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"Perdi uma das mãos, superei traumas e hoje sou campeã de fisiculturismo"

Anelise Ikert - Arquivo pessoal
Anelise Ikert Imagem: Arquivo pessoal

Anelise Ikert, em depoimento para Abinoan Santiago

Colaboração para Universa

11/06/2021 04h00

"Me chamo Anelise Ikert, tenho 34 anos, e moro em Nova Santa Rosa, no interior do Paraná. Perdi uma das minhas mãos ainda criança, mas consegui superar meus traumas e virei campeã de fisiculturismo.

Minha história de superação começa aos cinco anos. Meus pais tinham um açougue em casa, em Terra Roxa, no Paraná. Eu gostava muito de ajudar, mas eles nunca deixavam porque era perigoso. Certo dia, enquanto preparavam linguiças, lembro que novamente quis auxiliar nos serviços. Subi em um banco e, sem querer, enfiei a mão na máquina de moer carne.

Anelise Ikert perdeu a mão esquerda aos cinco anos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Anelise Ikert perdeu a mão esquerda aos cinco anos
Imagem: Arquivo pessoal

Dramas vividos após a perda da mão

Como perdi a mão esquerda aos cinco anos, vivi traumas ao longo da vida. Tudo o que desejei fazer, sempre consegui, como tocar piano, andar de bicicleta e até pilotar moto. Só que nunca foi fácil.

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Acredito que, no início, eu aceitei o que aconteceu comigo por ser criança. Não tinha noção da gravidade e acabei naturalizando a perda de uma das mãos, já que fui crescendo e aprendendo comigo mesmo a adaptar essa condição à minha vida e sempre tentando mostrar para mim mesmo que conseguia sozinha fazer qualquer coisa.

Mas na adolescência, eu passei a usar roupas mais compridas para esconder o braço. Na escola, por exemplo, me escondia. O mesmo aconteceu nos meus álbuns de gravidez e casamento. Só me libertei disso com o fisiculturismo.

É que por eu não ter uma das mãos, as pessoas acabam me colocando muita limitação. Não é fácil esse julgamento. Acham que não vou conseguir, sempre perguntam se posso fazer algo.

Tiveram situações de discriminação que me marcaram. Uma foi quando eu tinha 19 anos. Passei em um processo seletivo de um emprego em um banco em uma disputa com outras 21 pessoas.

O pai de uma das candidatas reprovadas me viu atendendo e começou a falar que eu estava demorando no serviço por causa da minha amputação. Ele dizia para gerente que eu não sabia contar dinheiro e a questionou como a filha dele - com dois braços - não passou.

Antes disso, na minha adolescência também tiveram momentos semelhantes, como ser recusada para dançar em um baile depois de o menino ver apenas uma das mãos e ser chamada de "João sem braço" durante um jogo de futebol depois de entrar em campo.

O mesmo aconteceu na maternidade. Eu e meu marido, o Alexandro Ikert, nos conhecemos há 13 anos, desde a faculdade de Administração que fazíamos juntos. Namoramos por dois anos e casamos. Com cinco anos de casamento, tivemos o Aquiles, hoje com dez anos, e depois o Athos, que tem cinco.

Não precisei de ninguém para cuidar dos meus filhos, mas lembro que no hospital, na minha primeira gestação, as enfermeiras ficavam em cima para saber se eu teria condições de dar leite e cuidar deles. Só chegando em casa que pude fazer tudo tranquila. Acredito que se Deus tira algo da gente, acaba dando forças para outras.

Anelise, o marido Alexandre e os dois filhos do casal - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Anelise, o marido Alexandre e os dois filhos do casal
Imagem: Arquivo pessoal

Dos traumas à liberdade através do fisiculturismo

Em 2018, fui assistir a uma copa de fisiculturismo em Cascavel (PR) e me apaixonei em ver as meninas no palco. Comentei com meu marido e na hora ele me incentivou.

Eu acreditava que era impossível para mim. Nunca pensei em competir até então. Tinha muito medo de me mostrar aos outros por causa da amputação. Vi as meninas e imaginei ser um sonho distante, mas decidi lutar sem deixar de acreditar.

Subi no palco no ano seguinte, em 2019, em uma competição regional. Quando me inscrevi na Federação Paranaense de Fisiculturismo, minha intenção era de concorrer na categoria para pessoas portadoras de necessidades especiais. Só que o presidente me orientou a concorrer com as outras meninas porque estava com o 'shape' muito legal.

Aceitei o desafio. Concorri na especial e ganhei. Já com as outras meninas, fiquei em terceiro lugar. Foi uma vitória incrível para mim porque era algo que nunca esperava, pois tinha medo de mostrar meu corpo, de desfilar, mas o esporte acabou me libertando.

Anelise Ikert - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Aquilo foi tão libertador que você nem imagina. A ficha só caiu quando peguei o troféu nas mãos. Vi que eu poderia fazer aquilo e desde então nunca mais me escondi para uma foto.

Depois desse primeiro campeonato, aprendi a malhar a parte superior do meu corpo, algo que não fazia ainda. O meu coach, o Sérgio Úngaro, me viu naquele dia e passou a montar meus treinos com o Luiz Gustavo, que já me acompanhava aqui na cidade. Foi aí que entrou a adaptação de um acessório com correntes e caneleiras para trabalharmos as costas e ombros.

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Com isso, ainda 2019, conseguir disputar três campeonatos, o Arnold Classic Brasil, ficando duas vezes em primeiro lugar em categorias diferentes, o Muscle Contest, quando também fui a melhor na minha categoria e um terceiro lugar no Olympia. Em 2020, obteve o segundo lugar no Muscle Contest. Todos foram disputados nas modalidades não especiais.

O pódio que mais tenho carinho é o do Arnold. Foi um sonho realizado porque é um campeonato gigantesco. Competi com atletas que sempre admirei e consegui pódio na categoria biquíni. Lembro como se fosse hoje.

O curioso é que nos campeonatos sempre me olhavam com muita admiração. Quando nós, os atletas, nos víamos, os meus próprios adversários e demais pessoas no evento se motivavam ao me verem ali.

Eu nunca esperava motivar tanta gente. Isso até me dava força para continuar. Que as pessoas sempre acreditem nelas mesmo, sem permitir que os outros abalem seus sonhos porque só a gente mesmo pode torná-los reais. Se você consegue, não existe limitação maior que a sua própria vontade."

* Anelise Ikert, de 34 anos, é empresária e fisiculturista, de Nova Santa Rosa (PR)