'Durante um assalto, perdi meu marido: ele levou um tiro para me salvar'
"Eu e o Luciano tínhamos uma história bastante comum: nos conhecemos em um bar. Na época, eu tinha 23 anos e fui acompanhada uma amiga. Nos demos bem logo de cara e começamos a nos ver com frequência. Quatro meses depois, já namorando, eu engravidei e fomos morar juntos. Nossa filha, Giovanna, nasceu em 2003.
Conforme os anos passaram, abrimos uma empresa de impressão. Por causa disso, quase não ficávamos separados durante o dia. Ele tinha um gênio forte, mas com o qual eu sabia lidar bem. Tínhamos poucos e leves desentendimentos: considerava ele um pai impecável e excelente marido.
"Meu esposo reagiu, empurrando o braço dele para me salvar. Ouvi quatro disparos."
No dia 14 de janeiro de 2009, ele veio me buscar na porta do escritório, de carro. Lembro que faltavam exatamente 5 minutos para as 17h. Eu fui até o veículo e ele pediu que eu voltasse, para guardar uma pasta, com um documento. Disse, brincando, que eu era esquecida e era melhor fazer isso logo. Entrei novamente e, quando retornei, ele estava fora do automóvel, sendo assaltado.
O portão de aço estava meio aberto, então tive que passar agachada. Eu tinha na mão uma chave de tamanho médio, que usaria para fechar o local. No entanto, ao ver o objeto, a mulher que fazia parte da quadrilha gritou para os dois homens que praticavam o roubo que eu estava armada. Não tive tempo de nada.
O assaltante apontou o cano da arma para mim, fazendo menção de atirar. Meu esposo reagiu, empurrando o braço dele para me salvar. Ouvi quatro disparos. Ali, ele foi morto com um tiro no peito, a queima-roupa.
Foram os piores minutos da minha vida. Ele conseguiu permanecer de pé por alguns segundos, depois, caiu próximo do meio fio. Mesmo com o bandido apontando a arma para mim, eu corri, me agachei e deitei perto dele, dizendo que ia ficar tudo bem. Segurando a sua mão, senti o sangue quente nas minhas costas e acompanhei de perto enquanto os seus dedos se afrouxavam. Sabia que ele tinha morrido. Os bandidos fugiram na hora.
Gritei desesperada por ajuda. Algumas pessoas ouviram meu apelo e chamaram a polícia, que nos levou até o hospital. Quando foi confirmada a sua morte, eu desmaiei e levei alguns minutos para me recuperar.
Graças a um motoqueiro que estava no local, que seguiu o carro roubado, os bandidos foram presos. Por eu ter sido testemunha do assassinato, tive que ir à delegacia. Mas estava completamente em choque. Gritava muito. Até hoje não posso ver cenas de filmes e novelas com gritos femininos, porque é como se escutasse de novo o meu próprio desespero.
"Não comia, não dormia e nem queria falar com ninguém"
Pedi aos nossos parentes que não dissessem nada a minha filha, pois fazia questão de contar a verdade, do meu jeito, para ela. Quando cheguei em casa, tomei um banho e me livrei das roupas com sangue. Ali, vivi o momento mais devastador do luto. Sentada na beirada da cama, só queria contar o quanto o meu dia tinha sido horrível, mas a pessoa com quem eu queria conversar, a pessoa para quem eu sempre contava tudo não estava mais ali.
Passei por períodos difíceis: depois de acordar a primeira vez, não comia, dormia e nem queria falar com as visitas e parentes. Perdi muito peso. Com medo de que pudesse atentar contra minha própria vida, minha família não me deixou sozinha durante 20 dias.
Só recuperei um pouco do ânimo depois de uma ligação da minha sogra. Ela me disse que, se eu continuasse daquela forma, não faria valer a pena o sacrifício dele de ter sido salva. Então, foi como se caísse uma ficha.
No meu primeiro dia sem minha família por perto, decidi dar uma volta na rua. Encontrei a filha de uma amiga, que era criança e queria ir até o salão de beleza que ficava ali perto, mas não podia ir sozinha, porque sua mãe ficaria brava. Decidi acompanhá-la.
No meio do caminho, caiu uma tempestade e ela me pediu para tomarmos chuva juntas. Disse que a água era boa para lavar a alma. Eu aceitei. Ali, ensopada, foi a primeira vez que consegui sorrir de novo sem sentir culpa. Entendi que eu continuava viva.
"Ao voltar a me relacionar com outros homens, parecia que estava traindo"
Com o apoio das pessoas próximas, voltei pouco a pouco para a rotina cotidiana. Tive fases mais agudas de depressão, que hoje parecem um filme, com as memórias embaralhadas. Mas consegui me reerguer e, depois do primeiro ano, voltei a me relacionar com outro homem.
O primeiro envolvimento depois da morte dele foi estranho. A sensação que eu tinha era de que estava traindo, embora soubesse que isso não fazia sentido. Por sorte, nem a minha família e nem a dele estranharam o fato de eu estar com outra pessoa. Sei que, para algumas viúvas, esse processo se torna quase impossível devido à reação e ao julgamento das pessoas próximas. Para mim, isso não foi um problema.
Lembro que, no dia em que completou dois anos da morte dele, chorei de saudades no colo do meu então namorado. Até hoje não vejo nada de errado nisso: essa era exatamente a forma como eu me sentia.
Mesmo assim, passado algum tempo, percebemos que nossa relação era mais de amizade e decidimos terminar.
Quando conheci meu atual marido, Dressler, já tinha voltado a sair com as minhas amigas, me permitir aproveitar o tempo e me divertir. Mesmo assim, falava logo de cara, quando conhecia alguém, que era uma mãe viúva. Alguns homens se esquivavam. Mas, talvez por cursar psicologia na época, Dressler achou natural o meu comportamento. Com isso, desenvolvemos uma conexão saudável e profunda.
Ainda hoje, depois de nove anos de casados, brinco que nunca me divorciei, por isso tenho 'dois maridos'. Acostumado, meu esposo entra no clima e, se discordamos de algo, diz que o Luciano concordaria com ele, se estivesse entre nós. A memória dele é muito viva no meu dia a dia e eu sempre fiz questão de que continuasse assim". * Thatu Nunes tem 42 anos, é mercadóloga e blogueira e mora em Suzano (SP)
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