Mãe de Fernanda Garay, do vôlei, na torcida pelo ouro: 'Ensinei a ter foco'
O vôlei feminino do Brasil joga a final olímpica contra os Estados Unidos a partir da 1h30 deste domingo (8) e, entre as jogadoras que representam o país, está a 'braba' das quadras, como foi apelidada a gaúcha Fernanda Garay. Na torcida pelo ouro, outra jogadora de vôlei - não profissional, é verdade -, estará possivelmente em frente à TV ajoelhada, rezando para que as atletas brasileiras conquistem a vitória: Jussara Garay, 59 anos, mãe de Fernanda.
Passando uma temporada em Pinhais, cidade da região metropolitana de Curitiba, Jussara se prepara ao lado da família para ver a filha brilhar dentro da quadra em sua última atuação nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Se conquistar o ouro, Fe Garay se tornará também a maior campeã olímpica do Rio Grande do Sul. Na tarde deste sábado, Jussara conversou com Universa sobre a expectativa para a final.
"É ouro. Mas, ao mesmo tempo, medalha é medalha, seja a cor que for e, no fim, o ouro é Fernanda estar jogando como está, dando o melhor dela. Não me sentirei frustrada se não ganharem", argumenta.
Praticante de atletismo, vôlei de quadra e de areia, modalidade que treina ao lado de uma neta de 9 anos, Jussara conta que criou os filhos para vida de atleta. Foi isso, na sua opinião, que fez com que Garay desenvolvesse um perfil de jogadora concentrada e, ao mesmo tempo, leve e sorridente — expressividade que cativou a torcida brasileira.
"A descontração veio dela. Ela sabia que teria dificuldades e que não adiantava choro nem vela, então, tinha essa alegria. Mas o foco é influência minha e do pai", revela.
Basquete ou voleibol? Mãe fez parte da decisão
Primogênita de cinco irmãos, Fernanda Garay foi criada em Porto Alegre pelos pais em um ambiente de incentivo aos esportes: enquanto Jussara sempre jogou vôlei e correu (hoje, pratica corrida de rua, "a corridinha da saúde"), o pai, Luis Fernando, jogava basquete.
Só que a mãe puxou a sardinha para o próprio lado. "Com 5 anos, ela tinha altura de 7. Mas não tinha coordenação motora, caía demais. Então, aos 6, coloquei na escolinha de vôlei. Fui radical! Apenas falei que era iria jogar vôlei, e não basquete", relembra.
Jussara e o então companheiro, Luis, eram policiais e trabalhavam na Brigada Militar. Fernanda cuidava dos irmãos mais novos, enquanto os pais estavam fora. Quando ela fez 14 anos, o casal se separou. A rotina familiar ficou ainda mais regrada, conta Jussara, para que as crianças permanecessem encaminhadas no esporte. "Todos são atletas e eu batia na porta dos colégios particulares para conseguir bolsa para eles. Fernanda e a mais nova foram para o vôlei, os gêmeos ficaram no basquete e tenho uma filha que fez atletismo", comenta.
"Eu escrevia nas paredes: 'Disciplina, obediência e foco' para eles lerem. E ainda conciliei bem trabalhar e ser mãe. Tinha que estar sempre vendo treiná-los no Sogipa [clube Sociedade de Ginástica de Porto Alegre], onde a Fernanda começou", conta.
Na luta, a alegria para superar dificuldades
Para manter o sonho de Fernanda, a família precisou driblar dificuldades financeiras. "Às vezes, a gente não tinha dinheiro para pagar a passagem de ônibus e chegar ao clube, então ela caminhava na chuva. Não deixava faltar. Acho que a alegria dela surgiu aí, para ser mais feliz nesses momentos difíceis. É algo que vem do coração dela", acredita.
Da porta para fora, a jogadora também enfrentou outro obstáculo: o racismo. Menina negra, ela sofreu discriminação racial na escola particular que frequentava, lembra Jussara. "Quando era criança, eu deixava o cabelo dela natural. Só quando tinha dinheiro é que conseguia pedir para a cabeleireira do condomínio fazer tranças. Por isso, Fernanda contava que ninguém queria sentar ao lado dela na condução para ir à escola, onde era a única negra", revela.
Os episódios de exclusão racial, diz Jussara, ecoavam nas conversas entre mãe e filha. "Com 7 anos, Fernanda disse que não queria ser preta. E eu falei que aquela era a cor do amor, porque era a minha e do pai dela. Depois, comprei espelhos enormes para colocar na casa e perguntava: 'Você está vendo alguma pessoa feia aqui?'".
Sempre falei para os meus filhos que ser preto não é um problema. Mas eles sabem que o degrau do pobre e do preto sempre é mais alto. O que digo é que a gente tem pernas grandes para subir
Garay em quadra: "Levanto as mãos para Deus e rezo"
Em abril, Fernanda Garay anunciou que dará um tempo na carreira após as Olimpíadas para tentar engravidar. Jussara aponta que ter sido cuidadora dos irmãos e, posteriormente, dos primos e dos sobrinhos, despertou um "instinto maternal" na jogadora. "Ela sempre foi a 'mãezinha' deles. Falo para ela que se é o tempo dela [para ter um filho], oro por isso".
Enquanto o plano da maternidade de Garay não se realiza, as preces de Jussara são destinadas mesmo à atuação dela na final das Olimpíadas. "É sempre assim: ajoelho, levanto as mãos e peço a Deus para dar certo", revela.
Ao final da entrevista, dá mais uma prova de que, além da crença espiritual, confia muito no talento de Fernanda. "Não precisa colocar que sou praticante de vôlei, corrida, não. Pode ser só que sou mãe da Fernanda Garay. Me contento com esse papel", finaliza.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.