"Como me recuperei de uma crise de Síndrome de Burnout aos 21 anos"
Em 2015, tive Síndrome de Burnout com apenas 21 anos. Eu era servidora pública e trabalhava com finanças na área administrativa. Na época, morava sozinha e, além do trabalho durante o dia, cursava a faculdade de Administração à noite. Aos finais de semana, estudava para as provas, tinha aulas de inglês e fazia trabalho voluntário. Era raríssimo eu tirar um tempo para descansar ou sair com os amigos.
No trabalho, a rotina no setor em que atuava era de muita cobrança. Erros eram praticamente intoleráveis e, como havia assumido o cargo recentemente, não queria cometer nenhum deslize. Recebia processos administrativos para dar andamento, com o prazo já praticamente esgotado. "É para ontem", me diziam ao delegar um novo serviço.
Com essa pressão, passei a sentir diariamente uma dor de cabeça muito forte. Eu tomava um analgésico, mas pouco tempo depois precisava de outro. Tinha também dores de estômago insuportáveis. Estava sempre em estado de tensão e meus músculos doíam como se eu tivesse feito muitos exercícios.
Lembro-me de ficar abatida a maior parte do tempo. Uma vez, senti um aperto tão forte no peito que eu jurava que tinha infartado. Fui ao cardiologista, fiz exames, mas os resultados deram normais. Comecei a achar que o problema era eu.
Pensava que não estava dando conta da pressão no trabalho, então conversei com a chefia para reduzir a minha demanda. O retorno que tive foi muito ruim. Ouvi que eu estava sendo fraca, decepcionando as expectativas em torno de mim e que se eu não aguentava que saísse do emprego.
Entrei em colapso e achei que era um AVC
Um dia, meu celular tocou para eu trabalhar, mas não consegui levantar da cama. Achei que estava tendo um AVC, pois o corpo formigava e não conseguia me mexer. Eu só chorava. Não faço ideia de quanto tempo se passou até conseguir desligar o despertador. Liguei para minha mãe e pedi ajuda. Vendo que eu não estava bem, ela marcou um psiquiatra para mim.
No inicio, não gostei da ideia, pois achava que psiquiatra era "coisa de maluco", mas eu estava tão perdida, que aceitei. Fui à consulta e, dentro do consultório, recebi o diagnóstico de Síndrome de Burnout. Foi a primeira vez que alguém nomeou o que eu estava sentindo e pareceu entender o que acontecia comigo.
Eu já tinha ouvido a expressão uma vez, anos antes, mas nunca imaginei que era aquilo que eu estava passando. No mesmo dia do diagnóstico, recebi o afastamento do trabalho. O médico relatou que meu estado era grave e precisava parar urgentemente. Senti medo, mas ao mesmo tempo uma paz absurda.
Comecei o tratamento fazendo psicoterapia, mas os sintomas eram tão fortes que o médico decidiu, junto comigo, iniciar a medicação. Experimentei também terapias alternativas como acupuntura, florais de bach, auriculoterapia e, mais recentemente, barras de access. Os sintomas amenizaram nas primeiras semanas, mas o processo de recuperação foi longo.
Eu tive que reaprender a lidar com trabalho, pressão e perfeccionismo. Digo que existem duas Helloás: a de antes do colapso e a de depois. Eu amadureci muito em pouco tempo. Voltei a trabalhar mais de um ano após o colapso e passei a me posicionar mais, a saber quando dizer "não" e a exigir respeito do meu espaço.
Hoje, não tomo mais medicação, faço atividade física frequentemente, respeito meus limites. Sigo aprendendo e vencendo esse desafio todos os dias, mesmo me considerando recuperada.
Comecei a escrever para ajudar outras pessoas
Desde que recebi o diagnóstico, corri para pesquisar na internet sobre a síndrome, que, para mim, era praticamente desconhecida. Encontrei pouca coisa, reportagens rasas, nenhum relato de paciente. Eu me senti uma alienígena. Tive que procurar material do exterior, pois tinha muita sede sobre o tema.
Um amigo, vendo minha empolgação com o assunto, me sugeriu que eu escrevesse na internet. Na mesma época, uma revista voltada para administradores estava buscando depoimentos de pessoas com burnout. Eu me prontifiquei e contei meu relato. Quando publicaram, vi que em todos os depoimentos a identificação das pessoas era pelas iniciais do nome. Eu era H.R.
Pensei: "Ninguém tem vergonha de falar que tem asma ou artrite, por que têm vergonha de falar de burnout?". Assim, em 2016, criei a página 'Vencendo o Burnout' no Facebook para disseminar informações sobre a síndrome. Em 2020, levei também para o Instagram.
Informação é a primeira grande chave. A recuperação começou para mim quando alguém nomeou o meu problema. Se eu soubesse da síndrome antes do colapso, poderia ter tratado antes que chegasse ao nível mais grave. Por isso, quero propagar conhecimento e ajudar a evitar muitos erros por ignorância.
A informação tem que chegar nas escolas, empresas, universidades. Além da página, hoje, também faço palestras e workshops sobre o tema. Meu objetivo é divulgar até que as pessoas entendam que não é frescura. Se uma pessoa não colapsar porque viu o meu relato, então a minha luta terá valido a pena." Helloá Regina é administradora, tem 27 anos e mora no Rio de Janeiro.
Mulheres sofrem mais com a Síndrome de Burnout
A Síndrome de Burnout é um distúrbio psíquico que se caracteriza pela exaustão provocada pelo contexto de trabalho. Por isso, é também chamada de esgotamento profissional. Em 2019, a OMS incluiu a síndrome na nova Classificação Internacional de Doenças, que entra em vigor a partir de 1º de janeiro de 2022.
O psiquiatra do Hospital Nove de Julho, em São Paulo, Nikolas Heine, explica que a síndrome de burnout se manifesta em diferentes dimensões e seus principais sintomas incluem ansiedade, cansaço excessivo, tristeza profunda, irritabilidade e agressividade aumentadas, desânimo, tensão muscular, sensação de falta de ar, insônia, dores de cabeça e no corpo.
O tratamento de um modo geral envolve uso de medicações, acompanhamento psicoterapêutico e a necessidade de uma mudança de rotina. Isso significa que é necessário também buscar manejar as situações de estresse no trabalho, fortalecer as relações afetivas (com amigos e família, por exemplo), praticar mais atividade física, redobrar os cuidados com a alimentação e com o sono.
De acordo com Heine, por conta da dupla jornada (em casa e no trabalho), por perceberem melhor as próprias emoções e irem com mais frequência ao consultório médico, as mulheres costumam relatar mais situações características de burnout. No entanto, o especialista pontua que ainda não há estatísticas suficientes ou evidências científicas de que a síndrome acomete mais elas do que eles.
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