João do BBB: "Meu pai cuida da casa, chora, é meu exemplo de masculinidade"
Em dois meses dentro do Big Brother Brasil 21, João Luiz Pedrosa defendeu a educação pública, explicou por que ninguém deve ter a sexualidade questionada e fez muita gente discutir racismo depois de ter seu cabelo black power comparado à peruca de uma fantasia de homem pré-histórico, episódio que obrigou a Globo a se posicionar por meio de Tiago Leifert. O mineiro de 24 anos fez tudo isso com firmeza, mas sem levantar a voz, como bom professor que é — profissão que quer exercer "para o resto da vida".
Por enquanto, o professor de geografia não tem planos de voltar às salas de aula, mas pretende usar a visibilidade que conquistou depois do reality para construir uma educação mais igualitária, "que respeite as pessoas e as diferenças". "Precisamos fazer com que os jovens permaneçam estudando. Na minha experiência, vi a expulsão forçada de crianças LGBTQIA+ [Lésbicas, gays, bissexuais, trans e travestis, queers, intersexuais, assexuais e demais existências de gêneros e sexualidades] das escolas", lembra, em entrevista a Universa.
Nesta conversa, ele, que revelou sua orientação sexual à família quando tinha 14 anos, conta que tem no pai, Luiz, seu maior exemplo de masculinidade. "Meu pai é um cara sensível, que beija, abraça e chora. Desde pequeno, este foi meu exemplo. Por isso, fui uma criança e um adolescente que não precisou aprender a esconder sentimentos."
UNIVERSA: Você saiu da casa do BBB 21 há pouco mais de um mês. Como tem sido esse período?
JOÃO LUIZ PEDROSA: Estou vivendo uma readaptação a alguns absurdos. No BBB, a gente vive uma realidade paralela: pode abraçar, tem festa semana semana. Quando eu saí, me deparei com outra realidade. No começo do programa, quando o Tiago Leifert entrou dizendo que ia passar informações sobre a pandemia, eu, otimista que sou, achei que ele ia dizer que estava todo mundo sendo imunizado e que a nossa vez tinha chegado. Eu já estava levantando a manga e falando: "Pode vir com a vacina".
Eu realmente tinha a expectativa de que, quando eu saísse, a gente estaria em uma situação mais avançada de vacinação, mas ainda nem sei quando a minha faixa etária vai receber a primeira dose. Fora a pandemia, aconteceu tanta coisa. Eu era professor, né? Toda minha experiência era com meus amigos e meus alunos, mas agora passei por ensaios, dei entrevistas. É muito legal me ver em diferentes situações.
Recentemente, você gravou um vídeo com a youtuber Bianca Dellafancy e se montou como uma drag queen. Como é sua relação com a masculinidade e com itens considerados femininos, como a maquiagem?
Quando eu consegui falar sobre a minha sexualidade pela primeira vez, aos 14 anos, pensei muito na figura do meu pai. Ele é um homem que não está preso à imagem bruta de masculinidade que é exigida dos homens.
Meu pai é um cara sensível, beija, abraça, chora. Desde pequeno, esse foi meu exemplo de masculinidade: meu pai fazendo tarefas domésticas e dando carinho. Por isso, fui uma criança e um adolescente que não precisou aprender a esconder sentimentos.
O mesmo aconteceu quando eu tive contato com maquiagem e outras coisas que as pessoas associam ao feminino, como a montação de drag queen, que eu já tinha feito em casa, de brincadeira. Não me vejo em um dilema moral e isso se deve ao fato de eu ter crescido em um ambiente que me ensinou que nada precisa estar restrito a um gênero específico.
Você já disse que não pretende voltar a dar aulas, mas que continuará ligado à educação. Como pensa em fazer isso?
Não que não seja uma vontade, ou que eu nunca mais queira entrar numa sala de aula, mas eu acredito que nesse momento não tem como. Vou chegar para dar aula de geografia e ninguém vai querer saber de geografia, só de BBB.
Além disso, acho que a escola não é só a sala de aula, minha profissão não está restrita a esse ambiente.
Quero ser professor para o resto da vida. Esse título vai me acompanhar num programa de TV, numa entrevista ou em qualquer outro espaço em que eu possa discutir a educação, mas que não necessariamente seja o espaço físico de uma escola. Quero aproveitar a visibilidade que eu construí para falar de educação e ajudar a construir um cenário educacional que realmente respeite as pessoas e as diferenças.
Às vezes a escola fica tão restrita ao conteúdo, a preocupações como passar ou não em uma prova, e a gente precisa dar um passo atrás e garantir que todos permaneçam na escola, evitar que crianças LGBTQIA+ sejam evadidas, por exemplo.
