"Nasci com má formação nos braços e me tornei maquiadora usando a boca"
"Tenho 27 anos e sempre gostei de maquiagem. Aos 15, já produzia as minhas amigas para a gente 'ficar na praça', que era o programa da cidade onde moro, Visconde do Rio Branco, em Minas Gerais. E, há três anos e meio, resolvi ser maquiadora profissional. Descobri que é minha vocação.
Tenho uma má formação nos braços, fruto da artrogripose congênita múltipla. Ela gera um atrofiamento nos nervos que, descobri há pouco tempo, foi causada por ausência de espaço no útero da minha mãe. Minhas pernas eram coladas ao corpo e meus pés, perto da orelha. Fiz seis cirurgias. Os médicos diziam que eu não conseguiria andar, mas consegui desde os 6 anos. Minhas pernas não dobram, mas hoje subo até alguns degraus de escada.
Para alcançar meus sonhos, fui criando adaptações aos poucos. Quando maquio outros, uso a boca para mover os pincéis. Quando passo em mim, mantenho o pincel parado e mexo a cabeça até dar as formas que quero.
Sempre vi tutoriais no YouTube, como da blogueira e empresária Mari Saad. As minhas colegas falavam que, de tanto saber sobre maquiagem, eu deveria começar a gravar dicas. Fiz um canal na plataforma, mas acabei perdendo a senha. Na época, não tinha muita coisa: pregava o espelho na parede, encostava o braço nela e ia passando o lápis no olho, por exemplo. Agora, já tenho uma penteadeira e consigo apoiar o braço na mesa.
As dificuldades que tive me ajudaram nas adaptações. Desenvolvi muita sensibilidade, que me auxilia quando passo os produtos. As pessoas que veem meus vídeos, no TikTok e no Instagram, ficam bobas quando passo a máscara para cílios sem borrar. Nesses dias, fiz até uma live mostrando como me maquio.
Quando me mostro maquiada, os seguidores perguntam: "Alguém faz em você?". Digo que não, que faço tudo do meu jeitinho. Na cozinha também, se tenho algo para abrir e estou com dificuldade, alguém me pergunta se quero ajuda. Respondo que consigo. Isso é algo meu e acredito que foi o que me ajudou no meu desenvolvimento.
Não deixei que a minha deficiência me fizesse dependente de todo mundo. Quis me adaptar
Na maquiagem, por exemplo, acredito que a esponjinha é a melhor opção para espalhar base no rosto, porque dá um acabamento. Mas não conseguia, porque não tinha como usá-la na boca. Ficaria muito próximo do rosto da pessoa que estava maquiando... Até que, durante uma live, uma seguidora sugeriu que eu furasse a esponjinha e encaixasse no pincel. Ganhei várias e agora consigo fazer assim.
Preconceito no acesso a cursos
Todos os cursos que fiz até hoje foram online. Sempre enfrentei preconceito quando procurava opções presenciais. A pessoa me passava os detalhes do curso, o preço, com todo carinho. Até descobrir que eu teria que levar meus pincéis, porque usaria a boca para maquiar. Então respondiam: 'Ah, mas eu preciso estudar como ensinaria para você, porque tem coisas que vamos fazer e que precisa ser com a mão'.
Isso sempre me desanimou. Acabei até indo a um workshop, em São Paulo, e isso me fez ver a diferença de como é a maquiagem das blogueiras e como é a versão dos profissionais.
Comecei a testar em mim e até no meu esposo para me aperfeiçoar. Há um mês, uma maquiadora da minha cidade se propôs a me ensinar também. Às vezes, ela passa técnicas que já sei. No entanto, foi a única que teve esse carinho comigo. Fiquei muito feliz.
"Sou forte. Podem falar do meu braço, que não vou absorver"
Eu sempre me achei linda, gosto de mim como sou. Nunca me olhei no espelho e reclamei por ser assim. Para mim, Deus tira uma coisa e coloca outra. Então, me considero forte, porque não é qualquer comentário ou dificuldade que me abala. Podem falar do meu braço, que é torto, que é feio... Eu não vou absorver.
Quando comecei a viralizar com meus vídeos, minha mãe até me falou: toma cuidado com os haters. Não desanimo! Quem acha que me ofende falando alguma coisa vai perder tempo. Aliás, acho que, de tanto eu demonstrar que estou bem, é raro vir algum comentário assim.
Por enquanto, ainda não atendi muitas pessoas, porque engravidei da minha filha, Yasmin, há pouco mais de dois anos. Na gestação, tive algumas complicações e permaneci três meses em repouso total.
Entretanto, ainda quero usar a maquiagem para realçar os traços das pessoas.
A maquiagem pode até afinar nariz, rosto, mas modifica quem a pessoa é. E acho que não é bom mudar o natural da pessoa. A maquiagem tem a capacidade de levantar, mas também de abaixar a autoestima de alguém.
Quero me especializar nas produções para noivas e para pele negra. Acho lindo. Uma vez, atendi uma mulher negra que viu uma maquiagem, queria copiar, mas me falou: 'Será que vai ficar bonita em mim?'. Falei que maquiagem está aí para todo mundo e é nisso que eu me dedico.
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