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Camilla de Lucas: "Não importa o cabelo que uso, eu sustento a beleza"

Camilla de Lucas é influenciadora digital e vice-campeã do BBB21 - Reprodução/Instagram
Camilla de Lucas é influenciadora digital e vice-campeã do BBB21 Imagem: Reprodução/Instagram

Isabella Marinelli

De Universa

24/06/2021 04h00

Na última quarta-feira (23), a influenciadora digital Camilla de Lucas compartilhou um desabafo em suas contas no Twitter e no Instagram. Após uma troca de lace, tipo de peruca com acabamento em tule, recebeu uma série de mensagens com xingamentos, questionando o uso de fios lisos, mesmo após ter defendido o cabelo crespo do participante João Luiz após um comentário racista no Big Brother Brasil.

No episódio em questão, Camilla se posicionou ao lado do professor mais de uma vez, inclusive em discurso ao vivo, quando o tema foi citado por Tiago Leifert. Desde então, as cobranças sobre sua aparência e escolhas estéticas são frequentes.

Em entrevista a Universa, no início desta semana e antes desabafo, ela comentou esse tipo de acusação que costuma receber.

"As pessoas acham que a transição capilar significa dizer: 'vou assumir o meu cabelo natural e cancelar todas as possibilidades de usar outro estilo de cabelo'. E, para mim, a transição não está ligada a isso de: 'ah, agora que o meu cabelo é crespo, então é só o crespo e todo mundo tem que usar assim'. Eu acredito que uma mulher deve ser livre para usar o cabelo que ela quiser e sempre repito isso", afirmou.

A relação construída com seus fios e seus traços nem sempre foi serena. Pelo contrário, em muitos momentos, se mostrou desafiadora — especialmente na infância e na adolescência. "Acho curioso. Eu era alguém que tinha dificuldades em me achar bonita e hoje trabalho com a imagem", afirma. Descobriu nos cuidados diários que a pele poderia ser atraente sem maquiagem, que o estilo é um aliado, que a pausa é prazerosa. Hoje, além de explorar o lado fashionista, também é embaixadora de marcas de moda e de beleza, caso da Foreo, empresa suíça especializada em gadgets de skincare. Ela relembra como foi essa trajetória a seguir:

UNIVERSA: No seu perfil, está escrito, orgulhosamente, que é nascida e criada em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. O que traz das raízes da sua infância?
CAMILLA DE LUCAS:
Levei o legado da minha cidade até para o BBB. Sou nascida e criada aqui, nunca saí para nenhum outro lugar. Sempre tive uma infância muito legal. Brincava na rua da casa da minha mãe, que mora perto de mim até hoje, e segui assim até mais velha, por volta dos 15, 16 anos. Voltava da escola à noite e me reunia com as pessoas; jogava de pique-esconde, queimada. Tenho até cicatrizes de tanto que corria pela rua.

Você trouxe o apelido de "braba" para fora da casa do BBB. Lembra-se de algum episódio emblemático da sua vida em que precisou se impor assim?
Não teve um momento específico, mas uma época em que comecei a perceber que eu precisava falar com as pessoas, porque estava acuada. Tinha acabado de mudar de escola, onde estavam todos os meus amigos de infância, e cheguei a um ambiente que não havia ninguém para sentar e almoçar junto. As pessoas se aproveitavam de que eu estava ali sozinha para me zoar. Então percebi não me defenderiam, que nenhuma amiga falaria que parassem. Não deu muito certo (risos), mas eu peitava, chamava a professora. Lembro-me de uma aula de matemática, especificamente, que fui tirar uma dúvida, comecei a se zoada e a professora não me defendeu. Então falei: "ah, é assim? Vou na diretoria então". Eu não deixava passar.

Além do bullying na escola, você já relatou que vivenciou casos de racismo no começo da carreira de modelo. Tudo isso quando ainda era muito jovem. De que forma esses episódios entram na construção da sua autoestima?
Amava ver fotos da Naomi Campbell, salvava em pastas no meu computador. Teve uma época na minha adolescência em que eu tinha muita vontade de trabalhar como modelo. Sempre fui muito alta e as pessoas falavam: "ah, você pode ser jogadora de basquete", "pode ser modelo". Acredito, claro, que ter altura não basta; você precisa ter um talento para desfilar e fotografar. Mas também creio que, em uma seletiva, o profissional precisa observar a menina desfilando, ver como posa. Participei de uma dessas e percebi que o encarregado da seleção não prestava atenção em mim e em algumas outras meninas.