Durante o BBB, seu namorado, Igor, publicou no Twitter um cálculo mostrando que o valor do prêmio seria equivalente a 62 anos do seu salário como professor. O que essa conta diz sobre a realidade dos docentes no Brasil?
Não é uma realidade só de agora não, é de sempre. Para você ter uma ideia, eu morava numa cidade e dava aula em outra, então de terça a sexta-feira eu tinha que pegar um ônibus que custava R$ 32. Pensa comigo: eu gastava quase R$ 70 por dia para chegar à escola, mas a hora-aula que eu ganhava era pouco mais de R$ 20. Desses R$ 2 mil que eu recebia por mês, R$ 700 iam embora só com transporte. Com o restante, ajudava a minha família e pagava as contas. Detalhe: essa conta considera 62 anos sem comprar uma água, na prática seria muito mais do que isso.
Essa realidade não é de hoje, vem de muito tempo. É importante que as pessoas se choquem, pensem: 'Nossa, meu professor ganha só isso?'. A desvalorização do professor e da educação no Brasil acontece ao longo da história e hoje a gente vê um cenário ainda mais grave, de ataque à ciência, ataque aos professores.
Essa edição foi a primeira do Big Brother Brasil a ter metade dos participantes negros. Qual o resultado dessa ação, na sua opinião?
A TV mudou muito de uns anos para cá, edições anteriores do programa tinham uma participação muito baixa da população negra. Quando eu fui chamado para entrar no programa, pensei que só teria eu e mais duas pessoas no máximo, mas entrei lá e me surpreendi. O BBB ainda não representa a população brasileira por completo, mas teve um salto importante nesse sentido.
Esse programa foi muito interessante porque mostrou que nós, negros, somos diferentes. Temos algo que nos une, mas temos nossas próprias trajetórias e personalidades.
Depois do comentário racista sobre seu cabelo feito por Rodolffo, você se posicionou de forma muito firme, mas também calma. Sempre reagiu assim ao racismo e à homofobia?
Acho que as pessoas estão acostumadas com um tipo de posicionamento mais reativo, né? Todas as vezes em que me vi em momentos delicados e achei que deveria, me posicionei. Cada pessoa tem sua personalidade e não estou dizendo que a minha forma de expressão é a mais correta, mas é assim que eu me expresso: tento sempre prezar pelo respeito, mesmo discordando. Isso não significa que eu seja calmo o tempo todo. Existem momentos em que eu fico nervoso, que eu levanto a voz, claro, como qualquer outra pessoa.
Aquele episódio te surpreendeu?
Antes de entrar, eu ficava pensando: "Vai acontecer. Quando acontecer, vou agir de tal forma". Mas desde o começo as pessoas demonstraram uma preocupação muito grande em falar alguma coisa errada, então passei tanto tempo sem vivenciar nenhuma situação desconfortável que, quando aconteceu, me surpreendi. Ingenuidade minha, a gente vive isso em tantos momentos, por que ali seria diferente? Mas a surpresa foi tão grande que, por mais que eu tivesse pensado antes do começo do programa como eu agiria, me vi pensando: "O que eu faço agora?". Foi um momento de autoavaliação, por isso demorei tanto tempo para colocar para fora [João tornou públicas as críticas ao cantor Rodolffo dois dias depois do ocorrido].
Como vê a resposta da Globo e o discurso do Tiago Leifert no dia seguinte à sua fala expondo o racismo?
Eu achei muito sensível. Falei lá dentro e volto a repetir aqui: o que o Tiago fez ali é muito coerente no sentido de usar a visibilidade do programa para falar de um assunto que talvez parte do público tenha tido contato pela primeira vez naquele momento. Aquele discurso foi uma aula para que as pessoas que estão em casa pudessem refletir e identificar alguma fala errada que já produziram. Achei muito sensível e importante. Para mim, conseguir colocar um ponto de interrogação na cabeça das pessoas nos ajuda a andar para frente.
Nas redes sociais, você faz posts com críticas ao governo Bolsonaro. Foi difícil não falar de política no BBB?
A política é uma coisa que atravessa minha vida desde sempre, desde o meu nascimento, porque o meu corpo já chega no mundo sendo um corpo político — todo corpo negro e LGBTQIA+ é político. Então, eu falei de política desde o dia 1 do programa.
É difícil não mencionar [o governo Bolsonaro] até porque, falando em pandemia, por exemplo, essa situação é consequência da configuração política do Brasil, mas o programa tem um público muito diverso e tudo o que a gente fala tem dois sentidos, é complicado.
Hoje, qual é seu maior sonho?
Que pergunta difícil. Eu não tenho um grande objetivo, mas vários — alguns individuais e outros coletivos. De individual, quero ajudar minha família, mas, de coletivo, quero viver em um mundo melhor. Parece frase de Miss Universo [risos], mas sei que a construção de um mundo sem opressão não é um sonho só meu.
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