Olimpíadas: 'Pediram para subirmos de biquíni ao 1º pódio feminino do país'
Há 25 anos, quando mulheres brasileiras subiram ao pódio olímpico pela primeira vez, as campeãs do vôlei de praia tiveram que receber as medalhas de ouro e prata usando biquíni — quando o mais comum é participar da premiação vestindo o uniforme completo do Brasil, com calça e agasalho.
Naquele dia 27 de julho de 1996, duas duplas brasileiras disputaram a final da modalidade: Sandra Pires e Jacqueline Silva receberam medalhas de ouro, e Adriana Samuel e Mônica Rodrigues, de prata.
"Não foi uma escolha nossa. Naquele momento de frisson, entre o fim da partida e a premiação, fomos orientadas a subir no pódio de biquíni, e não com o agasalho do Brasil, que é o mais comum. Todo mundo levou o uniforme completo na bolsa, mas veio o pedido para ficar de biquíni porque era mais sexy, mais bonito", lembra diz Adriana Samuel, ex-atleta e hoje gestora esportiva, em entrevista a Universa.
Ela completa: "Eu me lembro da cara de frustração da Sandra [Pires, medalhista de ouro] quando recebemos essa orientação. Mas, há 25 anos, naquela adrenalina de final de jogo, a gente não se deu conta do que estava acontecendo".
Quatro anos depois, as duas duplas subiram novamente ao pódio, nas Olimpíadas de Sidney, mas, dessa vez, usando o uniforme completo.
Nos Jogos Olímpicos de 2021, que começaram há menos de uma semana, em Tóquio, a diferença entre os uniformes masculino e feminino é um assuntos dos mais discutidos entre as atletas, que estão se posicionando contra a sexualização de seus corpos durante as competições.
As ginastas alemãs, por exemplo, decidiram substituir o tradicional collant, que deixava as pernas inteiras à mostra, por calça comprida. Já a seleção feminina de handebol de praia da Noruega foi multada pela federação europeia por se recusar a competir usando biquíni.
"A sensação que dá é que a beleza dos corpos femininos conta mais que o nosso desempenho, como se fosse preciso mostrar o corpo para compensar um jogo visto como sendo menos interessante do que o masculino.
"Não é uma federação que tem que decidir, a atleta tem que ser ouvida. Como você se sente melhor? Que roupa é mais confortável para jogar?", acredita Adriana. "Não somos apenas corpos, somos atletas".
"A gente sabia que merecia mais reconhecimento"
Quando Adriana e as três colegas do vôlei de praia conquistaram suas primeiras medalhas, em 1996, não tinham ideia do marco que aquela vitória representava para a história do Brasil nas Olimpíadas.
"Foi lindo, mas na hora a gente não tinha a dimensão da grandiosidade do feito. O que eu sentia ali, e acho que as outras jogadoras também, era a realização de um sonho pessoal, de atleta, de chegar a uma final olímpica", lembra.
"A ficha só começou a cair mesmo quando nós voltamos para o Brasil e tivemos uma recepção à la Beatles no aeroporto. Chegamos a desfilar em carro de Bombeiros, coisa que, até então, eu só vi acontecer com os jogadores do futebol masculino."
Naquela época, a modalidade feminina ainda enfrentava muita desigualdade em relação às equipes masculinas: menor número de etapas no circuito e premiação bem mais baixa. Para a medalhista — prata em Atlanta e bronze em Sidney, em 2000 — a vitória nos Estados Unidos ajudou a caminhar em direção à equidade:
"A conquista nos deu força, nos credenciou para brigar por igualdade. Mesmo sem estar pautada pelas redes sociais, pelas discussões que existem hoje, a gente sabia que merecia mais reconhecimento."
Hoje, Adriana Samuel comanda o Time Petrobras, que descobre e patrocina novos talentos no esporte. Ela está por trás da carreira de 22 atletas que disputam medalhas em Tóquio — 17 olímpicos e 5 paralímpicos, entre eles Isaquias Queiroz (canoagem), Letícia Bufoni (skate), Martine Grael e Kahena Kunze (vela), Arthur Nory e Flávia Saraiva (ginástica artística).
Juntos, os atletas gerenciados por Adriana renderam ao Brasil 29 medalhas, somando Olimpíadas e Paraolimpíadas em diferentes modalidades. Nomes ligados à ex-atleta foram responsáveis quase a metade das medalhas do Brasil nas últimas duas Olimpíadas (Rio 2016 e Londres 2012).
"De certa forma, todas as gerações dão a sua contribuição na luta por igualdade, desde a Aída dos Santos, em 1964, mas essa nova geração está babado."
"É um processo lento, as mudanças poderiam ser mais rápidas, mas a gente tem o que comemorar. Esta edição dos Jogos Olímpicos de Tóquio é a mais equilibrada em relação à participação de homens e mulheres", celebra.
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