'Larguei o trabalho, aprendi a andar de moto e viajei 7 meses pela África'
"Entre 2017/2018, encarei um dos meus maiores desafios: viajar de moto pela costa africana com uma amiga argentina que eu havia conhecido em um trabalho de publicidade. Nesse trabalho, a gente entrevistou pessoas que mudaram completamente de vida, como era o caso dela — que havia largado a área de finanças para viajar o mundo.
Algum tempo depois nos falamos pelo Skype e foi quando ela me convidou para essa viagem. Eu já havia feito um 'mochilão' pela Ásia, mas usando transporte público.
Eu nunca havia andado de moto, não sabia. Perguntei se poderia ir na garupa dela, mas ela disse que não dava, porque era onde ela colocaria sua bagagem. Então me matriculei numa autoescola para aprender e tirar a carteira de motorista para poder pilotar, larguei o meu trabalho e embarquei nessa aventura.
A jornada começou na Espanha onde compramos as nossas motos usadas e de lá cruzamos para o Marrocos pelo Estreito de Gibraltar percorrendo a costa oeste africana, passando por Mauritânia, Senegal, Gâmbia, Guiné-Bissau, Guiné-Conacri, Serra Leoa, Libéria e por fim, África do Sul.
Todo dia eu trocava uma ideia com a minha moto, conversava também com meus anjos da guarda.
Não sabíamos quanto tempo a viagem ia durar. Cogitamos um ano e meio, mas, acabamos fazendo em sete meses. As dificuldades iam aumentando à medida que atravessávamos os países: estradas sem asfalto, pirambeiras, pedras, areia e até cabritos pelo trajeto. A cada dia aparecia um novo desafio, principalmente nos trechos em que viajei sozinha, cruzando fronteiras como a do Senegal, onde eu quis passar um tempo maior antes de encontrar minha amiga no destino seguinte.
À noite, dormíamos em barracas que montávamos em lugares mais isolados. Também dormimos em postos de imigração, outras vezes pessoas que encontrávamos pelo caminho ofereciam hospedagem e também usamos o Couchsurfing, uma rede em que pessoas cedem um 'sofá' para viajantes.
A comunicação durante a viagem nem sempre era uma tarefa fácil: alguns países usam dialetos, outros têm o francês como língua oficial, e nós não sabíamos falar. Mas fomos nos virando com o tempo e bem acolhidas em todos os lugares.
Certa vez, estávamos acampadas fora da estrada e ouvi barulhos de passos à noite, não sabia se eram pessoas ou animais, mas eu abri a barraca e não vi nada. Talvez fosse o som do vento, mas foi a única ocasião em que realmente senti medo.
Apesar de todo o cansaço, conserto das motos, burocracia para tirar visto e outras coisas, tive experiências marcantes em todos os países, principalmente em Gâmbia.
Não me senti vulnerável nessa viagem, mas sim empoderada.
Conhecer um continente de moto, observar as paisagens, como as pessoas vivem e estando sobre duas rodas é fazer parte desse cenário. É sentir cheiros, chuva, calor, vento, areia no rosto.
Em alguns lugares, as pessoas ficavam chocadas com duas mulheres viajando, foi emocionante e também um desafio diário. Em muitas viagens as pessoas chegam com julgamentos prévios, e eu acho que esse tipo de viagem faz a gente entender que a pessoa 'de fora' na verdade é você. Então quem está ali para aprender ou se adequar é você.
'Minha amiga quebrou as duas mãos e nossa aventura terminou'
Após quase sete meses de aventura, quando estávamos no norte da Libéria, minha amiga sofreu um grave acidente ao cair da moto, quebrando as duas mãos. Não havia nada ao redor, mas consegui pedir ajuda para as pessoas que passavam pelo local e a levamos para um hospital precário que não tinha condições de cuidar dela.
Dali, conseguimos uma ambulância e fomos para a capital Monróvia — foram dez horas de viagem, em que ela urrava de dor. Após quatro dias, fomos transferidas de avião para a África do Sul onde ela faria uma cirurgia, e deixamos as motos para trás. A cirurgia correu bem e ficamos duas semanas no país, onde cuidei dela até receber alta; em seguida, ela retornou para a Argentina e eu, para o Brasil.
A jornada havia chegado ao fim. Foi difícil lidar com isso, pois eu tinha muitas expectativas com os países que iríamos conhecer ainda, mas em nenhum momento pensei em seguir sozinha.
Para encarar um percurso como esse é preciso estar aberto para o que vier, viver o que for e se permitir conhecer o novo.
A pandemia atrasou um pouco os meus planos, mas quero voltar à África. Temos uma ideia distorcida e até sensacionalista sobre o continente africano de modo geral, e essa viagem me ensinou que nós não sabemos nada sobre ele.
Acho que o maior aprendizado foi sobre superação, pude me desafiar num lugar que nunca imaginei estar e superar todas as dificuldades que encontrei pelo caminho. Eu quero voltar, eu quero conhecer o mundo inteiro, Índia, Nepal, América Latina. Quero conhecer o espaço, seguir viajando."
*Kimie Koike, 32, é assistente de direção e vive em São Paulo (SP)
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