"Após relação abusiva, fiz curso de pedreira e ajudo famílias no sertão"
"Moro em Carnaíba, cidade de Pajeú, no sertão pernambucano e, há seis anos, sou pedreira. Construo cisternas para guardar água da chuva, que usamos nos períodos de seca, e fogões agroecológicos para as famílias que não têm como comprar carvão ou gás, que está muito caro agora na pandemia.
Fiz um curso para construir as cisternas, em 2015, pela ONG Casa da Mulher do Nordeste. Mas, no começo, não queria ir, não. Fui para fugir dos problemas de casa, porque tive um casamento abusivo em que vivi com a pessoa por 19 anos; 10 deles, a gente era separado, mas morava na mesma casa. Ele bebia muito. Não tinha agressão física, mas muita violência psicológica. Então, fui para as aulas e foi na Casa da Mulher que também entendi que aquilo não era um casamento, mas um tormento na minha vida.
Quando comecei a participar da Escola Feminista de lá foi que entendi que aquela era uma vida que não queria, porque sustentava 80% da casa trabalhando em um mercado. Foi isso que me fez reagir.
"Mulher precisa fazer fogueira para esquentar a comida"
Já ajudamos umas 200 famílias com os fogões, que precisam de lenha para funcionar. Eu construo todo, tijolo por tijolo. A gente sabe que aqui na área rural tem muita gente passando necessidade. E a mulher é quem sofre mais com a pandemia. Que se preocupa com a família, com a alimentação de todo mundo.
Muitas só comem porque pedem ajuda dos vizinhos e porque a ONG faz doações de cesta básica também. E sem os fogões, elas precisam fazer uma fogueirinha no terreno para esquentar a comida ao relento ou ao sol. Então, digo que sem o fogão que construo, também passariam fome, porque não teriam onde cozinhar.
Eu mesma já passei fome na vida. Desde os 9 anos trabalhava na roça com meus irmãos, porque meu pai ficou doente.
Tenho um fogão desse em casa também, e a comida também fica mais gostosa: só uso o fogão a gás para fazer o café, que tomo comendo biscoito, tapioca. As outras refeições, a gente usa o à lenha, que ainda é melhor por não deixar a fumaça dentro de casa.
Já a cisterna serve para que até mês que vem a gente capte a água que cai no telhado, para usá-la em agosto e setembro. São duas: uma menor para consumo em casa e uma maior para dar água para os animais e irrigar as hortas.
"Na separação, fui julgada pela sociedade e pela família"
Mudei para Carnaíba com meu novo parceiro e um filho. Mas, antes, estava em Solidão, também em Pernambuco, numa comunidade chamada Barreiros. É uma cidadezinha de pouco mais de 5 mil habitantes, então, quando me separei, senti muito o preconceito da sociedade e da família. Não abaixei minha cabeça.
Ainda assim, conheço muitas mulheres que não têm coragem de tomar uma atitude porque a pressão de fora é maior do que a vontade de se libertar. Elas sabem que vão ser julgadas... Eu sei que segui em frente e estou feliz com meu novo esposo.
Pela Casa da Mulher, atuo em três projetos: um sistema de reuso de água do dia a dia para pequenas hortas por consumo próprio das famílias e, às vezes, para revenda, os fogões e as cisternas. Agora, ensino outras pessoas a fazerem. E aqui no Pajeú, sou a única mulher pedreira.
"Dizem que é feio mulher fazer 'trabalho de homem'"
Já sofri muito preconceito com isso. As pessoas dizem que é feio uma mulher fazendo trabalho de homem, que não têm coragem de contratar. Isso é machismo.
Hoje, me recebem bem. Mas quando comecei, os donos de casa me rejeitavam de uma maneira que não tinha explicação. Achavam que não sabia o que estava fazendo construindo o fogão. Alguns até saiam de casa porque diziam que não iam ficar lá comigo, que não concordavam que uma mulher estivesse na profissão. Mas tenho orgulho demais do que faço. Não sabia que iria me apaixonar tanto pelo trabalho, e, hoje, não me vejo vivendo sem ele."
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