Perguntei a ele: 'por que a gente não vê tanta modelo negra trabalhando na moda, sendo valorizada, se tantas são talentosas?'. Ele respondeu: 'a beleza da mulher negra não vende'. Na época, não acreditei tanto, já tinha uma cabeça desconstruída, mas me causou revolta

Ficou na minha cabeça o questionamento de que eu estava perdendo tempo. Quando fiz outros testes, segui pensando: "Será que foi por isso então? Será que é porque sou negra?" Só depois de um tempo fui percebendo que aquilo era errado em um grau absurdo. Acredito que, naquela ocasião, eu poderia ter sido julgada pelo meu jeito, mas meus traços não deveriam ser uma influência.

Naquele momento, como esse comentário te impactou?
Mesmo sabendo que a fala dele era errada, entrou na minha cabeça e me deu um grande desânimo. Frustrou um sonho, afetou outras questões, até a forma que eu olhava no espelho e não me reconhecia. Inclusive, tempos atrás postei sobre isso no Twitter e viralizou. Fiz uma observação bem específica, que só quem estava lá sabia, e uma pessoa mandou esse tweet para este cara. Ele entrou em contato comigo, mandou uma mensagem dizendo que não foi bem aquilo, que interpretei errado. Nós conversamos e foi difícil para ele assumir o que tinha dito. É por isso que eu acredito que precisamos tomar cuidado com as nossas palavras.

Não podemos dar palpite sobre a aparência das pessoas. Depois que a nossa palavra é lançada, não tem volta. Você pode esquecer, mas a pessoa fica com aquilo marcado no coração

Como você superou essa descrença? Você se considera confiante hoje em dia?
Sim, me considero. Às vezes, eu me vejo com o cabelo todo bagunçado e falo: nossa, estou maravilhosa. Eu apareço nos Stories do Instagram de qualquer jeito e podem achar que estou feia, não estou nem aí. É óbvio que, às vezes, olhamos no espelho e reparamos em algo, mas que não seja grande. Hoje, o mundo pode falar que eu sou feia, que vai ser difícil mudar a minha cabeça agora! Antigamente até poderia, mas, atualmente, é impossível.

No BBB, você fez um discurso em defesa do João dizendo que cresceu ouvindo que o seu cabelo era feio. Há ainda quem te aborde nas redes sociais apontando que, apesar de dizer que gosta do seu cabelo natural, segue usando tranças e laces. Como é a sua relação com os seus fios hoje?
Para as pessoas, ainda é difícil entender o processo. Elas acham que a transição significa dizer: "vou assumir o meu cabelo natural e cancelar todas as possibilidades de usar outro estilo de cabelo". E, para mim, a transição não está ligada a isso de: "ah, agora que o meu cabelo é crespo, então é só o crespo e todo mundo tem que usar assim".

Eu acredito que uma mulher deve ser livre para usar o cabelo que ela quiser. Depende de como você deseja estar naquele dia. O meu processo vem da descoberta de mais uma alternativa, de saber que eu sou bonita, que eu sustento a beleza, não importa o cabelo que eu esteja usando

A lace me ajuda a passar por esse processo, porque quando o cabelo está em transição, ele quebra muito. Toda vez que eu finalizava, caía muitos fios no pente. E, como estou todos os dias gravando, queria algo prático. Pensei: como posso passar por isso sem ter trabalho? Cheguei nas tranças e nas perucas. Então, me joguei! Fora do Brasil, muita gente usa só para não estragar o natural. A Beyoncé mesmo, que um dia está loira, no outro, morena. Hoje, eu nem sinto mais quando estou usando. Às vezes, colo e fico por quinze dias. Não me atrapalha em nada, não me incomoda, não sinto coçar. E o meu cabelo fica por baixo, bem protegido.

