52% dos alunos trans da USP denunciam transfobia; Defensoria cobra resposta
Mais da metade dos estudantes transexuais da USP (Universidade de São Paulo) já foi vítima de transfobia por parte da instituição de ensino — é o que aponta uma pesquisa inédita, realizada pelo Coletivo Xica Manicongo de Estudantes Trans, Travestis e Intersexuais da USP.
Segundo dados, 52% dos 88 estudantes transexuais da USP relataram ter sido desrespeitados ou constrangidos por funcionários e professores. O Coletivo estima que o número de pessoas trans matriculadas na Universidade corresponda a 0,001% de todo o corpo discente.
Em junho, o grupo enviou à Defensoria Pública do Estado de São Paulo um dossiê reunindo relatos de transfobia. Universa teve acesso ao documento, que narra episódios como estudantes impedidos de usar o banheiro correspondente ao seu gênero e tendo o nome social desrespeitado tanto por professores, em sala de aula, quanto por funcionários da administração (leia trechos desses relatos abaixo).
No último dia 28, a Defensoria emitiu um parecer recomendando que a USP adote as devidas providências "para garantir o uso do nome social por discentes, servidores docentes, servidores técnico-administrativos e demais pessoas que tenham vínculos, mesmo que temporários, com a Instituição, que se identificam como travestis, transexuais ou não-binárias".
O órgão emitiu, ainda, 19 recomendações de medidas que a USP poderia aplicar para ampliar os direitos das pessoas trans dentro da faculdade — além do respeito ao nome social e do treinamento a professores e funcionários quando ao tratamento de pessoas trans, a Defensoria sugere que a comunidade universitária seja orientada a usar o pronome neutro "ile" para substituir "ele" e "ela".
A USP tem dez dias úteis para responder à Defensoria — o prazo vence na próxima quarta-feira (15).
Ações de diversidade da USP são "inócuas"
Procurada por Universa, a USP afirmou que, desde 2010, tem um parecer que prevê o uso do nome social em documentos oficiais e internos da graduação.
A Universidade de São Paulo disse, ainda, que "há muitos anos, criou o Programa USP Diversidade, que tem o objetivo de desenvolver ações que estimulem a inclusão, a igualdade, a solidariedade, a promoção e o fortalecimento do respeito aos Direitos Humanos".
Victória Dandara, estudante de Direito da USP e integrante do Coletivo Xica Manicongo, no entanto, afirma que essas ações são "inócuas" e não geram efeitos práticos.
"Servidores de modo geral não entendem o que é nome social e cada faculdade pede um procedimento diferente para regularizar os documentos, não existe uniformidade. Além disso, mesmo que a pessoa tenha o nome social na carteirinha, como os funcionários não estão preparados, acham que o documento é fraudado, porque consta com nome feminino e a estudante não aparenta ser mulher, por exemplo", explica Victória. "Isso acontece o tempo todo na biblioteca, no bandejão e em outros espaços em que é necessário apresentar a carteirinha."
Ela continua: "O Programa USP Diversidade não é efetivo. Não há diálogo da Universidade com os coletivos LGBTQIA+, não existe um canal de acolhimento ou encaminhamento de denúncias de casos de homofobia e transfobia."
Transfobia vai da sala de aula ao banheiro
No dossiê enviado à Defensoria Pública, o Coletivo Xica Manicongo diz que "é notável o permanecimento de resquícios de transfobia institucionalizada no ambiente universitário".
O documento lista como principais problemas enfrentados pelos estudantes trans a falta de preparo de professores e funcionários, inclusive terceirizados, e a dificuldade no processo de regularização do nome social.
O grupo apresenta, ainda, 15 depoimentos que relatam a transfobia vivida por estes alunos. Leia alguns trechos:
"Já lidei com professores se referindo a mim no masculino, mesmo com meu nome social na matrícula. Além disso, meu nome de registro foi utilizado na divulgação do resultado da seleção do Programa de Iniciação Científica."
"O processo de regularização do nome social demorou demais, provocando situações de desrespeito por parte de professores quanto ao meu nome social."
Sempre que eu vou no banheiro feminino, 'denunciam' que tem um homem lá. Hoje, ando com uma cópia da minha certidão de nascimento para evitar problemas.
"Existem tentativas de fazer a FFLCH [Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP] ser um ambiente acolhedor para pessoas trans, como adesivos na porta dos banheiros dizendo que eles são seguros para todas e todos, mas ficam no discurso e pouco aparecem na prática."
Nome social é direito garantido por lei
O nome social — nome pelo qual uma pessoa trans prefere ser chamada, mas que ainda não consta nos documentos — é reconhecido por lei desde 2016.
Segundo o decreto 8.727 da Constituição, todos os órgãos públicos, como hospitais, delegacias e instituições de ensino, devem se referir a uma pessoa transexual de acordo com o gênero que ela se identifica e com o nome com que se apresenta. Além disso, a determinação veda "o uso de expressões pejorativas e discriminatórias para referir-se a pessoas travestis ou transexuais".
"A Universidade ainda não é um espaço acolhedor para a maior parte dos estudantes trans. Exigimos o cumprimento das leis e também [a implementação de] políticas de permanência relacionadas ao bem estar físico e psicológico desta população", diz o Coletivo Xica Manicongo, no dossiê.
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