"Só gozava com vibrador": sex toy, assim como a pornografia, também vicia?
Os sex toys são um aliado poderoso para mulheres em busca de satisfação sexual. São com os brinquedos sexuais que muitas começam a criar coragem de explorar o próprio corpo e descobrir o que lhes dá prazer. De acordo com um estudo feito pelo portal Mercado Erótico, o consumo de vibradores subiu em 50% no período de março a maio de 2020, se comparado a 2019. O sugador de clitóris foi o sex toy que registrou maior aumento de vendas: 900% de janeiro a novembro de 2020, também quando comparado ao mesmo período de 2019.
Contudo, especialistas e sexólogas sugerem cuidado com o uso excessivo do aparelho. Assim como a pornografia, vibrador também pode viciar e, nesse caso, trazer malefícios à saúde.
Virei dependente, não conseguia ter relação sexual sem vibrador"
A terapeuta tântrica Juliana Rodrigues, 38 anos, conta que passou cerca de 10 anos da vida sexual sem conseguir gozar. A primeira vez que conseguiu chegar ao clímax, aos 24 anos, foi graças ao auxílio de um vibrador. "No começo, usava o aparelho na potência mínima, mas com o tempo tive que aumentar a vibração e aquilo dessensibilizou minha região íntima".
Apesar de sentir prazer com outros tipos de toques, como a masturbação e o sexo oral, Juliana diz que só conseguia gozar com vibrador e chegava a se irritar quando o aparelho parava de funcionar.
"Se acabasse a pilha do vibrador enquanto eu me masturbava, eu ficava em uma neura, estressada. O foco era sempre o vibrador. Não era todo dia, mas sempre que eu ia ter relação, eu precisava usar o aparelho"
Juliana considera que esteve viciada ao sex toy durante 3 anos. A situação piorou quando ela parou de sentir prazer até mesmo na máxima potência do aparelho. "Virei dependente, não conseguia ter relação sexual sem vibrador. De repente, o brinquedo parou de fazer efeito, e eu demorava muito tempo para chegar ao orgasmo. E olha que já estava usando vibrações fortes".
A psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex), explica que elementos reproduzem a mesma dinâmica física e dão prazer podem, sim, causar dependência: "Quando o seu sistema de recompensa é ativado por algo, seja vibrador, seja pornografia ou o sexo em si, claro que você pode se viciar naquilo. Com o uso abusivo, você cria no cérebro uma memória e essa memória faz com que busquemos o prazer a todo momento".
Ou seja, se usado de uma maneira irresponsável, o vibrador também pode viciar, assim como a pornografia. Um estudo divulgado pela Netskope Security Cloud, empresa de software de segurança, mostrou que houve um crescimento de 600% no acesso a sites pornográficos no primeiro semestre de 2020, se comparado ao mesmo período de 2019.
Vício e condicionamento sexual
A sexóloga e colunista de Universa Ana Canosa define a dependência como "condicionamento sexual": "Assim como o viciado em pornografia se condiciona a só sentir prazer através do pornô, algumas pessoas podem transformar o vibrador na única fonte de tesão e isso é um problema".
Após se frustrar com a situação, Juliana relata que passou a procurar novas formas de se estimular sexualmente, e foi aí que conheceu o tantra. "Comecei a fazer rituais de autoamor, em que eu toco o meu corpo todo, me masturbo, faço massagem", descreve. "Sei da importância do vibrador para o prazer feminino. Muitas mulheres só conseguem gozar com vibrador. Temos essa ferramenta disponível para uso, mas precisamos ter consciência de como usa-la."
Juliana conta que até hoje sente dificuldades de gozar durante a relação sexual com um parceiro. Com o tempo, porém, passou a ver o prazer de uma forma diferente. Gozar, para ela, é apenas consequência. "A pressão para chegar ao orgasmo faz com que deixamos de aproveitar outras coisas", pontua a terapeuta, que acrescenta, "o corpo pode sentir prazer de uma maneira sútil".
Ana Canosa sugere que pessoas dependentes de brinquedos eróticos procurem sentir novos estímulos. "Tente ficar um período sem usar o aparelho, ir pra relação sem a necessidade de ter orgasmo, sem se cobrar e tentar se manter presente em estimulações variadas".
Vício não é algo comum
Antes que você se assuste, ou pare de usar vibrador, Carmita Abdo explica que um caso só pode ser enquadrado como vício a partir do momento em que a pessoa tem a saúde, a vida social ou profissional afetada por aquilo. "Quando falamos de patologia, essa atividade precisa 'deixar' de ser saudável e se tornar algo negativo; se a pessoa submete outras áreas da vida em prol do aparelho, por exemplo. Ela pode perder o emprego, a saúde, os amigos, ela para de dormir, não se alimenta direito, passa o tempo todo se estimulando. Aí, sim, consideramos o caso grave".
Se a mulher está feliz e satisfeita com a própria vida sexual, tudo bem, não estamos censurando o vibrador. Nossa única preocupação é quando ela se vicia àquilo, deixa de fazer outras coisas na vida tamanha a necessidade de ficar se masturbando - Carmita Abdo, psiquiatra
A psiquiatra ressalta, inclusive, que nem toda pessoa pode se viciar a um vibrador. "Viciados normalmente têm pré disposição genética; casos de alcoolismo ou de dependência química na família servem de alerta. Além disso, pessoas com tendência a desenvolver dependência têm um perfil introvertido, antissocial, com dificuldade de se relacionar", pontua.
O tratamento, em casos patológicos, é feito através de terapia cognitivo-comportamental e, nos episódios mais graves, o médico pode sugerir o uso de medicação antidepressiva para reduzir a libido do paciente.
Juliana, inclusive, reforça a importância que o vibrador teve em sua jornada sexual e diz que faz uso do aparelho inclusive em clientes que atende como terapeuta tântrica. "Só no final das sessões, para potencializar o orgasmo", ela garante.
Para Juliana, é questão de equilíbrio: "A pornografia e os sex toys podem ser bons aliados, desde que as pessoas não se prendam a sentir prazer apenas com eles. Não é uma critica às novas descobertas de prazer feminino. Sei que muitas mulheres só conseguem gozar com vibrador. A questão é saber que têm outras formas de sentir tesão Precisamos falar sobre o assunto com nossos parceiros, tentar coisas novas. O corpo precisa sair do automático".
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