Existe mulher machista? Especialistas em gênero afirmam que não
Sob regras do jogo em que homens são vistos como superiores às mulheres, sofremos cotidianamente com violências, discriminações e opressões. Em algumas situações, em que mulheres julgam, xingam ou desprezam outras mulheres, no entanto, a lógica dá um nó: afinal, mesmo sendo vítima do machismo, uma mulher pode ser machista?
O debate ressurgiu na internet depois que a cantora Ludmilla rebateu o comentário de uma usuária do Twitter que fez uma avaliação sobre o teor das músicas da famosa. Na rede social, a cantora disse, em tom de piada, que a mulher teria a vagina "larguíssima" por supostamente fazer sexo desde a adolescência. Foi o suficiente para que influenciadoras e anônimas criticassem a fala de Ludmilla e a nomeasse como machista.
O caso teve mais um desdobramento, aliás. Universa entrevistou duas ginecologistas que reafirmaram que o comentário é falso: penetração não alarga a vagina.
Mulher pode ser machista?
Ele dá as caras de várias formas e atinge tanto mulheres, alvos de violência, exclusão e impedimentos por conta do gênero, quanto homens. Muita gente também já o assume: segundo uma pesquisa realizada pela ONU Mulheres e o portal PapodeHomem, em 2016, 95% das mulheres e 81% dos homens entrevistados concordaram que existe machismo no Brasil.
Mas o entendimento do machismo no dia a dia pode ser mais difícil, principalmente quando vemos mulheres atacando outras mulheres usando o gênero como uma questão para rebaixá-las.
Para a consultora em diversidade Viviana Santiago, no contexto social em que vivemos, com direitos garantidos aos homens, mas negados às mulheres, não é possível que uma mulher seja machista. Ela pode, sim, reproduzir o machismo em suas atitudes e pensamentos, já que todos nós, independentemente do gênero e de outros recortes de identidade, somos criados sob estruturas machistas.
A mesma análise faz a professora do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e especialista em estudos feministas, do pensamento de Foucault e de gênero, Priscila Vieira.
"Somos educadas nesse sentido. E às vezes reproduzimos o machismo entre nós quando, por exemplo, dizemos em um ambiente de trabalho que as mulheres falam demais ou se perdem na apresentação em frente a homens."
Priscila pontua que as acusações a mulheres que, em tese, teriam sido machistas dizem mais sobre a estrutura social em que vivemos do que sobre a culpa que elas teriam ao reproduzir essas ideias e comportamentos. "Mesmo a que faz isso e, portanto, tem mais facilidade de circular em espaços por não combater o machismo, certamente vai sofrer com ele. É estrutural".
Neste balaio, entram conceitos que podem ser questionados por todas nós: por que ainda alimentamos a competição feminina? Será que, sem perceber, fazemos "sexo machista"?
E de que modo encaramos que ser mulher no Brasil machuca, mas que podemos nos unir para buscar mais igualdade de gênero?
Julgamentos e reforço de estereótipos
Quando mulheres reforçam a desigualdade de distribuição das tarefas domésticas, ao pedir para que meninas ajudem a arrumar a mesa, enquanto meninos saem para brincar, reforçam estereótipos de gênero ou fazem julgamentos sobre a vida, a aparência ou as escolhas de outras mulheres também há reprodução de machismo.
"O machismo é uma ideologia de dominação, que pressupõe superioridade masculina. Eles têm o poder, são vistos como o centro da sociedade, a medida de tudo. A mulher não tem esse poder, muito menos de oprimir o homem. Portanto, quando faz algo visto como machista, ela está reproduzindo o machismo, mas não o criou de fato. Ela foi construída assim", diz a especialista em diversidade.
Feminismo ajuda em crítica ao mundo machista
A professora de História explica que o feminismo é uma ferramenta para se elaborar como o véu do machismo recai sobre todos os que vivem em sociedade. Ao entender que a luta é pela igualdade, opina, a mulher passa a se posicionar ao lado de outras mulheres — um passo importante para a prática da sororidade.
"O feminismo faz uma crítica a esse mundo e certamente o contato com ele nos deixa mais atentas a isso. E feminismo não é machismo às avessas: inclusive, nasce com a Revolução Francesa para dizer que a igualdade de direitos que se pretendia não estava atendendo as mulheres. Era uma reação para termos os mesmos direitos. Ele parte, portanto, de um lugar de combate contra o que inferioriza e oprime as mulheres."
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