Riscos em troca de nariz fino: o que há por trás da cirurgia de alectomia
No fim do primeiro semestre de 2020, o Google deu conta de um aumento de 4.800% nas buscas por rinoplastia na plataforma. Na época, especialistas creditaram a elevação ao excesso de visualização da própria imagem em telas, apelo da quarentena para enfrentar o pós-operatório longe dos olhares alheios e até os famosos, como a ex-BBB Flay, que aproveitaram o isolamento social para realizar intervenções.
Entre as variações dos procedimentos que mudam a estrutura do nariz está a alectomia, tratamento com foco na redução da largura do nariz, que virou moda por ser feito rapidamente e custar menos do que a remodelação completa. A questão é que ele soma questões importantes: tem sido feito por profissionais que não são autorizados a realizá-lo, como os dentistas; nem toda estrutura facial suporta tal intervenção e, por trás do ideal que ele promove, há uma série de preconceitos velados.
Raio-x e riscos da alectomia
A alectomia é uma das técnicas do processo de rinoplastia e, em geral, entra no pacote da reestruturação nasal geral, porque outras modificações também colaboram para o resultado — quando se projeta a pontinha, por exemplo.
Entretanto, também pode e tem sido feita sozinha. Se ela é o único procedimento, funciona assim: com anestesia, o cirurgião reduz as chamadas asas nasais, estruturas que envolvem as narinas, e fecha com pontos. O resultado é um nariz visualmente mais estreito, fino, com "abas" e aberturas menores.
O detalhe é que nem todo mundo pode fazê-la, caso de quem tem o nariz já estreito ou não tem pele suficiente para remover, por exemplo. "Vivo repetindo em meu consultório que não é uma cirurgia indicada para qualquer um e que nem sempre o afinamento é a melhor opção. Prova disso é a quantidade de pessoas que mudam de ideia em relação ao que desejam na rinoplastia quando mostro a simulação 3D e elas conseguem ter uma ideia melhor do resultado", conta o cirurgião Henrique Lopes Arantes, de São Paulo.
A lógica é simples. "O nariz é composto por dois túneis de ar, portanto, há risco quando você reduz exageradamente as entradas, podendo causar dificuldade de respirar ou a criação de um ruído, uma espécie de assovio toda vez que a pessoa inspira o ar", explica.
Apesar de ser uma cirurgia de baixa complexidade, segundo o especialista, é essencial que seja feita com um profissional qualificado para isso. "Isso, porque existe um limite de pele que pode ser removido para que não apresente riscos à saúde da paciente. E só é possível sabê-lo com conhecimento técnico e análise clínica criteriosa", argumenta.
A promessa tentadora de menores valores e tempo de recuperação atrai as pacientes que acabam, inclusive, em consultórios odontológicos, quando somente médicos estão autorizados a realizar o procedimento. Dentistas até podem fazer alguns tratamentos faciais, mas as alectomias são proibidas desde uma resolução de agosto de 2020 do Conselho Federal de Odontologia.
O mix de falta de informação e má escolha dos profissionais acaba em procedimentos que deram errado. Nas redes sociais, pipocam relatos neste sentido. O mesmo tem chegado aos consultórios. "Vi casos de pessoas que ficaram meses sem conseguir retirar a máscara para esconder as marcas, outras sem conseguir respirar direito e com as funções nasais seriamente comprometidas", alerta o médico. Desesperadas, as pacientes acabam recorrendo a novas consultas e novos procedimentos para corrigir erros.
Desde quando nariz largo é um problema?
O formato do nariz, junto com cor de pele e tipo de cabelo, respondem à genética. Certas características, por sua vez, podem ser mais comuns em determinadas populações, por exemplo.
"O nariz largo, os lábios grossos e os cabelos crespos ou cacheados, além da cor da pele, são traços físicos que pessoas negras apresentam. Quando se busca modificar o desenho do nariz por uma opção estética, é também sobre uma nova leitura de si mesma, um novo referencial aos olhos de quem vê de fora", afirma Viviane Gonçalves Freitas, doutora em ciência política e coordenadora do grupo de trabalho Mídia, Gênero e Raça da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política (Compolítica), de Minas Gerais. Para ela, os referenciais de beleza eurocêntricos têm peso importante na construção deste imaginário, que também exclui traços asiáticos.
Esses preconceitos tão estruturais, por vezes velados, ditam percepções que parecem genuínas ou simples desejos. "A cirurgia estética é uma necessidade de pertencimento e ao mesmo tempo de se sentir bem na própria pele. De um lado, temos o desejo de pertencimento e de outro uma concepção do que é o normal, o belo, o valorizado", afirma a pesquisadora Mirian Goldenberg, que estuda a autoestima feminina há mais de 20 anos. Falando especificamente do nariz, ele se torna um alvo ainda mais fácil por se tratar de um ponto focal do rosto. "É muito visível, tanto pelos outros quanto por nós mesmos, seja no espelho, no Zoom ou na selfie", argumenta.
Para ela, um dos caminhos possíveis para encarar a questão é trabalhar o poder da individualidade. "O que mais tenho visto em minhas pesquisas é que as pessoas mais felizes são aquelas que se enxergam livres de padrões. Está na hora de pararmos de achar que o diferente daquilo que já somos é mais ou menos belo", finaliza.
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