"Adotei a criança dos meus sonhos: uma menina com síndrome de Down"
"Quando eu era jovem, sonhava com frequência com uma menina bailarina com Síndrome de Down. Eu acordava encantada. Pensava muito nessa criança. 'Será que ela vai ser minha filha um dia?'.
Na época eu era solteira. Assim que comecei a namorar o Adalberto, hoje meu marido, ele me contou que tinha vontade de adotar uma criança. Eu falei que também queria e já sabia o perfil: uma menina com Síndrome de Down.
O meu marido ficou surpreso e um pouco receoso. As pessoas julgam que uma pessoa com Síndrome de Down traz uma série de limitações para a família. Mesmo assim, nós conversávamos sobre o assunto.
Depois que a gente casou, o Adalberto começou a pesquisar sobre o assunto. E, após três anos de casado, ele disse que também queria essa filha. A iniciativa partiu dele.
Foi então que entramos para a fila de adoção, em 2019. Na época, participamos de associações de pais com filhos com Síndrome de Down para ter uma proximidade com as famílias. A sensação é que eu estava gerando um bebê, estava grávida.
O processo de adoção durou 6 meses. Após esse período, começamos a busca ativa. Ou seja, nós não precisamos esperar na fila de adoção.
Entramos em contato com as comarcas e juizados por conta própria procurando a nossa filha. A busca ativa é um procedimento permitido nos casos de adoção de crianças consideradas 'inadotáveis'. Aquelas maiores de oito anos, grupos de irmãos ou com deficiências físicas ou mentais.
Mesmo assim, nós não encontrávamos o nosso bebê de jeito nenhum. Estava ansiosa e pensava muito: 'o que eu faço para nossa filha chegar mais depressa?'.
Procura nas redes sociais
Eu tive a ideia de fazer um cartaz com o perfil da criança: uma menina de até 4 anos com Síndrome de Down, sem família. Uma amiga publicitária criou o material. E logo eu postei nas redes sociais. O banner circulou pelo país.
Muitas pessoas acompanharam a nossa história. Durante esse processo, descobri que quando uma família recebe a notícia que o filho tem alguma deficiência, ela sofre uma espécie de luto.
Então, para as mães com crianças atípicas, era um respiro saber que eu e o meu marido escolhemos ter um filho parecido com os que elas têm. Também participamos de grupos de busca ativa formados por 'cegonhas', voluntárias que ajudam a encontrar as crianças para as famílias.
Um desses grupos recebeu a informação de uma criança com Síndrome de Down que estava sendo rejeitada por inúmeras famílias em Itanhaém, um município no litoral de São Paulo.
Quando as voluntárias 'cegonhas' receberam a mensagem, olharam uma para a outra e falaram de um casal em Goiás que estava procurando por essa menina.
Primeiro encontro
Em março de 2020 fomos de carro de Goiânia até Itanhaém conhecer a nossa filha. Era início da pandemia. Havia um risco de ir de avião porque a criança estava internada no hospital.
A mãe dela deu à luz e foi embora. O bebê tinha uma cardiopatia, uma doença no coração e precisava de uma cirurgia. Usava uma sonda e não conseguia mamar.
Eu estava muito ansiosa para conhecê-la. Antes de entrar na UTI da maternidade, o meu marido fazia muitas perguntas para a equipe médica. Quem via achava que ele não estava tão interessado em conhecê-la.
Só que na hora que o Adalberto viu a nossa filha na UTI, os olhos dele transbordaram de lágrimas. A nossa filha olhava para ele encantada. Era um encontro de almas. Todos ao nosso redor choravam. Os pais, as enfermeiras, os médicos. Ela tinha 2 meses quando a conhecemos.
A equipe de saúde que cuidava dela a chamava de Vitória. Mas nós demos o nome de Agnes.
Cirurgia no coração
No mesmo dia que conhecemos a Agnes conseguimos a guarda provisória. Logo voltamos para Goiânia com a nossa filha.
Ela se preparou para fazer a cirurgia no coração. Assim iria conseguir comer normalmente, sem sonda. Os médicos em Goiânia não atendiam pacientes novos por conta do coronavírus. Mas uma cardiopediatra se comoveu com a história da Agnes e abriu uma exceção.
A cirurgia não foi imediata. Na época, a nossa filha tinha 2 meses e um pouco mais de 3 quilos, o peso de um recém-nascido. Esperamos ela engordar para enfrentar o procedimento.
Neste período a gente não dormia. Ficávamos de plantão à noite. A respiração dela falhava muito. E, quando isso acontecia, a gente dava uma bombinha para ela inalar. Foi essencial para criarmos um vínculo com a nossa filha. Nunca nos arrependemos da adoção. Os momentos complicados fizeram com que a gente a amasse ainda mais.
A Agnes teve uma lesão durante a cirurgia. E passou mais de um mês na UTI. Saiu do hospital com 5 meses. Chegou em casa sem sonda. Hoje, ela come absolutamente tudo.
A nossa 'maravilhosinha' tem 1 ano e 6 meses. Eu não lembro como era a nossa vida antes dela. O amor cura tudo.
Reação da família
O tempo de habilitação da adoção é importante. As pessoas devem contar desde o início para a família. Assim não pega ninguém de surpresa. Eu contei para o meu pai que ia adotar uma criança com Síndrome de Down quando entramos na lista de espera da adoção, bem no começo do processo. Ele ficou desesperado. Dizia que ia destruir o meu casamento, a minha vida.
Quase um ano depois, a Agnes chegou às nossas vidas. Foi o tempo que o meu pai precisava para compreender e aceitar a adoção. Quando nós encontramos a nossa filha, ele ficou super animado. Foi o primeiro a comprar um presente para a neta. Quem via aquele avô babão não imaginava que não aceitava no início.
Ele queria notícias e fotos dela o tempo inteiro. Dizia: 'Minha netinha é linda. Eu amo a minha neta. Eu quero ver ela'. Meu pai morava em Minas Gerais. Não conheceu a neta pessoalmente. Faleceu de pancreatite 10 dias depois que a Agnes chegou em casa. Ele foi embora sem conhecê-la, mas já a amava. Meu pai precisava dessa evolução para que fizesse a passagem. Foi uma evolução para que ele fosse embora amando a neta adotiva, negra com síndrome de Down.
Recentemente, Agnes foi promovida a irmã mais velha: estou grávida de 13 semanas de um menino, que vai se chamar Julio. É uma gestação de risco - já tive duas outras perdas gestacionais - por isso estou em repouso absoluto. O maior sofrimento é não poder carregar Agnes no colo por esse período, mas nós quatro estamos lutando como podemos pela vida do seu irmãozinho e os dois (Agnes e ele) estão sendo muito fortes! Sou muito grata pela minha família." Paola Oliveira, 33 anos, engenheira de alimentos, de Abadia de Goiás, em Goiás.
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