Preconceito religioso: elas preferem não revelar sua fé no trabalho
Imagine omitir uma parte importante da sua vida para chefes, colegas e gente com quem você divide sua rotina profissional diariamente por receio de como estas pessoas irão reagir. É assim que uma parcela dos religiosos se sente quando está no ambiente de trabalho.
Há quem prefira comentar pouco sobre sua fé ou até esconder sua religiosidade em função de seus valores e costumes. A seguir, três mulheres que atuam em diferentes áreas e seguem a religião evangélica, o espiritismo e o candomblé, respectivamente, contam como se comportam em seus ambientes profissionais:
"A primeira pergunta sempre é sobre virgindade"
"Antes mesmo de eu nascer, meus pais já frequentavam a igreja. Por isso, desde muito nova, faço parte da Congregação Cristã do Brasil — uma denominação que tem costumes mais rígidos, com os quais já estou habituada. Durante a minha infância e adolescência, meus pais seguiam as regras estritamente, por isso só fui pintar as unhas e usar maquiagem, por exemplo, quando completei 18 anos.
Lembro de sofrer bastante bullying na escola, até com relação aos professores, que não me selecionavam para determinadas atividades.
Foi na época em que cheguei à maioridade que comecei a ter um pouco mais de liberdade e a conhecer mais sobre a minha personalidade.
Sou vaidosa, gosto de me arrumar e, apesar de nunca ter furado as orelhas, por exemplo, adoro usar colares e anéis. Entretanto, ainda mantinha os cabelos bem longos e usava saias compridas. Por isso, quando comecei a trabalhar, nem precisava contar para as pessoas sobre a minha religião: só de bater o olho em mim sabiam que eu era evangélica
Minha função era de menor aprendiz em uma empresa da indústria agropecuária. Ali, costumavam fazer piadinhas, alegando que não falariam sobre determinados assuntos na minha frente 'porque eu era da igreja'. E aqueles com quem tinha mais convívio geralmente perguntavam se eu 'ainda era virgem', um questionamento que sempre me deixou desconfortável
Afinal, é um assunto delicado, que não costumo abordar nem mesmo em casa, com meus pais ou com a minha irmã, por exemplo.
Foi nesse período também que participei de um concurso de beleza, que me abriu portas para atuar como modelo. Desde então, participo de eventos e campanhas. Tenho sorte de receber trabalhos muito tranquilos e não vejo problema em fazer fotos até de biquíni, desde que elas não sejam de cunho sensual, caso contrário acabo recusando.
Hoje em dia, tenho ainda mais um emprego: um estágio na área de marketing. Nele, evito falar sobre a minha religião, justamente para me esquivar de situações como as que aconteceram no passado.
Sinto que, entre as mulheres evangélicas, é comum o sentimento de fingir ser alguém que não se é para evitar chamar demais a atenção
Outra questão frequente é os demais considerarem que não podemos ser incisivas ou defender um ponto de vista de forma mais enérgica, já que deveríamos resolver tudo na 'base da tranquilidade', quando todos sabem que na vida real as coisas não funcionam assim". Carol Mendes, tem 24 anos, é modelo e social media, de Barueri (SP)
"No hospital, me chamavam para rezar, sem me perguntar se queria estar ali"
"Sou praticante do espiritismo há apenas 8 meses. Antes disso, ainda estava tentando encontrar uma fé que me contemplasse: ia a terreiros, tirava tarô, pesquisava sobre diferentes doutrinas. Dentro do ambiente de trabalho, no entanto, sempre preferi manter a discrição sobre a minha fé. Comento sobre esse tipo de experiência apenas com algumas pessoas próximas, que têm a mente mais aberta. Principalmente porque sei que é visto por alguns como algo errado, 'do diabo'.
Precisei mentir que era católica para ser admitida em uma entrevista de emprego conduzida por uma freira. Também já me forcei a participar de orações de mãos dadas realizadas pela equipe, antes de começar o plantão, para não criar problemas
Nas vezes em que me recusei a participar de rodas de oração, fui bastante julgada. Muitos acharam um absurdo, quando na verdade era simplesmente algo que não fazia sentido para mim
Em geral, o que me chama mais a atenção é o fato de ninguém nunca ter questionado, antes de iniciar uma atividade desse tipo, se eu compartilhava dessa fé, se estava confortável. Esse tipo de coisa sempre me aterrorizava e me deixava triste, por não ter minha vontade respeitada". Layse Mendonça, 27 anos, enfermeira, de Curitiba (PR)
"Faço questão de separar a parte profissional da religiosa"
"Comecei a participar do candomblé quando ainda era pequena, mas frequento de verdade há quatro anos. Sou uma pessoa bem resolvida, mas sei que existe muito preconceito. Por causa disso, tomo cuidado para não misturar minhas crenças com as atividades profissionais.
Trabalho como representante comercial e sempre que tenho um encontro presencial com um cliente, cubro minhas tatuagens com símbolos religiosos. Da única vez em que deixei eles aparecerem, me senti desconfortável e fiquei apreensiva de alguém me questionar sobre os significados — o que não aconteceu. Já nas redes sociais, faço todas as abordagens através do perfil da empresa, nunca da minha conta pessoal.
Também sou empreendedora e atendo uma clientela variada.
Apesar de nunca comentar sobre política nem sobre religião nos meus negócios, já aconteceu de algumas clientes, de crenças diferentes, tentarem puxar essa conversa comigo, insinuando que a minha fé está errada
Na ocasião, apenas cortei o assunto sem ser desrespeitosa. No fundo, sei que a lista de preconceitos poderia ser bem maior, mas acredito que não tenha vivido tantas situações graves devido à minha discrição". Driely Regina Santos, 33 anos, empreendedora e representante comercial, de São Paulo (SP)
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.