'Ouvi que se não morresse, ficaria tetraplégica. Escolhi voltar a andar'
"Sou jornalista e designer por formação, mas estou em transição de carreira, migrando para a gastronomia. Essa mudança ocorre em meio à recuperação de um acidente de carro que ocorreu em março deste ano e que quase me tirou a vida.
Estou com 23 anos e, graças Deus e à minha força de vontade, estou voltando a andar após um diagnóstico de tetraplegia.
Em março, eu, meus pais e meu marido saímos de Guarulhos (SP) para visitar meu irmão em Indaiatuba (SP). Na volta, com meu pai dirigindo, eu e meu marido dormimos assistindo à TV pelo celular.
Foi quando meu pai conta que viu um clarão muito forte pelo retrovisor, era um caminhão que acabou nos atingindo e fez o carro capotar seis vezes. O motorista fugiu sem prestar socorro.
Acabei sendo arremessada do carro por, mais ou menos, 20 metros. Quando o carro parou de capotar, todos olharam para o lado e não me viram. No desespero, eles tiveram que quebrar o vidro do veículo com as mãos e cabeça. Quando conseguiram sair, me avistaram de longe no chão.
Minha mãe, que é enfermeira, fraturou o pulso e deitou no chão ao meu lado para não deixar que eu me mexesse. Meu pai e meu marido tiveram ferimentos leves. Como paramos de capotar no meio da rodovia Castello Branco, caminhões se mobilizaram e fecharam a avenida, para ninguém me atropelar, já que eu fiquei no chão aguardando resgate por mais ou menos duas horas.
Do acidente, resgate e ambulância não me lembro de absolutamente nada. Mas, do hospital, tenho algumas recordações leves.
Eu lembro de ter a certeza que minha família inteira estava morta. Eu pensava: 'Se eu estou assim, eles não devem ter sobrevivido'.
Perguntava deles constantemente. Como minha mãe foi encaminhada para outro hospital e meu irmão foi ao encontro dela, a essa altura do campeonato, meus sogros já tinham chegado ao hospital onde eu e meu marido estávamos. Só acreditei que eles estavam bem quando meu pai chegou ao hospital.
'Fiquei 32 dias internada sem poder me mexer'
Fraturei vértebras da cervical e da lombar, a bacia e os meus dois pés foram moídos. Os médicos chamam carinhosamente de 'mordida de tubarão'. Fora isso, tive muitas escoriações pelo corpo.
Quem fratura a cervical na altura que fraturei, não tem diagnósticos muito animadores: se não morrer no ato acidente, a tetraplegia é algo quase certo.
Se na hora do resgate tivessem mexido errado milímetros o meu pescoço, o dano teria sido irreversível.
Nos primeiros oito dias de internação fiquei em isolamento, pois tinham visto uma pequena mancha no meu pulmão e poderia ser covid-19. A manchinha, no fim das contas, era do próprio trauma do acidente. Mas, nesse isolamento, comecei a fazer apenas fisioterapia respiratória, já que eu não podia me mexer em hipótese alguma.
Fiquei 32 dias internada e a única posição que eu podia ficar era deitada, reta. Para comer e beber água, precisava de alguém.
Uso um colar cervical e uma cinta 24 horas por dia. Fiquei também com sete ferros nos pés, que seguraram meus ossos. Eu só pude de fato iniciar a fisioterapia quando esses ferros foram tirados, três meses depois. Comecei a fisioterapia no dia 11 de junho e aí dei início à luta para voltar a andar.
'Eu vou voltar a andar, seja lá como for'
Os trabalhos são exaustivos. Mas em momento algum pensei em desistir. Desistir de andar nunca passou pela minha cabeça. As dores nunca foram maiores do que a minha vontade de andar. E aí sigo nessa força que só Deus para me dar. Ele é minha fonte inesgotável.
Eu não dei paz para os médicos. Eu era muito questionadora e pedia sempre para eles me posicionarem sobre o melhor e o pior cenário possível. E assim eles faziam.
O pior era não andar, perder movimentos ou ficar manca e com sequelas. O melhor era andar. Simples assim. Para mim, os dois cenários eram bons, porque eu estava viva e isso bastava. No momento, estou cadeirante, mas não sou cadeirante. Eu vou voltar a andar, seja lá como for.
'Meus pais dormiam no carro no estacionamento do hospital para ficarem perto de mim'
O cuidado da minha família nesse período foi a prova do amor de Deus por mim. Meus pais passavam a noite dormindo no carro, na porta do hospital, só para se sentirem perto de mim, fora que moveram céus e terras para me dar todo o conforto possível naquele lugar. É inacreditável.
Meu marido é o meu porto seguro. Para ele, eu ligava chorando desesperada dizendo que ia desistir, me entregar e que não conseguiria. Ele não duvidou um dia se quer do que Deus faria e da minha recuperação. Trocou fraldas, fez curativos... Eu já o amava, mas hoje o admiro profundamente.
Minha cunhada dormiu em uma cadeira durante 24 dias, segurando minha mão no hopspital. Ela se tornou minha irmã.
'Nas redes sociais disseram que haviam aumentado a gravidade do acidente'
Sempre fui muito ativa no Instagram e, quando aconteceu o acidente, eu sumi por uns três dias. Aí, meu marido informou ao pessoal nos stories o que havia acontecido e o porquê de eu estar sumida. Teve comentários duvidando da gravidade do acidente, dando a entender que estávamos fazendo um sensacionalismo, querendo nos promover com isso.
Teve pessoas que comentaram: 'Lá se vão os sonhos e planos dela'. Como se minha vida tivesse acabado ali. Teve gente dizendo que estava desejando minha morte e que por isso o acidente havia acontecido.
No hospital, teve até uma enfermeira que fez uma piadinha sem graça com tetraplegia na minha frente, quando ainda era meio incerto para mim o que aconteceria.
'Pensei em desistir por duas vezes'
Eu sei que pensar positivo e ter esperança no meio do furacão é difícil. Eu pensei em desistir duas vezes enquanto estava no isolamento.
Todos diziam: 'Ainda bem que você está viva'. Eu me questionava: só estar viva é o suficiente? Eu já ia ter que passar por aquilo, não tinha mais o que fazer.
O acidente já estava consumado e só me restavam duas opções: passar por aquilo chorando e sofrendo ou passar por aquilo da melhor maneira possível.
E assim eu fiz. É uma decisão mesmo. Não tem como esperar sua mente, involuntariamente, melhorar. Uma atitude precisa ser tomada quando passamos por situações de profundo desespero. Pelo menos comigo foi assim. Em contrapartida, não subestime sua dor. Ela é real e você deve respeitar isso.
É importante você tomar a sua decisão e começar a comemorar os pequenos milagres do dia. Deus prepara milagres diários para a gente, simples assim. Nós que complicamos tudo. Então, agradeça por hoje você acordado, conseguido ir até o banheiro, trabalhar, dar um passo, dirigir, brincar com o seu filho... Os privilégios da vida são esses.
Hoje sinto dores, mas uma alegria tão gigantesca de estar evoluindo um pouquinho mais a cada dia que não consigo nem explicar. Estão acontecendo mudanças muito grandes na nossa vida e não entendo o porquê de isso ter acontecido comigo, mas compreendo as milhares de lições que aprendi. E sou feliz por isso."
*Bianca Braga Vasconcelos, 23, é jornalista e designer e vive em Guarulhos (SP)
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