Violência doméstica: vídeos de vítimas podem não ser aceitos como prova
Vítimas de violência de gênero têm se amparado cada vez mais na tecnologia como câmeras de celular e redes sociais para denunciar seus algozes, como a influenciadora Pamella Holanda, que filmou o pai de sua filha, o DJ Ivis, a agredindo, inclusive com a filha de 9 meses no colo. Nesta quarta-feira (28) foram divulgadas imagens do ator João Gana, de "Verdades Secretas 2", agredindo uma pessoa. Segundo o jornalista Alessandro Lo-Bianco, que publicou o vídeo, a vítima seria uma ex-namorada do artista.
Imagens claras de agressões como essas, no entanto, podem não ser consideradas num processo contra o acusado. Isso porque o pacote anticrime apresentado em 2019 pelo então ministro da Justiça Sergio Moro permite o uso de uma captação ambiental feita por uma das partes envolvidas, sem o prévio conhecimento da polícia ou do Ministério Público, quando demonstrada a integridade da gravação, em matéria de defesa. Ou seja: o texto permite que somente o advogado do réu use a imagem, não a acusação, que é o Ministério Público.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou esse dispositivo por causa dessa limitação, e justificou, entre outras coisas, que ela representa um retrocesso legislativo no combate ao crime, mas o Congresso Nacional derrubou o veto e promulgou essa e outras mudanças na Lei Anticrime no último dia 30 de abril.
Apesar de a palavra da vítima ter peso em situações de violência de gênero, o uso desse tipo de imagem pode ajudar caso o agressor negue o crime, conforme explica o advogado criminalista João Paulo Martinelli, doutor em Direito Penal pela USP.
"Se o agressor falar no processo que não agrediu e foi vítima de calúnia, essa gravação vai servir para a mulher mostrar a verdade. Então, acredito que o Supremo vai declarar inconstitucional esse dispositivo porque já é um entendimento pacificado na jurisprudência de que a acusação pode utilizar a imagem como prova, desde que a pessoa que gravou tenha participado", explica Martinelli, professor do IBMEC-SP.
Por ser uma decisão recente, a criminalista Adriana D'Urso avalia que os tribunas de Justiça terão que fazer ainda um exercício de interpretação do termo "em matéria de defesa".
"Isso pode significar que [a imagem] só pode ser utilizada em matéria de defesa, e não da acusação, ou só quando demonstrada a integridade da gravação em matéria de defesa. A meu ver, essa interpretação tem que ser feita de maneira a não prejudicar as mulheres vítimas, para que elas possam usar essa captação como meio de prova", avalia a presidente da Abracrim Mulher (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas). "Espero que os tribunais tenham um mínimo de bom senso para acatar esse material em matéria de acusação", afirma.
Outro ponto importante frisado pelos dois especialistas é quanto à divulgação do material nas redes sociais. Ainda que se tenha uma imagem clara de violência o suspeito não foi condenado e pode até processar a vítima por danos morais, lembra Martinelli.
"Muitas vezes, as mulheres se sentem desamparadas pela demora de providências na Justiça, e para ter uma resposta mais efetiva, no seu entendimento, acabam publicando essas imagens. A orientação que dou é que essas mulheres procurem órgãos especializados de acolhimento, e as delegacias", finaliza Adriana.
Como denunciar a violência doméstica
Em flagrantes de violência doméstica, ou seja, quando alguém está presenciando esse tipo de agressão, a Polícia Militar deve ser acionada pelo telefone 190.
O Ligue 180 é o canal criado para mulheres que estão passando por situações de violência. A Central de Atendimento à Mulher funciona em todo o país e também no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita. O Ligue 180 recebe denúncias, dá orientação de especialistas e encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. Também é possível acionar esse serviço pelo Whatsapp. Neste caso, o telefone é (61) 99656-5008.
Os crimes de violência doméstica podem ser registrados em qualquer delegacia, caso não haja uma Delegacia da Mulher próxima à vítima. Em casos de risco à vida da mulher ou de seus familiares, uma medida protetiva pode ser solicitada pelo delegado de polícia, no momento do registro de ocorrência, ou diretamente à Justiça pela vítima ou sua advogada.
A vítima também pode buscar apoio nos núcleos de Atendimento à Mulher nas Defensorias Públicas, Centros de Referência em Assistência Social, Centros de Referência de Assistência em Saúde ou nas Casas da Mulher Brasileira. A unidade mais próxima da vítima pode ser localizada no site do governo de cada estado.
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