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"Pedofilia, julgamento e vazamento de fotos: por que deletei meu OnlyFans"

Lado B do OnlyFans: ex-usuária relata mensagens ofensivas e complicações na vida pessoal - iStock
Lado B do OnlyFans: ex-usuária relata mensagens ofensivas e complicações na vida pessoal Imagem: iStock

Carolina* em depoimento a Ana Bardella

De Universa

09/06/2021 04h00

"Tenho 21 anos e sempre fui ativa nas redes sociais. Na pandemia, sem sair de casa, passei a usar bem mais o Twitter. Lá, via outras mulheres divulgando seus perfis no OnlyFans, um site de conteúdo pago. A maioria delas postava fotos sensuais, mostrando seus corpos, e ganhava dinheiro com isso, através de assinantes que topavam pagar uma quantia em dólares para ter acesso ao material. Eu, que tenho uma boa relação com a minha imagem, comecei a encarar aquela como uma possibilidade de renda extra.

Atualmente, dou aulas de inglês e faço um cursinho preparatório para ingressar na faculdade. Ainda assim, preciso da ajuda financeira da minha família e isso me deixa desconfortável. Moro em uma cidade pequena e percebo que aqui há mais pessoas procurando emprego do que vagas disponíveis no mercado de trabalho.

Por esses motivos, a ideia foi tomando cada vez mais força: me considero uma mulher bem resolvida e já tinha o hábito de tirar fotos eróticas. Algumas ficavam guardadas no celular, outras eu compartilhava com pessoas com quem me relacionava. Pensei: por que não usar isso para ganhar dinheiro?

Demorei para tomar a decisão, porque sabia que estaria entrando para o mercado da pornografia, uma indústria que tem suas complicações. Mas decidi arriscar e pedi a ajuda de um amigo para me cadastrar. É um processo longo e burocrático. Levei algumas semanas até preencher os formulários e receber o aval do site para começar a postar.

Quando finalmente consegui, no início deste ano, achei que tinha tomado a decisão certa. No primeiro mês, consegui mais de 30 assinantes. Como cobrava 10 dólares pela assinatura, recebi cerca de R$ 1.500.

"Imaginei que pudesse estar instigando a pedofilia"

Enquanto isso, sentia que encarnava uma espécie de personagem. Eu queria demonstrar, em especial através do Twitter, que estava feliz com a minha decisão e que nenhuma crítica era capaz de me abalar. Mas, rapidamente, isso começou a mudar.

O primeiro grande impacto que tive foi com relação às mensagens que recebia no site. Sou magra e de estatura baixa. Logo comecei a me deparar com comentários de homens que diziam que eu era linda, porque aparentava ser menor de idade. Um deles chegou a dizer que me adorava, porque eu lembrava a filha dele. Na hora, senti nojo e culpa: na minha cabeça, era como se eu estivesse instigando ou alimentando um pensamento pedófilo.

Fora isso, por se tratar de algo que envolve dinheiro, muitos dos assinantes se sentiam como 'donos' do meu corpo. Se não gostavam de uma foto, reclamavam através das mensagens. Alguns diziam que eu tinha que malhar, porque meus seios eram pequenos demais, meu corpo era flácido. Também reclamavam das poses, dizendo que preferiam desse ou daquele jeito e que, se eu não postasse, iriam cancelar a assinatura.

"Sofri as consequências também fora das redes"

O segundo motivo que me deixou apreensiva foi encontrar imagens minhas em sites pornográficos, fora das redes. Em um deles, a imagem foi postada com uma legenda de teor pedófilo, como se eu fosse uma criança. Em outro, divulgaram meu número de telefone — informação que eu jamais disponibilizei no OnlyFans — e passei a receber mensagens de WhatsApp pornográficas de vários homens. Cada notificação era motivo de ansiedade.

Minha família logo percebeu que eu estava diferente, mas, apesar de sermos próximos, não podia compartilhar com eles os motivos da minha tristeza. Até que um dia, uma pessoa do meu núcleo familiar descobriu sobre a conta. Apesar de não informar para os demais, insinuou que eu era uma vergonha, que a minha decisão era motivo de desgosto.

Nas relações interpessoais, também senti o impacto. No Twitter, a única rede na qual divulguei meu perfil, alguns usuários passaram a me tratar de forma diferente, como se eu tivesse menos capacidade intelectual por estar produzindo aquele tipo de material. Percebi que eu mesma estava internalizando essa ideia e que não me sentia mais tão habilidosa em outras partes da vida.

Quando conhecia alguém no Tinder, se a pessoa percebia que eu tinha OnlyFans, imediatamente começava a me tratar diferente. Passava a agir como se eu fosse alguém com quem ela adoraria passar uma noite, mas apenas isso.

"Passei uma semana de cama antes de deletar minhas fotos"

Assim que me dei conta da extensão dos danos que aquela exposição havia me trazido, decidi deletar minha conta. Passei quase uma semana depressiva e de cama, sem conseguir levantar para quase nada. A casca que eu havia criado, de defender que nada conseguia me abalar, tinha quebrado. Depois disso, resolvi deletar minhas fotos, o que deixou os assinantes muito bravos — e comecei a receber xingamentos.

Assim que receber o restante que falta, pretendo encerrar minha conta. Hoje, faço terapia, mas ainda me sinto apreensiva. Mudei minhas fotos das redes sociais, meus usuários e estou trocando meu número de telefone, na esperança de que as perseguições virtuais parem de acontecer. Resolvi falar publicamente sobre os motivos pelos quais me arrependi de ter entrado para o OnlyFans para que mais mulheres possam ponderar as consequências antes de tomar a decisão. Muitas vezes, como aconteceu comigo, estamos conscientes do que pode acontecer, mas não da dimensão que esses problemas podem tomar".

* A identidade da entrevistada foi trocada a fim de proteger sua privacidade.

Outro lado

Universa tentou entrar em contato com o OnlyFans, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.