"Fugiu do meu casamento para ir ao shopping": como é ter uma mãe narcisista
Imagine que, no dia do seu casamento, sua mãe entre no local onde vai ser realizada a cerimônia e encontre você se preparando. Poucos minutos depois de ver você vestida de noiva, porém, diz que está passando mal. Sem apresentar nenhum sintoma, ela garante que precisa ir embora com urgência — mas, em vez de ir para casa, é vista passeando no shopping ao mesmo tempo em que você e seu noivo trocam os votos.
Foi o que aconteceu com Isis Collodel, de Curitiba. A partir desse episódio, a esteticista, de 31 anos, percebeu que sua mãe, diagnosticada há anos com bipolaridade, poderia ter também outra complicação psicológica: o narcisismo.
Assim que colocou os olhos em mim, ela ficou abalada e disse: 'Você me passou', como se nós duas estivéssemos em uma competição e ela não aceitasse ter perdido. Minha mãe nunca foi casada e me ver chegar a essa nova fase da vida foi insuportável. Ela sempre teve a necessidade de se sentir a protagonista
Quem também viveu momentos traumáticos ao lado da mãe foi Melanie P., de 19 anos. Ela relata que era incentivada a usar roupas com decotes, maquiagem e a namorar desde cedo. "Quando tinha 13 anos, recusei um pedido de namoro e fui muito xingada. Para minha mãe, aquilo foi um absurdo. Ela se gabava por chamar atenção e queria que eu fizesse o mesmo. Um dia, quando era adolescente, me levou a um bar e pediu para que eu a chamasse de tia, porque estava flertando com homem que se aproximou da mesa", conta.
A estudante relata que recebia um tratamento completamente diferente do seu irmão. "Se brigávamos, eu sempre era a errada, independentemente das circunstâncias", diz. Fora isso, considera que a mãe era "obcecada" pela sua aparência. "Um dia, fui me arrumar para uma festa de 15 anos e comecei a escovar o cabelo, da forma como minha mãe gostava. Mas ela não se agradou do resultado e começou a brigar demais comigo, a ponto de me deixar uma cicatriz na cabeça ao me atingir com o secador".
Diante de outras pessoas, no entanto, tanto a mãe de Melanie quanto a de Isis faziam de tudo para tratá-las bem e vender a imagem de que eram "mães perfeitas". Tempos depois, ambas entenderam, graças a textos e vídeos explicativos da internet, que tanto sofrimento tinha uma origem: o narcisismo de suas mães.
Quais as características de uma mãe narcisista?
A psiquiatra Gabriela Balduíno explica que o narcisismo não é considerado um transtorno psiquiátrico, mas sim de personalidade. Ou seja: não é uma doença que acomete o cérebro, para a qual é possível fazer uso de medicamentos, mas um traço que se desenvolve durante a construção da identidade.
"Narcisistas são pessoas de uma fragilidade muito grande, que precisam o tempo todo ser validadas pelos outros. Mas elas escondem isso de todas as formas, então compensam 'vendendo seu peixe' através de um discurso autoconfiante, sempre exaltando as próprias qualidades", detalha.
Devido a essa postura, mães ou pais narcisistas costumam gerar muito sofrimento aos filhos. "Normalmente, eles desejam que as crianças ou adolescentes reconheçam e valorizem as características que consideram que têm de bom. Porém, quando eles não fazem isso, automaticamente são punidos", aponta. Por isso, normalmente criticam demais e "jogam na cara" os defeitos dos filhos, além de culpá-los por tudo.
Filhos de pais narcisistas são colocados em um esquema tóxico, em que só se sentem amados quando correspondem ao ideal do pai ou da mãe. Mas esse ideal nunca pode ser realmente atingido. Por isso, crescem com a carga de não se considerarem bons o suficiente para serem filhos de quem são"
Há ainda outras especificidades: caso tenha mais de um filho, a pessoa narcisista tende a escolher um deles para ser "de ouro" e exaltar suas qualidades, como forma de manipular o psicológico dos outros através da comparação. Além disso, ela também tende a projetar em todos eles sonhos que gostaria de ter realizado, mas não conseguiu.
Complicações psicológicas para os filhos
A psiquiatra alerta que a vida de uma pessoa narcisista tende a ser atravessada por relações conturbadas. No caso de Isis, o dia do casamento foi a gota d'água de uma relação que, há anos, vinha sendo tóxica. "Desde muito nova ela prejudicava minha autoestima, dizendo que eu era ruim, má, cruel. Vivia em um campo minado: se fazia algo de que ela não gostava, era humilhada. Se agia exatamente da forma como ela queria, era recompensada com presentes, roupas ou outras coisas das quais ela sabia que eu gostava", relembra.
Além da revolta e das constantes decepções, a maneira como foi criada teve um impacto profundo na sua trajetória. "Tive uma filha na adolescência e saí de casa para cuidar dela. Minha mãe jamais me deu suporte: pelo contrário, poucas semanas depois do nascimento, me ligou dizendo que estava muito doente, que eu precisava voltar imediatamente — e me proibiu de levar a criança junto". Por causa disso, a menina acabou sendo criada pela avó paterna.
Segundo a psiquiatra, pessoas criadas por mães narcisistas tendem a ter dificuldades para se relacionar e baixa autoestima.
Em muitos casos, cortar ou estabelecer limites na relação é a saída
A psiquiatra explica que, devido às características do transtorno, narcisistas quase nunca recebem um diagnóstico médico. "Como se consideram donas da verdade e não admitem que estão erradas, nunca irão procurar o auxílio de um psicólogo, por exemplo, com o objetivo de melhorar a relação com os filhos", diz. Por esse motivo, o conselho é não tentar mudar o pai ou a mãe, mas, sim, buscar um tratamento para as marcas deixadas por eles. "Entender que não é uma questão sua, mas sim do outro, costuma trazer um grande alívio para quem conviveu com um narcisista muitos anos", diz.
Atualmente, a mãe de Isis está internada em uma clínica de repouso e, como filha única, a esteticista é responsável por ela. "Confesso que é aterrorizante, perante a lei, ter que cuidar de alguém que já me colocou em tantas situações delicadas. Hoje faço um amparo à distância: tento me manter o mais longe possível, mas fazendo as interdições necessárias enquanto sua familiar mais próxima", diz. Ela conclui que sua única motivação para continuar ajudando a mãe é a empatia. "Penso que ela teve uma infância de abuso físico e psicológico, que resultou na forma como responde enquanto pessoa. Como ser humano, sei que não deve ter sido fácil", reflete.
Já no caso de Melanie, a relação foi cortada assim que saiu de casa para morar com o pai e a madrasta, aos 17 anos. "Disse que iria passar duas semanas com eles e nunca mais voltei. No começo, ela questionou se não voltaria para casa, depois, não me procurou por quase dois anos", conta. Hoje, ela garante que não pretende retomar o contato.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.