se comunicar com as tentantes até via carta. "Procuro saber se ela tem condições de criar uma criança, não quero por filhos do meu sangue na terra para passar necessidades", comenta. "E sempre tenho meus exames em dia. Além disso, dependendo do tipo de inseminação que ela optar, se quiser natural, eu também exijo exames", complementa.
A inseminação natural, segundo explicação do próprio Valdir é "transar".
Não tem beijos, é sem carícias, sem amassos, nada de segundas intenções. Seria como animais. Acasalar, ejacular e só
Valdir explica que, quando entram em contato com ele, a maioria das tentantes opta pela seringa. "Mas quando conhecem melhor, criam mais confiança e, pela diferença de eficácia, escolhem o método natural", justifica.
A prática, no entanto, não é vista com bons olhos no grupo de Facebook criado por Tatiane. O grupo não permite doações de "método natural". "Qualquer um que fizer isso será retirado do grupo. Isso não é doação, é busca de sexo gratuito!", informa a página.
Ginecologista alerta para risco de violência e doenças
A médica ginecologista e obstetra especializada em sexualidade Brunely Galvão acredita que um dos principais problemas de recorrer a desconhecidos no Facebook é a falta de segurança.
As mulheres são alvo de violência, principalmente quando estão tão empenhadas em realizar este sonho. Fora que existe o perigo de a mulher se machucar quando for utilizar a seringa para inserir o sêmen na vagina e o risco relacionado às doenças sexualmente transmissíveis, pois são passíveis de serem contraídas durante o processo
"Além disso, há a genética da pessoa que vai fazer a doação. Ninguém conhece o histórico médico do outro, se possui alguma doença autossômica ou algo do tipo", adverte a médica.
Tatiane, a criadora do grupo de doação, aconselha a pedir os exames em dia e o histórico do doador. "Gerar uma criança não é tão simples quanto parece, precisa ter responsabilidade de ambos", comenta. "Gosto de conhecer tudo sobre a pessoa. Personalidade, família, histórico de doenças e até ficha corrida", brinca. "Isso varia, mas sempre indico que conheçam bem o doador antes, além de se certificar que os exames não foram fraudados", complementa.
É possível fazer fertilização in vitro pelo SUS
A escolha levanta ainda um debate ético. "As mulheres têm a expectativa de escolherem os pais dos seus filhos com características físicas específicas, mas elas podem ser marcadas por inseminações discriminatórias", alerta a advogada de família Lígia Melo. "Não é um crime fazer isso, é paralelo a ir em uma balada e se relacionar com alguém. Mas, se fosse via fertilização in vitro (FIV), a doação seria anônima", pontua.
FIV é uma técnica de reprodução realizada em ambiente laboratorial, que pode custar até R$ 20 mil, sem garantias de sucesso. "A inseminação caseira é mais barata. O máximo que você vai gastar é com o teste de ovulação, seringa e coletor", contrapõe a tentante Joana, que pediu para não ser identificada.
Ela é profissional de saúde e entrou em um grupo de doação de esperma para realizar um desejo que carrega consigo desde a infância, mas que se fortaleceu depois de começar a trabalhar em uma maternidade. "Não sabia nada sobre o método, foi muito estranho no início. Você precisa conhecer seu corpo e fazer testes de ovulação", enumera.
Depois de tomar a decisão junto com a namorada, Joana encontrou um doador em um grupo de Facebook e eles começaram a conversar. Primeiro por telefone, depois de forma presencial. Quando conversou com Universa para esta reportagem, ela já havia realizado três tentativas, sem sucesso. Isso não a desanimou e ela já estava se preparando para a próxima.
A insistência de Joana e das outras tentantes chama a atenção, pois desde 2012 o SUS disponibiliza gratuitamente os tratamentos de reprodução assistida. "Direito ao planejamento familiar é algo previsto pelo SUS. Porém, em alguns locais, como as capitais, a política pública funciona melhor do que no interior", explica a advogada Isadora Dourado.
"Além disso, o SUS dá prioridade a casais com problemas de fertilidade e outros critérios específicos, então mulheres lésbicas e mães solo são preteridas", complementa a advogada Lígia Melo. "E ainda assim não existe nenhuma legislação específica sobre a fertilização in vitro, apenas uma resolução do CFM, com uma série de medidas que não se adequam a todo o país", complementa.
O problema passa também por falta de cuidado e financiamento público. "Atendemos muitas pessoas que estão acionando o judiciário justamente para conseguir uma vaga na fila da fertilização in vitro." E mesmo na fila, o processo pode demorar bastante tempo. Esse é um dos motivos que, na opinião da tentante Tatiane Priático, faz com que tantas pessoas recorram à inseminação caseira.
"A mulher tem um relógio biológico e, se não corremos contra ele, acaba o nosso sonho de ser mãe."
Consequências jurídicas para a família
Há ainda algumas questões jurídicas complexas para a família. "Quando se realiza a FIV, a clínica te dá um comprovante atestando que você é a mãe daquela criança. O caminho para a inseminação caseira é bem mais complicado", aponta a advogada Isadora.
Ela explica que é possível, por exemplo, que o doador de esperma possa pedir para colocar o nome dele no registro da criança, enquanto a mãe pode solicitar a pensão alimentícia, por exemplo.
Como é algo muito informal, os envolvidos podem não conseguir se proteger nas vias legais. Você não pode abrir mão da maternidade ou paternidade dentro do judiciário, mesmo que assinem um contrato
"O grupo de Facebook é uma boa ferramenta, pois conecta as pessoas, mas não existe muita segurança. A melhor forma seria um anonimato intermediado pelo próprio grupo", aponta. A advogada aconselha as tentantes a ter assessoria jurídica, estarem acompanhada de outras pessoas no momento da inseminação e, se possível, manter sigilo do processo.
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