Bi e cadeirante, ela quer expor que pessoas com deficiência têm sexualidade
"Ser uma pessoa com deficiência e bissexual não é bem o que a sociedade espera. Fazer parte de duas minorias não era bem o que eu planejava. Podem ver como dois fardos a carregar, mas é quem eu sou - e minha cadeira aguenta esse peso!". Este é um dos trechos do texto que a estudante de jornalismo Ana Clara Moniz, de 21 anos, escreveu para acompanhar um vídeo, postado no Instagram, que está viralizando desde a semana passada.
Com cerca de 2 minutos de duração e mais de 460 mil visualizações, o vídeo mostra Ana Clara, que vive com a AME (Atrofia Muscular Espinhal) - doença genética e rara, contando que está namorando uma menina e falando pela primeira vez para os pais que é bissexual. Em entrevista Universa, ela disse que estava nervosa ao falar, mesmo sabendo que os pais são abertos e compreensivos, o que pode ser comprovado ao observar a reação positiva deles no vídeo.
Grande parte da apreensão e insegurança de falar abertamente de sua sexualidade vinha do receio de que a sua própria sexualidade pudesse, mais uma vez, cair no capacitismo. "A sociedade acha que as pessoas com deficiência não têm sexualidade, que não podem transar porque o corpo funciona de forma diferente e não atende ao padrão que elas estão acostumadas. Acreditam que ninguém vai ser capaz de olhar para você com interesse e desejo''.
O capacitismo é o preconceito contra pessoas com deficiência. Segundo Ana Clara, que é influencer e palestrante sobre acessibilidade e representatividade, ele pode surgir de várias maneiras, e a maioria é de forma sutil, dando a entender que a pessoa não é "normal" e não é capaz de realizar determinadas atividades.
Viver numa sociedade capacitista gerou insegurança em Ana Clara de se relacionar e de estar aberta a viver o amor. As pessoas geralmente enxergam a deficiência dela em primeiro lugar, e com a sexualidade não é diferente. "Era muito comum na adolescência todas as minhas amigas estarem com namoradinhos ou namoradinhas, e eu não. As pessoas não acreditavam que eu poderia viver isso e achavam um absurdo quando eu falava sobre gostar de alguém. Então, acabei acreditando que eu não era capaz de viver essas coisas, que eu não era digna de viver o amor ou simplesmente beijar na boca", conta.
Falta de representatividade
O namoro de Ana Clara começou pelo Twitter e é o primeiro relacionamento sério dela. Em dezembro, as duas passaram a conversar e não se largaram desde então. Por causa da pandemia, elas só se conheceram pessoalmente em fevereiro. A namorada, que não quis ser identificada na reportagem, chegou a ficar em isolamento antes de se encontrarem, já que Ana faz parte do grupo de risco da covid-19.
Gostar de uma menina e ser LGBTQIA+ é mais um ingrediente minoritário na vida dela.
Se as relações heteronormativas eu já não era considerada pessoa digna de viver pela sociedade tradicional, imagina as relações homoafetivas"
Além do preconceito enraizado na sociedade, Ana Clara afirma que sente falta da comunidade LGBTQIA+ abordar pautas sobre pessoas com deficiência e reclama que ainda há pouca representatividade e acolhimento dentro da própria comunidade. Ela observa, por exemplo, a falta de pessoas com deficiência em campanhas publicitárias de junho - mês do orgulho LGBTQIA+. "A gente pensa que essa comunidade é um lugar de 100% de acolhimento, mas as pessoas com deficiência ainda não são 100% acolhidas em nenhum lugar", afirma.
Segundo ela, há pouca informação circulando dentro da comunidade, assim como na sociedade em geral, conscientizando que as pessoas com deficiência também podem viver sua sexualidade e fazer parte da comunidade que desejar. Dessa forma, acaba não tendo representatividade em um meio que deveria ser mais acolhedor e compreensivo.
"O amor não é um prédio cheio de escadas"
Com dificuldade para se abrir sobre sua vida amorosa, principalmente em grupos de amigos que não são tão próximos, Ana Clara conta que sempre foi acompanhada de olhares preconceituosos que não enxergavam com naturalidade o fato de ela se relacionar com alguém ou não consideravam a possibilidade de se relacionar com ela.
"Eu já levei vários foras. Já falaram abertamente que não ficariam comigo por conta da minha deficiência, porque daria muito trabalho, seria muita responsabilidade ou teria vergonha de ficar comigo e expor para os amigos. São pequenas violências que a gente sofre e que vão nos traumatizando".
Diante de tantas situações ruins, ela nunca se sentiu pronta para viver o amor. No entanto, dessa vez, tem sido diferente. Hoje ela está feliz e tem um relacionamento definido por ela como "incrível e gostoso de viver''. Segundo Ana Clara, a namorada - que não é PCD - é muito aberta para entender as questões capacitistas e problemas de acessibilidade e representatividade que ela enfrenta rotineiramente.
O recado que ela quer deixar com o vídeo que emocionou quase meio milhão de pessoas na internet é que as pessoas com deficiência têm sexualidade, podem e fazem parte da comunidade LGBTQIA+. "Os sem deficiência não precisam ter dó. O amor é acessível, ele não é um prédio cheio de escadas, nem todas as microviolências que a gente sofre ao longo da vida. O amor pode existir de diferentes formas. Não só das que a gente vê nos filmes da Sessão da Tarde".
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.