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Amor à distância: como o romance de Joseli e Candace resistiu à pandemia

Candace Maher e Joseli Gomes se casaram em 2019, no Rio de Janeiro - Arquivo pessoal
Candace Maher e Joseli Gomes se casaram em 2019, no Rio de Janeiro Imagem: Arquivo pessoal

Joseli Gomes em depoimento a Mariana Gonzalez

De Universa

06/08/2021 04h00

"Eu e a Candace nos conhecemos em Campo Grande, onde eu nasci e morava na época. Ela é de Colorado, nos Estados Unidos, e estava no Brasil dando um treinamento para professores de inglês da rede pública da cidade.

Um dia, ela chamou o pessoal da Secretaria de Educação para uma pizza party no apartamento dela — minha amiga era uma dessas pessoas e me chamou para ir junto. Quando minha amiga passou para me pegar, falou: 'Ela tem o seu perfil, mas não vai dar em cima dela, hein'.

Na casa dela, vi vários papeizinhos pendurados com palavras em português, mas tudo escrito errado, misturado com espanhol, porque ela não falava quase nada da nossa língua. Falei: 'Pega um lápis e uma borracha que eu vou te ajudar a arrumar isso aqui'.

Quando estava acabando o jantar, chamei ela para um after numa balada — lá, falei no ouvido dela que eu gostava de meninas e nos beijamos.

Depois desse dia, saímos duas ou três vezes, mas eu me lembro de sentir muito medo de gostar dela, porque ela não ia ficar muito tempo no Brasil, tinha data para voltar aos Estados Unidos, e eu precisava terminar minha faculdade aqui. Eu também era muito jovem e só queria saber de festa, e decidi terminar. Disse a ela que era melhor a gente seguir sendo só amigas. Ela ficou muito triste, porque estava gostando de mim, mas a vida seguiu.

Anos depois, me mudei para o Rio. Como era meu primeiro ano longe da minha mãe, decidi dar a ela uma chaleira. Mandei pelos Correios e, dias depois, recebi um e-mail com uma pesquisa de satisfação — mas tomei um susto, porque o nome da marca é muito parecido com o nome da Candace e, na hora, pensei que fosse um e-mail dela.

Fiquei animada, fazia anos que a gente não se falava. Então decidi mandar um e-mail para saber como ela estava. Ela respondeu, eu respondi de volta, trocamos WhatsApp, começamos a nos falar por vídeo. Eu estava solteira e ela também.

Conversamos por meses até que eu fui visitá-la, em 2018 — foi quando decidimos ficar juntas de vez, fosse no Brasil ou nos Estados Unidos.

Estávamos decididas a viver no Brasil, eu já tinha alugado nosso apartamento, estava comprando algumas coisas, quando o Bolsonaro [presidente Jair Bolsonaro, sem partido] ganhou as eleições. Eu falei: 'Não vem para o Brasil, esse cara é maluco, a gente não sabe o que vai acontecer'.

Foi tudo muito rápido. Para eu conseguir morar nos Estados Unidos, a gente precisava casar, então decidimos apressar os papéis, porque tivemos medo de não conseguir mais casar com o Bolsonaro eleito. Nos casamos no Brasil, em 2019. Lembro de pensar: depois que a gente casar, ele não pode nos descasar.

Depois do casamento, demos entrada na imigração e sabíamos que deveria demorar cerca de um ano — mas não contávamos com uma pandemia no meio do caminho.

Ficar longe é muito difícil, mas até então a gente conseguia se ver umas quatro vezes por ano, quando ela tirava uma folga para vir para cá — enquanto corria o processo de imigração, os advogados recomendaram que eu não tentasse entrar nos Estados Unidos. Mas, em 2020, quando veio a pandemia, não tinha como viajar. Passamos 11 meses separadas.

Joseli e Candace em chamada de vídeo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Joseli e Candace em chamada de vídeo
Imagem: Arquivo pessoal

Fui muito triste, era uma solidão enorme, ainda mais nessa situação de covid-19 avançando, um luto coletivo, todo mundo em isolamento. Fui muito ruim, eu sentia um estresse muito grande, além da saudade, claro. Às vezes eu ir a um restaurante legal, comia alguma coisa diferente, pensava: 'Poxa, queria que a Candace estivesse aqui'.

A gente tentou se adaptar como pôde: fizemos muita chamada de vídeo, assistimos a muitos filmes à distância, eu mandava coisas por delivery para ela, mas foi horrível, ainda bem que passou.

Nos reencontramos em dezembro de 2020 e passamos um mês juntas. No mês passado, fui chamada para uma última entrevista e soube que me visto foi aprovado. Depois de três anos à distância [dois casadas] finalmente vamos ficar juntas pra sempre. Estamos radiantes de alegria.

Nesse período que passei longe da Candace, aprendi a dar valor às coisas simples. Nos momentos em que a gente se encontrava, só de poder estar juntas, jantando juntas, vendo um filme ou fazendo nada, eu já estava feliz.

Joseli e Candace em uma das visitas da norte-americana ao Brasil - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Joseli e Candace em uma das visitas da norte-americana ao Brasil
Imagem: Arquivo pessoal

Vejo muitos casais de amigos brigando por bobeira e penso: 'Nossa, eu queria poder estar com a Candace. Eles estão juntos e estão perdendo tempo com discussão'. Longe de acreditar em perfeição, sei que o dia a dia não é um conto de fadas, mas sempre que estamos juntas há muito amor e muito respeito.

Claro que, morando juntas, nosso relacionamento vai mudar bastante, mas considero que esses três primeiros anos à distância deram muito certo.

Muita gente fala: 'Nossa, eu não daria conta'. Mas a gente não tinha outra possibilidade. A gente se ama e não queria se perder de novo.

Nossa expectativa está a mil. Não vejo a hora de chegar lá, abraçar a Candace, comer um sushi e tomar um bom vinho — uma das coisas que a gente mais gosta de fazer juntas. Vou chegar no inverno e vai ser minha primeira vez na neve. Não gosto muito de frio, mas vou me acostumar.

Estou com muita expectativa, também, para finalmente decorar o nosso apartamento. Comprei telas de artistas brasileiros para levar e colocar minha identidade no apartamento, lembrar aqui do Brasil. Estou louca para montar nossa casa, do jeitinho que eu sempre sonhei." Joseli Gomes, gerente de recrutamento.