Elas foram contratadas durante a gravidez: "Achei que seria impossivel"
"Durante a gravidez, senti muita vontade de voltar a trabalhar, colocar a mão na massa e o cérebro para funcionar. Pensei: 'Quer saber? Vou atrás'. Mas, para ser sincera, achei que não ia rolar."
Quem diz isso é Juliana de Faria, jornalista e fundadora das organizações Think Olga e Think Eva. Ela está na reta final de uma gravidez e, no sétimo mês, foi contratada como diretora de mobilização e engajamento de uma startup. Como ela, a estudante de nutrição Anna Cecília Lira, de 22 anos, também conseguiu uma recolocação no sexto mês de espera pela filha, mas não sem antes, em outros processos seletivos, se sentir discriminada por estar grávida.
Tanto Juliana quanto Anna Cecília disseram ter se sentido acolhidas pelas empresas em que trabalham agora, mas lamentam que a trajetória delas seja exceção no Brasil — segundo um estudo publicado em 2016 pela Fundação Getúlio Vargas, quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade está fora do mercado de trabalho em até 24 meses após o nascimento da criança. Leia seus depoimentos:
"Em alguns processos seletivos me senti discriminada por ser gestante"
"Tenho 22 anos e estou no sexto mês da minha primeira gestação. Estou cursando o último semestre de Nutrição na UFT (Universidade Federal do Tocantins) e estava insatisfeita com o meu trabalho — o primeiro que tive com carteira assinada.
Aprendi e cresci bastante ali, mas não era o que eu queria, não me via crescendo profissionalmente e vi muitos colegas sendo demitidos. Eu ficava pela estabilidade de estar grávida, mas já me imaginava sendo demitida depois de voltar da licença.
Me inscrevi em muitas vagas. Muitas vezes, fui desclassificada sem chegar a fazer uma entrevista. Cheguei a ouvir questionamentos do tipo: 'É casada?' ou 'tem outros filhos?'. Cheguei a pensar que eu não era boa o suficiente para as vagas que me inscrevi.
Em alguns processos seletivos, me senti discriminada por ser gestante. Ouvi muitas histórias de mulheres que não conseguiram emprego ou foram demitidas por conta da maternidade e isso me desestimulava muito. Em algumas entrevistas, antes da barriga começar a crescer, nem mencionei que estava grávida por medo de ser desclassificada de novo.
Embora eu saiba que contratar grávidas não é comum no Brasil, relutei a acreditar que a minha filha, a maior felicidade da minha vida, poderia me impedir de seguir a vida profissional.
Encontrei uma vaga na Nestlé, no LinkedIn. Foi paixão à primeira vista, mas não criei muita expectativa, porque já tinha me frustrado bastante.
Realmente achei que seria impossível ser contratada perto de completar seis meses de gestação, até que fui surpreendida. Não dá para explicar a sensação de ouvir um 'sim'. Me senti amada e acolhida. Senti que a empresa realmente se importava comigo e com a minha princesa, que está para chegar.
Desde o processo seletivo, me senti à vontade. Era uma entrevista em grupo, com outras seis pessoas. Mesmo com a barriga já bem crescida, não recebi nenhum olhar diferente, intimidador. Isso deveria ser comum, mas sabemos que não é assim na maioria das empresas.
Agora, estou na fase de treinamento. As pessoas com quem trabalho são muito capacitadas e pacientes, me sinto muito acolhida por todos.
Vivemos em um país que não tem a cultura de contratar mulheres grávidas. Pelo contrário: que demite as profissionais na volta da licença, quando ela mais precisa do emprego.
Gravidez não é doença, mas é um momento importante na vida da mulher. É preciso que as empresas entendam que nossas competências importam. É preciso, também, mostrar para as gestantes que podemos lutar pelas nossas carreiras mesmo gerando um bebê." Anna Cecília Lira tem 22 anos, vive em Curitiba (PR) e é estudante de nutrição.
"Além de contratar, é preciso acolher mulher grávida"
"No ano passado, perdi uma gestação. Esse episódio me abalou muito, vivi (e ainda vivo) um luto e precisei de um tempo para repensar minha vida, especialmente a vida profissional. Decidi me afastar das organizações que eu fundei — Juliana é fundadora da ONG Think Olga e da consultoria Think Eva — e tirar um ano sabático, mas não consegui.
Engravidei novamente em dezembro de 2020 e, mais recentemente, mais tranquila com essa gravidez — depois de uma perda gestacional dá muito medo, é difícil — senti muita vontade de voltar a trabalhar, colocar a mão na massa e o cérebro para funcionar. Pensei: 'Quer saber? Vou atrás'.
Eu não tenho que ter vergonha ao entrar em um processo seletivo. O constrangimento tem que ficar com a pessoa que acha que eu não devo ser contratada por estar grávida.
Para ser sincera, achava que não ia rolar. Mas, na prática, conversei com mulheres incríveis e senti muita abertura para a conversa, até que, no sétimo mês da minha gestação, chegou esse convite da Bloom, que é uma startup que tem como valor cuidar de mães, pais e famílias.
Já nas primeiras conversas, elas entenderam que eu sou mãe de um menino de três anos, que vivo um luto e a chegada de um novo bebê. Elas acolheram minhas necessidades e já está acordado que vou tirar uma licença-maternidade estendida, de seis meses.
Ser contratada grávida foi tão acolhedor. Me deu a sensação de que a empresa me enxerga em 360 graus, porque não querem só a Juliana profissional, querem a Juliana humana, que tem sonhos, medos, ansiedade e dois filhos em casa. Foi lindo e é isso que eu quero para outras mulheres.
No primeiro dia de trabalho, apresentei meu primeiro projeto: uma campanha para incentivar a contratação de gestantes. Estamos desenhando isso, reunindo empresas que já contratam mulheres grávidas — nossa primeira ação será convidar essas organizações a acrescentar nas descrições de seus processos seletivos que mulheres grávidas são bem-vindas. Parece algo pequeno, mas não é: as profissionais vão se sentir mais à vontade, mais confiantes para se candidatar.
Muitas vezes, mulheres grávidas acabam se boicotando neste processo de se recolocar porque sabemos que o mercado de trabalho é violento, fecha portas.
Os gestores ficam de cabelo em pé só de pensar em ficar sem aquela profissional por quatro ou seis meses tempo da licença-maternidade no Brasil]. Por mais que algumas pessoas não gostem, isso precisa ser debatido. E, além de contratar uma mulher grávida, a empresa precisa acolhê-la.
Empresas precisam entender que gravidez não é doença, mas é sim um momento diferente na vida da mulher. Ela pode estar ótima, cheia de energia, ou passando mal com enjoos, por exemplo. É preciso ter flexibilidade para entender essa mulher e deixá-la à vontade para dizer 'posso continuar nesse ritmo' ou 'preciso reduzir a carga de trabalho'." Juliana de Faria tem 36 anos, vive em São Paulo e é jornalista.
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