Fogo em ala de covid: "Nem simulado prepara para o que vimos", diz bombeira
"Parecia que seriar uma sexta-feira normal. Sou tenente-coronel e diretora de operações do Corpo de Bombeiros de Sergipe e estava dirigindo a caminho do quartel aqui em Aracaju, quando fui informada, às 6h50, de uma ocorrência no Hospital Municipal Zona Norte Doutor Nestor Piva.
Sempre que há ocorrências com maior complexidade, sou informada. Quando entrou no sistema a informação desse incêndio com possibilidade de vítimas, resolvi desviar o caminho e ir logo para lá. E como estamos vivendo um momento delicado, de pandemia de covid, e sabia que poderia ser algo complicado, não esperei chegar lá para atuar: fui resolvendo tudo por telefone no carro, passando informações para o comando da corporação.
A chegada da nossa equipe foi rápida. Como o hospital fica perto do quartel central, os bombeiros chegaram lá em menos cinco minutos. Eu cheguei às 7h20, quando os pacientes da ala de covid-19 que incendiou já tinham sido retirados e estavam sendo atendidos pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) e levados para outros hospitais.
Aquela ala só tinha doentes graves e sedados com covid.
Cheguei e pensei: como a gente pode fazer amenizar, para ajudar essas pessoas. Ao mesmo tempo, a gente se sente meio impotente, sabe que cada minuto ali importa para salvar alguém. Após retirar as 72 pessoas da ala, a gente ainda vasculhou tudo para ver se tinha foco de fogo.
O meu trabalho é de coordenação. Ao perceber o fim da ação de combate ao fogo, coube a mim, por exemplo, acionar e coordenar a equipe de perícia. Como diretora de operações, sou eu quem determina a chegada e saída de equipes. No caso desse incêndio, comandei 20 pessoas na operação.
Foi uma ação muito delicada. Havia muita fumaça e calor, e todos os pacientes estavam em uma situação bem emblemática: precisavam de tomadas para manter os aparelhos de suporte ligados. Foi um trabalho delicado, mas feito com êxito.
"A ficha só caiu depois"
Só quando terminou tudo é que a ficha começou a cair. Na hora, você está com adrenalina máxima e fica anestesiada. Mas depois de tudo, relatei aqui ao pessoal: a gente faz simulados de situações com ocorrência de múltiplas vítimas, muitos ferimentos, materiais perigosos; mas viver isso, fazer uma coordenação tão complexa, com pacientes sedados e saúde fragilizada, é muito diferente. Infelizmente, quatro pacientes morreram.
Uma coisa é coordenar em uma simulação; outra é isso ocorrer nesse cenário complexo, no meio de uma pandemia, com tantos desdobramentos em um hospital incendiando. Fica uma lição para todos nós, mas também fica um pesar pelas vítimas fatais. Acho que todo mundo acaba afetado em uma situação dessas.
Tenho um orgulho muito grande da minha equipe, pelo que foi feito no hospital. Fizemos tudo que estava ao nosso alcance. Foi uma operação exitosa.
Cargos de direção sempre foram mais ocupados por homens, mas hoje eu sou feliz em poder ajudar, em poder contribuir com o Corpo de Bombeiros de Sergipe. A mulher chegou e conquistou seu espaço. E eu ocupo aqui o meu com orgulho, mas também porque há um ambiente de harmonia, de respeito. Assim a gente consegue exercer nosso papel.
A mulher aqui não sou só eu: toda minha tropa feminina tem muita responsabilidade, muita garra.
*Maria Souza, 46, é tenente-coronel e diretora de operações do Corpo de Bombeiros de Sergipe
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