Ainda no confinamento, no dia em que você tirou as tranças, as cenas foram muito compartilhadas nas redes sociais como um momento de representatividade. Você se enxerga como esse ícone, assim como tinha a Naomi como referência?
Como as tranças não duram muito tempo, a necessidade de tirar é um processo natural. Conversei com a produção antes de ingressar na casa, avisei que rolaria esse momento, então acabaram liberando uma tesoura. Para mim, foi muito normal, mas as meninas quiseram ver, estavam mais animadas do que eu. No dia, chamei o João, porque ele já tinha usado também e tinha prática. Quando vi, já estavam lá Sarah, Carla Diaz, Juliette: todo mundo me ajudando. Após o fim do programa, muita gente falou comigo sobre isso. Eu entendo... Na hora de tirar, o cabelo fica uma bagunça. É um dia em que as meninas ficam com vergonha da transformação -- e eu não estava nem aí --, então me escreveram parabenizando pela coragem. Por mais que eu lembre da Naomi e do que isso significava para mim, não consigo medir ainda, mas fico feliz.

Tenho a compreensão de que preciso ser responsável. Não é um peso, eu lido numa boa. São 11 milhões de pessoas, não penso que não posso falar algo errado, só que tem o lado de ensinar. Não deixo de ser eu, posto a minha rotina, mas acredito que preciso tomar cuidado com o que eu quero passar de positivo para a vida delas, porque elas não estão ali só para as diquinhas

Elas querem saber quem sou eu, o que penso e no que acredito. Até cobro dos outros, porque temos o poder de influenciar quem transforma a sociedade.

Um dos seus virais é o estilo de vídeo "saindo de fininho", mas seu conteúdo é muito diversificado -- fala de moda, beleza, compras. Como partiu do sonho de ser modelo para a gravar vídeos para a internet?
Foi por culpa do meu cabelo! Eu usava química, mas passei a me interessar pelo volume, pelo black power, então passei a pesquisar muito sobre o assunto. Conheci blogueiras, o interesse foi crescendo, do cabelo migrei para a maquiagem. Comecei a me apaixonar pelo YouTube e refletir sobre o que eu poderia compartilhar. No Instagram, as pessoas me pediam para ensinar como finalizo o meu cabelo. Então, pensei: bom, vou gravar um vídeo mostrando tudo e aí já tenho o link para mandar quando alguém perguntar. Gravei, postei e bati mais de mil visualizações em um dia. Fiquei chocada, me perguntando quem era aquela galera toda. Eu não tenho nem 50 amigos! Se fosse fazer uma festa de aniversário, sobraria cadeira (risos). Segui naturalmente, ouvindo os pedidos das pessoas. Estou aqui até hoje. Acho curioso, porque eu tinha tanta dificuldade em me enxergar como uma mulher bonita, ter confiança, e hoje trabalho com imagem.

E essa dificuldade em se sentir atraente? Como encarou? As redes ou o próprio BBB, que tem uma superexposição, contribuíram?
Antes mesmo de entrar no programa, eu já estava nesse processo.

Parece papo, mas as coisas começaram a mudar quando passei a olhar para a minha pele. Minha confiança veio desses cuidados, quando passei a me enxergar bonita sem maquiagem. Não tenho isso de só aparecer quando estou arrumada, porque não funciona para mim

Sinceramente, tenho preguiça de ter que passar por todo um processo para as pessoas me enxergarem de maneira superficial. Falo muito isso: se arrumar, se produzir não pode ser uma obrigação, tem que ser por prazer, por ter vontade de se ver de forma diferente. No BBB, ficava lá com meu pijaminha. Antes, durante ou depois, nunca virou preocupação.

Se maquiagem não é obrigatório, quais são esses cuidados de pele, de beleza que você não abre mão?
Tiro a minha maquiagem religiosamente. Quando estou maquiada, parece que tem um peso no meu rosto! Quando acabar essa entrevista, já vou tirar tudo! Sei que muita gente foca na hidratação, mas a hora de demaquilar é essencial. Uso uma escova Foreo, marcada qual sou embaixadora, com um limpador facial. Deixo essa dupla no chuveiro ou no nécessaire. Agora também ando empenhada em tratar os meus lábios, que são muito ressecados. O cuidado do meu rosto transforma a minha energia, é o momento que eu tiro para relaxar e que muda tudo. Não é só lavar, não é obrigação ou algo motivado por orientações de um dermatologista, faço porque me dá prazer.