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Adesivo na câmera e crise de choro: alunos sofrem bullying em aulas online

tylim/Getty Images/iStockphoto
Imagem: tylim/Getty Images/iStockphoto

Juliana Tiraboschi

Especial para Universa

09/08/2021 04h00

Um band-aid colado na câmera do notebook foi a maneira que Juliana*, 13 anos, encontrou para garantir que o dispositivo nunca seria ligado durante as aulas online do oitavo ano do ensino fundamental, nem por acidente. Desde que o ensino remoto começou a ser implementado em sua escola em Curitiba (PR) por causa da pandemia do coronavírus, em março de 2020, a garota não mostrou o rosto nas aulas nem uma única vez.

Lucas*, 14 anos, aluno do oitavo ano do fundamental, em São Paulo, também nunca liga sua câmera. Além de ter vergonha da própria imagem, ele se distrai com jogos e redes sociais, porque não consegue fixar a atenção só no professor. O estudante responde à chamada para mostrar que está presente, mas muitas vezes dorme na primeira aula e participa pouco.

Paula*, 16 anos, segundo ano do ensino médio, também de São Paulo, é outra estudante que nunca liga sua câmera durante uma aula online. A aluna teve uma crise de choro quando a escola comunicou que passaria a ser obrigatório mostrar a cara durante as aulas.

Esses casos ilustram um problema que nasceu junto com a pandemia: a vergonha dos adolescentes em se expor no ensino remoto. O primeiro motivo para isso é que assistir a uma aula online é como estar de frente para um espelho. Na classe presencial, o foco de atenção é o professor. Mas, no computador, os alunos ficam encarando o professor, os colegas e a própria imagem o tempo todo. Aí, começam a reparar no que consideram defeitos: uma espinha, o cabelo desalinhado e o quarto bagunçado.

Ter imagem printada e exposta é pior pesadelo dos adolescentes

O segundo principal motivo é o medo de virar alvo de zombaria entre os colegas. Alguns alunos tiram prints, ou seja, capturas de imagens, dos amigos em aula no momento em que estão fazendo alguma careta ou com uma expressão estranha e jogam a foto no grupo de WhatsApp da classe, tornando aquela pessoa o objeto de chacota da turma. Ter a sua imagem printada e exposta virou o pior pesadelo de muitos adolescentes. O bullying virtual tem um alcance muito maior do que o presencial, já que extrapola os limites da escola e pode ser permanente, se ficar imortalizado na internet.

Angelo Binder, 42 anos, pai de Juliana, conta que a garota passou a ficar mais fechada e tímida quando começou a mudar sua fisionomia, por volta dos 12 anos. "Ela sempre chamou a atenção como uma menina bonita, mas passou a se sentir mal com a própria aparência", diz. Juliana passou a se comparar muito a outras meninas nas redes sociais, tanto garotas que ela conhece quanto atrizes e influenciadoras. Ela deletou suas próprias imagens das redes e não gosta de ser fotografada. Com as aulas virtuais, a preocupação com a aparência piorou.

Para Angelo, o isolamento interrompeu um momento do desenvolvimento em que Juliana começava a ganhar mais independência, e isso trouxe insegurança. "Ela estava em uma fase de sair, conhecer outras pessoas, e a pandemia quebrou esse processo". Para ele, o mais difícil é tentar confortar a filha sem ter passado por nenhuma situação parecida na sua época de adolescente.

Lucas também sente vergonha da aparência. "Ele está com mais acne e o cabelo não está bom. Apagou todas as suas fotos das redes sociais e não quer ser fotografado quando se reúne com a família", relata a mãe, a empresária Adriana Mariano, 45. "Ele cresceu demais neste período da pandemia e, com o isolamento, parece que perdeu a noção do seu desenvolvimento físico", afirma. Adriana conta que Lucas tinha muitos amigos antes da pandemia mas, sem as aulas presenciais, ficou mais solitário, não sai de casa por medo da doença, não vê os amigos e está cada vez mais tímido e antissocial.

Tudo isso afeta seu comportamento em aula. "Meu filho e seus amigos descobriram que, se ficassem mandando uma mensagem atrás da outra no bate-papo da reunião online, a aula travava. Eles fizeram isso uma vez e foram suspensos", diz Adriana. "Daí tem briga, deixo de castigo, sem celular e sem internet, mas ele diz que não tem nada para fazer. O mundo dele agora gira em torno só da internet, games etc.", afirma. "Temos medo de que esse comportamento, cenário e rotina afetem seu futuro".

