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Modelo trans: 'Para ser aceita, saí de casa, passei fome e me prostituí'

A modelo Luana Rocha, 23, se descobriu uma mulher trans assistindo à uma novela - Arquivo pessoal
A modelo Luana Rocha, 23, se descobriu uma mulher trans assistindo à uma novela Imagem: Arquivo pessoal

Luana Rocha, em depoimento a André Aram

Colaboração para Universa

06/08/2021 04h00

"Quando era mais nova, eu só achava que existisse lésbica, gay e travesti, não sabia nada sobre transexualidade, só tive essa noção sobre o que é ser trans quando saí de casa aos 17 anos e fui para Vitória (ES), mais precisamente quando assisti à uma novela que tinha uma personagem trans, ali eu me descobri, pois sempre me vi como uma mulher, nunca como um homem, eu queria ser mulher 24 horas.

Fui tirada do armário por uma menina da minha cidade que contou para a minha mãe que havia me visto em uma festa ficando com alguns meninos, lembro que foi um dos piores dias da minha vida, disse coisas que não queria ter dito, estava esperando o momento certo para contar, mas talvez isso poderia nunca ter chegado, não fui expulsa de casa, conversamos numa boa depois e minha mãe me ajudou a usar o meu primeiro vestido.

Aos 19 anos, após ser demitida do meu trabalho no Espírito Santo, larguei tudo para trás e vim para Curitiba (PR). Na época, eu estava obesa, pesando 111 kg, passei muita necessidade no início, tive depressão e isso ajudou no processo de emagrecimento.

Felizmente, nunca sofri transfobia, eu ainda tenho dificuldade em me aceitar — fui criada em uma família rústica, de interior, tenho ainda aquela visão de preconceito deles, mas estou mudando isso.

No trabalho, também não sofri discriminação, mas você nota a diferença entre uma pessoa cis e uma trans em relação às oportunidades profissionais; é muito mais difícil para uma trans conquistar espaço no mercado de trabalho — ver uma trans como gerente de uma empresa, por exemplo, e para alcançar isso você tem que provar que é mil vezes mais competente que uma pessoa cis.

Muitas empresas nos apoiam, mas os funcionários, não. Então para não sofrermos preconceito, muitas vezes preferimos trabalhar como autônomas.

luana - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Para ela, mais marcas de moda deveriam dar espaço a pessoas trans
Imagem: Arquivo pessoal

Certa vez, uma supervisora de um antigo emprego aqui em Curitiba disse que eu tinha perfil para ser modelo e me mostrou uma página no Facebook onde modelos, fotógrafos e maquiadores trocavam informações. Foi lá que consegui os meus primeiros trabalhos como modelo de maquiagem, ensaios e assim fui começando na moda. Mas mantendo o meu trabalho como operadora de telemarketing, pois é uma renda mais segura.

Me perguntam sempre se eu quero fazer a redesignação sexual, eu não me sinto bem com o meu órgão genital. Mas não quero fazer a cirurgia para que as pessoas me aceitem ou para ser mais fácil achar um homem; acho que nunca será fácil para uma mulher trans encontrar alguém, então quero fazer a cirurgia para me sentir bem comigo mesma.

Algumas pessoas dizem que eu não pareço uma mulher trans, que sou passável; acho absurda essa palavra, porque é um termo transfóbico, onde você precisa ser de uma forma para ser 'passável'.

Por mais que você seja toda perfeitinha, você nunca é passável —e nós estamos sempre buscando a perfeição. Mas as pessoas transfóbicas sempre notam algum defeito, alguma coisa que mostre que nós somos trans, mas eu não ligo para isso. Se perguntarem, eu digo 'Sou e daí? Vai pagar as minhas contas?'. Eu simplesmente sigo e não dou confiança.

'Passei fome e precisei me prostituir'

Eu não vou negar que no passado, durante um período curto, tive que me prostituir. Havia trocado de emprego e tive um baque financeiro grande: ou eu fazia isso, ou moraria na rua, porque fome já estava passando. E não me arrependo, porque isso me fez ser mais confiante, forte e com uma cabeça melhor para lidar com os homens.

Eu era constantemente iludida, às vezes eles chegavam com aquele papo e aprontavam comigo, conseguiam o que queriam e depois sumiam.

Infelizmente, muitos homens veem a mulher trans como uma boneca inflável, só para sexo e nada mais.

É muito gratificante ver pessoas trans conquistando espaço na moda e em outras áreas também, enxergarem que somos capazes. Deveria ter mais marcas, empresas apoiando pessoas trans, porque nós somos comprometidas, guerreiras.

Na verdade, guerreiras nós somos desde que nascemos, porque para suportar o que a gente sofre, tem que ser muito guerreira."

*Luana Rocha, 23, é modelo e operadora de telemarketing e vive em Curitiba (PR)