"Sou cadeirante, venci a depressão aprendendo a maquiar e abri meu negócio"
"Nasci em Salvador, tenho 36 anos e uso cadeira de rodas porque fui diagnosticada com paraparesia não traumática [condição caracterizada pela incapacidade de mover parcialmente os membros inferiores] aos 12. Na época, os médicos não passaram muitas informações sobre como tudo aconteceu e o diagnóstico foi dado de forma insensível.
Então, eu não entendia os motivos de viver em uma cadeira de rodas e chorava muito. Nos momentos de convivência com colegas, eram sempre comigo as piadas de mau gosto. Lembro que eu queria sair, me divertir e não podia. Sentia como se eu estivesse ficando para trás e isso não era nada fácil. Perto de completar 14 anos, desenvolvi depressão.
Durante uma internação de rotina para o acompanhamento da paraparesia, um dos médicos da equipe percebeu que, sempre que eu estava com a minha mãe ou rodeada de amigos, eu ficava bem, mas, quando eles saíam, eu me isolava, passava a maior parte do tempo chorando escondida e triste pelos cantos fingindo que estava tudo bem.
Comecei a fazer terapia e, com o tempo, a psicóloga recomendou que eu buscasse distrações em coisas de que gostasse, já que ela dizia ver em mim muitos talentos. No processo, tentei me ocupar com várias atividades, desde fazer as unhas e desenhos à mão até bordados em ponto de cruz e pedrarias em roupas.
Entretanto, foi vendo vídeos e tutoriais de maquiagem na internet que caiu a ficha sobre minha verdadeira paixão. Sempre fui muito vaidosa e adorava me maquiar. Aprendi a ser assim com minha irmã mais velha, que fazia makes nela e depois me ensinava. Por isso, nesse período, em que tinha a sensação de que a vida não fazia sentido, que tudo estava sem emoção, a maquiagem preencheu esse espaço.
Digo que ela foi transformadora e me salvou de verdade. Quando percebi que a maquiagem tinha essa importância em minha vida, quis sair produzindo todo mundo. Mas, como eu não queria fazer de qualquer jeito, fui atrás de escolas especializadas em beleza e cursos na cidade para me profissionalizar. Meu objetivo sempre foi atender as especificidades da pele negra e fazer um resgate ancestral de autocuidado.
Uma caminhada marcada por obstáculos e preconceitos
Essa busca foi dura. Muitas instituições inventavam diversas desculpas para não ter que dizer que as instalações não possuíam acessibilidade para receber pessoas com deficiência. Elas simplesmente não esperavam ter alguém com deficiência interessado em se especializar na área. Da minha parte, eu continuava tentando.
Nasci com muita gente e várias situações me mostrando o 'não' como única opção. Eu não podia aceitar mais uma tonelada dessas negativas e fui atrás do 'sim'
Depois de quatro anos em busca de cursos para seguir carreira, uma maquiadora, que depois se tornou uma grande amiga, me ensinou muito e me ajudou com técnicas e produtos.
Já em 2014, uma profissional de Brasília ministrou um curso à distância e consegui o meu primeiro certificado na área. Depois desse, vieram outros, inclusive um com a grande referência no país em maquiagem para pessoas negras: Daniele Damata.
Enfrentei também algumas situações de preconceito nesse caminho. Já teve profissional que não quis trabalhar junto comigo, clientes que me dispensaram do trabalho ao descobrirem que eu sou cadeirante, já fui piada em grupos do WhatsApp. Mas aprendi que, mesmo com a deficiência, eu poderia ir e vir de diferentes formas e, hoje, não me vejo fazendo nada que não tenha a maquiagem envolvida. Eu me dedico a isso 100%.
"Sou dona do meu negócio e dou palestras sobre beleza e empoderamento"
Depois de algumas formações profissionais concluídas, comecei os meus primeiros atendimentos em 2015. Empreender ainda não era um termo tão usado na época para trabalhos que não envolvessem tecnologia. Então, a ideia de ser uma empreendedora surgiu quando eu e meu marido participamos de um programa de aceleração de negócios da Vale do Dendê, em Salvador.
A partir daí, uma empresa de verdade foi se estruturando e nasceu o Stúdio Móvel Maili Santos para oferecer serviços de maquiagem em domicílio, eventos e empresas. Atualmente, com a pandemia, estamos adaptando o negócio para o digital, com atendimentos on-line, cursos e consultorias de beleza.
Como a minha história de vida me levou para essa área e foi através desse universo que pude revisitar minha trajetória, hoje, também dou palestras sobre beleza, autoestima e empoderamento. Sinto um carinho muito especial por esses momentos e já fiz palestras em feiras de estética, encontros de mulheres, eventos online de empresas como Bayer, Braskem e Facebook.
Tenho aprendido que a gente só inspira e transforma o mundo quando inspira e transforma a si mesmo. As minhas experiências têm me dado essa oportunidade.
A maquiagem faz parte de mim, da minha historia e da vida das várias mulheres que pude conhecer através dela
Por isso, compartilhar minhas vivências pessoais e de negócio tem um significado enorme para mim. Dessa forma, sinto realmente que consigo tocar e, muitas vezes, ajudar outras pessoas. Ubuntu!"
*Maili Santos é maquiadora, tem 36 anos e mora em Salvador (BA)
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