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"Sou de grupo feminino de motociclistas e contra motociatas de Bolsonaro"

Vanessa Santiago é motociclista  - Bernardo Santos Mauro
Vanessa Santiago é motociclista Imagem: Bernardo Santos Mauro

Vanessa Santiago em depoimento a Ana Mello

Colaboração para Universa

29/06/2021 04h00

"Tirei a minha carteira de moto em outubro de 2019, aos 30 anos. Logo que comecei a andar, curti tanto que vendi o meu carro e comprei logo uma Harley-Davidson. Três meses depois, já estava rodando 3.500 km no percurso do Rio de Janeiro até Santa Catarina e depois de volta ao Rio. O mundo do motociclismo é muito machista, então, ser mulher e pilotar é um ato de resistência, porque infelizmente ainda é um espaço majoritariamente masculino, no qual muitos homens fazem comentários misóginos para as mulheres motociclistas.

Eu me interessei em tirar a carteira depois de assistir a vídeos de viagens e aparecer um de moto que me despertou a vontade de ter essa experiência também. Nem lembro tanto do vídeo mas não esqueço da sensação que me causou. As imagens mostravam um casal andando de moto. Pensei 'talvez assim consiga viajar mais'. Sempre tive medo de motocicleta, mas depois de andar a primeira vez e sentir o vento no corpo, encontrei o que faltava. Na época, não tinha uma referência feminina para andar de moto e, hoje em dia, convivo com várias mulheres que me inspiram.

Quando estou com a minha moto, ouço frases como: "você está de garupa?", "essa moto é do seu marido?", "essa moto é muito pesada pra você", "não seria melhor uma scooter?". E sempre respondo com: não é pesada, pois quem me leva é a moto, não o contrário. Fora a hiperssexualização da mulher até nessa área, o que faz com que os homens cometam assédios frequentes.

Essa realidade está mudando, as mulheres estão conquistando o seu espaço e mostrando que o respeito é o básico e a admiração é o bônus. Até porque já passou da hora de aprenderem a elogiar uma mulher pelas suas habilidades e não pelos atributos físicos. Eu faço parte de dois coletivos de mulheres motociclistas que mudaram a minha vida: "The Litas", que é internacional e tem um grupo no Rio de Janeiro, e o "Fridas e Divas".

Vanessa Santiago é motociclista - Bernardo Santos Mauro - Bernardo Santos Mauro
"Essa moto é do seu marido?", "essa moto é muito pesada pra você" e "não seria melhor uma scooter?" são alguns dos comentários que Vanessa já escutou quando saiu com sua moto
Imagem: Bernardo Santos Mauro

Dei muita sorte, porque quando comprei a minha primeira moto, a Natália Vasconcelos, responsável pelo coletivo "Fridas e Divas", me convidou para participar, quando me conheceu em uma oficina. Hoje, nós somos 100 mulheres do Rio de Janeiro que compartilham a mesma paixão pelas duas rodas, fazem viagens, encontros, churrascos e caridade.

Criamos um grupo no WhatsApp no qual marcamos passeios informais, mas, com a pandemia, temos evitado nos reunir, pois estamos respeitando o isolamento.

Quando rodamos, é sempre para lugares abertos e passamos mais tempo na estrada do que juntas. Temos a opinião de que essas motociatas que estão acontecendo a favor do governo Bolsonaro são um desrespeito à situação crítica de saúde pública que vivemos. Esse incompetente carrega mortes nas costas, não dá pra apoiar isso.

Outro coletivo do qual faço parte é o "The Litas", que conheci por meio da Ana Beatriz Teixeira. Apesar de não ser a fundadora das Litas no Rio, [são Kathleen Barros e Paula Regly] foi quem me motivou a entrar nesse grupo de cerca de 15 mulheres. As Litas hoje representam muito na minha vida, nossa relação ultrapassa a questão das motos, são pessoas muito especiais. Nós nos apoiamos, conversamos todos os dias, compartilhamos nossos medos e conquistas. É uma família com a qual se pode contar pra tudo.

A composição desses coletivos é totalmente feminina e tem algumas diferenças em relação aos motoclubes, que são mais tradicionais e com muitas regras que, claro, possuem embasamento para existirem. No caso dos coletivos, eles são mais livres, sem obrigações. Alguns estipulam regras, como o das Litas, por exemplo, em que só pode ter motocicleta e não motoneta. Como isso é algo imposto pela matriz do coletivo, seguimos à risca para não descaracterizar.

"Inspirar outras mulheres a viver essa experiência"

Eu e o Bernardo, meu marido, nos aproximamos por conta desse amor por motocicleta. Nos conhecemos pela internet e quando eu vi uma foto dele pilotando uma Harley-Davidson pensei: 'que homem lindo!'. Estamos juntos há um ano e meio e temos três motos em casa. Costumamos fazer passeios cada um na sua moto, subindo as Serras de Petrópolis e Teresópolis, no Rio de Janeiro. E não temos problemas em andar na garupa um do outro.

É até engraçado ver as pessoas na rua estranhando que eu esteja pilotando e meu marido esteja atrás, na garupa. Para nós, isso é irrelevante. A ideia dos nossos passeios é sempre curtir o caminho e chegar a algum lugar onde possamos aproveitar a natureza.

A maior conquista que uma mulher motociclista pode ter, pra mim, é inspirar outras mulheres a viver essa mesma experiência. Encorajar a tirar a carteira, pegar sua própria moto e simplesmente rodar com ela. Muitas vêm pedir dicas, porque enxergam em mim um modelo que gostariam de seguir. Isso é impagável.

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Vanessa Santiago já rodou cerca de 30 mil quilômetros de moto pelo Brasil, em menos de 2 anos
Imagem: Bernardo Santos Mauro

Acho que a gente tem uma vida tão corrida que vive fugindo do encontro com nós mesmos. Quando estou de moto, sou eu, comigo, por um bom tempo, encarando meus pensamentos, fazendo planos ou simplesmente esvaziando a mente para aproveitar o trajeto. Acho que daí também vem o empoderamento, porque, uma vez que você encontra sua essência e decide quem você é e o que você quer ser, a opinião dos outros não importa.

Andar de moto também é um desafio pra mim, porque eu sou pequena (tenho 1,58m) e piloto uma motocicleta de 260 quilos. Ainda tenho muito caminho pra trilhar, mas pelo pouco tempo de carteira, considero que rodar quase 30 mil quilômetros em 2 anos, entre estradas e no meio da cidade, trouxe um pouco de aprendizado sobre estar sempre atenta, buscar a aventura, mas entender os riscos da moto, principalmente.

A viagem ao Sul foi a mais marcante até hoje. Desde lá tenho feito trajetos mais curtos, como Região dos Lagos e Serrana, dentro do Estado do Rio. E espero ver mais e mais mulheres no meio do motociclismo, realizando todas essas conquistas." Vanessa Santiago, 32 anos, é professora e mora no Rio de Janeiro (RJ)