Para Paula, a situação é um pouco diferente. A garota não tem problemas com a sua imagem. Mas, quando a câmera do computador está ligada, a história é outra. Segundo sua mãe, a relações públicas Mariane Camargo, 41 anos, a filha tem a autoestima em dia, mas não gosta muito de como sai nas fotos. E, na câmera das aulas, nem pensar em aparecer. "Ela tem vergonha e diz que ninguém liga a câmera, e que, se ela ligar, vai ficar em destaque. Só que já vi a aula dela e vários alunos ligam, sim. Mas minha filha diz que só abre a câmera quem quer ficar se mostrando", diz a mãe. "Ela também falou que os amigos tiram print dos rostos e depois fazem memes com as fotos, por isso não suporta a ideia de abrir a câmera", diz Mariane. Presencialmente, Paula não tem problemas com a própria aparência. "Mas na aula online ela não gosta de ser observada", afirma a mãe.

Especialistas alertam para distúrbios de imagem

Segundo a psiquiatra Danielle Admoni, psiquiatra da infância e adolescência na Escola Paulista de Medicina UNIFESP e especialista pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), existem aqueles adolescentes que não abrem a câmera porque estão descabelados, de pijama, ou que estão fazendo outra coisa durante a aula e não querem prestar atenção ao que o professor está falando. Mas muitos alunos detestam a câmera porque ela os obriga a prestar atenção a eles mesmos, evidenciando aqueles aspectos que os desagradam.

Para aqueles que sofrem de algum distúrbio, como transtorno de ansiedade ou de autoimagem, aí a coisa piora muito. "Estes já sofrem mesmo presencialmente, têm medo de se expor e vergonha de falar na frente dos outros. No online isso fica ainda mais evidente, porque o rosto do aluno está exposto o tempo todo. É como um espelho, e atrapalha a concentração na aula", diz a médica.

Danielle já ouviu relatos de pacientes que sofreram bullying dos colegas por terem uma decoração de quarto considerada infantil para a idade, porque a mãe passou de calcinha na frente da câmera sem querer ou porque dividem o espaço de aulas com irmãos ou com os pais em home office. Essas situações podem ser banais e até engraçadas, mas podem representar o fim do mundo para o jovem tímido e introvertido que vira alvo de gozações.

Thauane Rocha, cientista social, pedagoga e consultora pedagógica do LIV - Laboratório de Inteligência de Vida -, um programa socioemocional presente em mais de 500 escolas pelo Brasil, deu aulas online para alunos de 11 a 16 anos no ano passado. "Muitos adolescentes não se sentem à vontade em ligar a câmera. Eles sempre entravam se justificando que estavam desarrumados ou falavam para não ligar para o cabelo", diz.

Desafio é grande para os professores

Mas, se os adolescentes odeiam as câmeras, como fazer para que os professores consigam controlar quem está prestando atenção na aula e quem está "viajando"? Thauane acha válido que algumas escolas obriguem os alunos a ligarem a câmera já que, dessa maneira, o professor pode ficar de olho e fica mais difícil para o estudante se distrair com o celular ou outras abas do computador. Mas ela acredita que é possível ter uma certa flexibilidade nas regras. "Acho importante propor a reflexão, abrir o diálogo com a comunidade: professores, coordenação e famílias. E também escutar os alunos e explicar a eles as decisões tomadas pela escola, mesmo que os contrariem".

Para a pedagoga, os adultos tendem a silenciar o adolescente. "Mas é importante entendê-los, pensar em soluções e trazer a conversa para a turma", afirma. E, claro, combater os casos de bullying sempre que necessário. Além disso, a pedagoga acredita que aulas mais dinâmicas, com debates e propostas de interação entre os alunos, podem maximizar as chances dos estudantes participarem mais das atividades.

Pais devem ter atenção redobrada

O mais importante para os pais é não tratar problemas de ansiedade como uma frescura. Segundo uma pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), conduzida pelo psiquiatra Guilherme Polanczyk e divulgada em junho, um em cada quatro de sete mil crianças e adolescentes ouvidos apresentam sinais clínicos de ansiedade ou depressão. É preciso encaminhar os filhos para um psicólogo ou psiquiatra caso os sentimentos negativos estejam interferindo nas atividades do cotidiano, como as aulas. E é recomendado também que a família converse com a escola, caso isso esteja atrapalhando o rendimento escolar.

A psiquiatra Danielle Admoni ainda aconselha aos pais a ficarem sempre de olho no que está acontecendo tanto nas aulas quanto nas outras interações dos filhos. "Sei que está todo mundo enlouquecido na pandemia, mas adolescente precisa de controle o tempo todo. Não é para vasculhar as gavetas, mas participar da vida do filho e saber o que ele pensa", diz.

* Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados