"Vergonha ameaçarem greve se escola virar serviço essencial", diz deputada
Mãe de seis filhos, com idades que variam de 3 a 25 anos, a deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF) é categórica quando o assunto é educação: "as escolas têm que ser o último serviço a fechar e o primeiro a abrir". A empresária paulistana de 47 anos é uma das autoras do projeto de lei que defende que a educação seja considerada um serviço essencial na pandemia — o que inclui o incentivo às aulas presenciais.
O PL, que já aprovado pela Câmara e ainda será votado pelo Senado, desagradou sindicatos e organizações educacionais, que escreveram um documento assinado por mais de 40 entidades contrárias ao ensino presencial com o país se aproximando dos 500 mil mortos em decorrência da covid-19. "O Brasil está diminuindo duas décadas no conhecimento. Realmente me envergonha eu parar para falar de greve", diz ela em entrevista por telefone a Universa.
Em seu primeiro mandato na Câmara, Belmonte integra 116 frentes parlamentares — entre elas, a evangélica, a feminista e a contrária à legalização do aborto. Ela diz que sente resistência de alguns deputados com as colegas mulheres, mas que nunca sofreu violência de gênero.
Ela conta que decidiu entrar para a política para trabalhar por oportunidades para crianças e adolescentes — um desejo que surgiu após perder um dos seis filhos, Arthur, quando ele tinha dois anos e sofreu um acidente doméstico."Para cada criança que a gente pode criar oportunidade de realizar o seu sonho, é o sorriso do meu filho que está lá", diz.
Paula é casada com o empresário Luis Felipe Belmonte, fundador e vice-presidente da Aliança Brasil, organização política que pode vir a se tornar o partido que abrigará o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a parlamentar se diz favorável à CPI da Covid, mas pede que a atuação dos governos estaduais na condução da pandemia também seja investigada.
Em 2018, a deputada declarou ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) um patrimônio de R$ 5,6 milhões. Já o patrimônio declarado por seu marido, eleito primeiro suplente do senador Izalci Lucas (PSDB-DF), foi de R$ 65,7 milhões. "Sou a deputada mais econômica do Brasil, eu abri mão de todos os meu privilégios políticos, não uso cota parlamentar, isso faz com que eu entre no Parlamento com total independência."
UNIVERSA: Por que a senhora quer tornar a educação essencial num momento de crise sanitária, sem toda a população vacinada?
Paula Belmonte - O PL não fala de obrigatoriedade, tá? Fala de essencialidade, que são termos muito diferentes. Eu quero trazer isso para esclarecer, ele não obriga nenhuma escola a abrir. Ele traz, inclusive, a possibilidade do sistema híbrido, de rotatividade, traz a possibilidade de não abrir. O que ele faz é que a educação se torne uma prioridade. O objetivo é fazer com que nossas escolas sejam as últimas a fecharem e as primeiras a abrirem. Nós estamos lutando pelo direito garantido na Constituição Federal de que nossas crianças e adolescentes tenham a oportunidade de continuar estudando.
Hoje nós vimos bares, restaurantes [abertos]... eu vejo que é um setor que está sofrendo muito na pandemia. Não há setor que não esteja, né? Queremos é dar oportunidade para os mais vulneráveis, porque as escolas particulares já estão funcionando há muito tempo — aqui no Distrito Federal estão desde setembro.
Mais de 40 sindicatos e associações se manifestaram contrários ao PL. Muitos deles alegaram que a retomada das aulas presenciais é uma "irresponsabilidade" e que prejudica "o direito de expressão e o direito de greve''. Eu queria saber como a senhora recebeu essas declarações.
Eu tenho que aceitar porque nós vivemos num país democrático e a expressão das pessoas é fundamental. Só que palavras jogadas ao vento podem ter impacto. Estamos falando de média nacional de 60 semanas com crianças e adolescentes fora da sala de aula. Isso mostra como o Brasil, infelizmente, ainda não leva a sério a educação. Peço para que as pessoas leiam o projeto. Inverdades estão sendo faladas e o nosso projeto que, inicialmente tinha dois parágrafos, teve muitas outras contribuições. Em especial, eu gosto de ressaltar uma emenda do partido PCdoB em colocar todos protocolos de segurança desse momento de pandemia.
A gente está falando de vida quando a gente fala de educação, de muitas crianças que tem a escola como porto seguro. Sou fruto de escola pública, estudei do meu jardim de infância ao meu segundo grau em escola pública. O ambiente escolar é também um ambiente social, segurança; é um ambiente em que o professor ali muitas das vezes é o porto seguro daquela criança, por exemplo, que é violentada, abusada.
Países como o Reino Unido apresentaram aumento nos índices de transmissão do coronavírus após a abertura das escolas. É realmente seguro reabrir as escolas?
Eu não gosto de trazer a comparação europeia porque a nossa realidade é diferente. Hoje esse distanciamento é imenso porque pessoas de classe média alta estão com seus filhos na escola, com acesso a internet e computador. Nós estamos defendendo aqui exatamente quem não tem acesso a internet, exatamente quem não tem computador, aquela pessoa que a casa é pior que o ambiente da escola. O que nós temos que discutir aqui é se a educação é essencial, não discutir sindicatos.
Falar de greve num momento de pandemia? É uma vergonha. Nos envergonha.
O Brasil está diminuindo duas décadas no conhecimento. A gente sempre tem uma geração que supera os pais, mas nesse momento, infelizmente, os filhos talvez serão menos inteligentes que os próprios pais. Então a responsabilidade tem que estar na nossa criança, no nosso adolescente e no nosso futuro. Realmente me envergonha eu parar para falar de greve enquanto 480 mil pessoas estão morrendo.
A senhora tem seis filhos. Eles influenciaram na criação desse projeto? E voltarão para a escola se o PL for aprovado?
É por causa de um filho meu que eu estou na política. Infelizmente, em 2014, quando eu morava na Europa, meu filho Arthur, com dois anos de idade, sofreu um acidente doméstico e não está mais aqui conosco. Deus foi tão bondoso comigo que depois me deu mais dois filhos. Quando voltamos ao Brasil, montamos um instituto para atender crianças carentes, para não deixar essas crianças nas ruas e fazer também um trabalho com os pais de profissionalização.
A gente percebeu essa fragilização dessas crianças e jovens, não tem ninguém para lutar por eles, não tem sindicato, não tem corporação.
O motivo de eu estar política é por conta de um filho meu que eu não posso ver o sorriso dele presencial, mas para cada criança que a gente pode criar oportunidade de realizar o seu sonho é o sorriso do meu filho que está lá. Então todos eles, né, fazem parte da minha motivação.
E eles voltarão para escola, é fundamental para socialização de todos eles. Hoje temos acesso a um sistema remoto e tudo. Colocando a dificuldade de muitas crianças que não têm acesso a internet, que não têm acesso a computador, que não têm acesso a telefone, o pai e a mãe precisam trabalhar. E essas crianças ficam um telefone pequenininho assim... crianças de cinco, seis anos estão sendo alfabetizadas com o telefone assim. E é por isso que vou lutar, como mãe, como cidadã brasileira, para que todas as crianças tenham direito ao desenvolvimento educacional.
Já sofreu ou sofre algum tipo de violência de gênero?
Não, mas eu vejo que o ambiente da política é um ambiente masculino. Eu me honro muito que nós entramos numa bancada agora na Câmara que teve um aumento de quase 50%. Hoje nós estamos com 77 deputadas, ainda é muito pouco perante os 513. Eu vejo principalmente que os deputados com mais mandatos ainda não estão acostumados com essas pautas femininas. E nós não chegamos pela metade, nós chegamos chegando.
Lógico que algumas vezes a gente percebe que um ou outro tem alguma resistência, mas eu posso dizer que na maioria das vezes, e eu falo por mim, tenho sido muito bem recebida.
Eu vejo que esse encorajamento de mulheres em lugares de poder é fundamental, mas eu tenho uma ressalva. Eu sou filha de um técnico projetista com uma dona de casa. Minha mãe teve quatro filhos e não se formou. Eu sinto que essa pressão, de nós mulheres conosco mesmo, de não valorizar mulheres grandiosas, como a minha mãe, porque não precisaram sair para trabalhar. A mulher tem que estar onde ela quiser.
É a favor das cotas para mulheres?
Cotas são importantes, de alguma maneira, mas não resolve o problema. O que resolve o problema é nós estarmos fazendo com que nossas mulheres, as nossas meninas, tenham mais oportunidade de conhecimento, de educação, para que elas possam realizar seus sonhos e se colocarem nesses lugares de liderança.
Seu marido, o empresário Luís Felipe Belmonte, um dos fundadores e vice-presidente da Aliança Brasil, organização política que pretende se tornar partido político e, eventualmente, abrigar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A senhora desempenha algum papel no movimento?
Sou uma mulher de muita independência, eu sei o que eu quero. Nós mulheres não podemos ser anuladas, nós temos um pensamento e um caminho que é nosso. É fundamental que eu diga isso. Eu já vivi muito preconceito, de muitas pessoas que defendem mulheres.
Sou casada com um homem que está auxiliando um processo que ele acredita. Se o governo precisar de mim para que ele dê certo, para que a gente possa auxiliar a nossa população, conte comigo. E em qualquer governo. Não tenho nenhuma ligação com a Aliança, e minha conduta mostra isso.
Está em andamento a CPI da Covid. A senhora acha que há omissão do Executivo no combate à pandemia?
Acho que houve muita polarização aqui no Brasil na pandemia. O que eu vejo é uma falta de transparência dos Executivos locais também. Eu sou a favor da CPI da Covid. Quero deixar bem claro: eu fiz parte da CPI do BNDES logo no começo do meu mandato. Nós, legisladores, temos que melhorar as nossas leis e fiscalizar o Executivo. Então, que essa CPI tenha essa função de fiscalizar o Executivo federal, mas também os Executivos estaduais. Eu sou a favor, sim, de que a gente possa fazer essas investigações, ver onde foi essa omissão, e colocar os culpados onde devem estar.
A senhora teve covid em 2020 e foi internada. O que sentiu?
Fui internada, mas fiquei menos de 24 horas no hospital. Eu tenho um aneurisma cerebral e quando fui diagnosticada com covid já estava tomando ivermectina [a Organização Mundial da Saúde e o laboratório que fabrica o medicamento afirmam que não há eficácia dele no tratamento da covid] e outros remédios. Eu e minha família, graças a Deus, fizemos o tratamento precoce e deu certo. Conheço pessoas que não fizeram tratamento nenhum e deu certo também. O que eu quero dizer aqui é que não estou levantando nenhuma bandeira sobre qual o melhor tratamento, até porque eu não tenho nenhum conhecimento para isso, eu não sou médica. Eu estou levantando a bandeira de salvarmos vidas.
Não há comprovação científica da eficácia de nenhum tratamento precoce contra a covid-19 nem que impeça a contaminação pelo coronavírus; a Organização Mundial de Saúde e o próprio laboratório fabricante do medicamento citado pela deputada já emitiram comunicados não recomendando seu uso no tratamento contra a covid-19
A senhora declarou ao TSE um patrimônio de R$ 5,6 milhões [e o marido dela, de R$ 65,7 milhões]. Como é ser rica num país desigual como o Brasil?
[Esse dinheiro é] muito suado. Eu vim de uma família que meu pai era técnico projetista, minha mãe era dona de casa, eu estudei minha vida toda em escola pública, eu posso dizer sobre não ser rico. Eu comecei a trabalhar com carteira assinada com 16 anos, mas antes disso já vendia brigadeiro na escola. Então, eu vejo, que um país que dá educação para o seu povo — e nós estaremos, sim, trabalhando para isso —, faz com que o patrimônio cresça, é bom para todo mundo.
A prosperidade tem que ser para todos. Por isso, mais uma vez eu continuo defendendo nossas crianças e jovens porque só se tornarão ricas e prosperas com educação. Não é falando de greve, é só através da educação e do trabalho que a gente consegue sim que o nosso país tenha prosperidade.
Sou a deputada mais econômica do Brasil, eu abri mão de todos os meu privilégios políticos, não uso cota parlamentar, isso faz com que eu entre no Parlamento com total independência. Isso dá para mim a autonomia de defender o que é realmente importante e, principalmente, o futuro do nosso país.
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