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'Família de Marielle merece resposta', diz filha de juíza morta por PMs

Ana Clara, 22, é filha da juíza Patrícia Acioli, executada na porta de casa, em Niterói, há dez anos - Ricardo Borges/UOL
Ana Clara, 22, é filha da juíza Patrícia Acioli, executada na porta de casa, em Niterói, há dez anos Imagem: Ricardo Borges/UOL

Luiza Souto

De Universa

11/08/2021 14h47

A estudante de direito Ana Clara Acioli se lembra com detalhes da manhã do dia 11 de agosto de 2011. Ela queria ir ao trabalho com a mãe, a juíza Patrícia Acioli. Aos 12 anos, ela atravessava alguns problemas e havia acordado muito angustiada. "Desde pequena, minha mãe permitia que a gente faltasse na aula para acompanhá-la no fórum, contanto que o resultado nas provas fosse o melhor", lembra.

"Naquele dia, ela disse: 'Não'. Mais tarde, liguei para dar boa noite e ela falou: 'Eu te amo o dobro do que você falar. Nunca se esqueça disso'. Fui dormir e, logo depois, minha irmã Maria Eduarda [que tinha apenas 10 anos] me acordou chorando. Eram os tiros. Começamos a rezar."

Foram 21 disparos contra a mãe de Ana Clara, Maria Eduarda e Mike na porta da casa da família, em Piratininga, bairro nobre de Niterói, na região metropolitana do Rio. Ela morreu na hora.

Titular da 4ª vara criminal de São Gonçalo, Patrícia Acioli tinha 47 anos e era conhecida pelo combate às milícias. Na época, era responsável por diversos processos nos quais policiais militares de São Gonçalo eram acusados de forjar autos de resistência, isto é, criar um suposto confronto para justificar assassinatos.

A juíza foi responsável pela prisão de pelo menos 60 policiais ligados a milícias e a grupos de extermínio, e recebia ameaças frequentemente. Mesmo assim, estava sem escolta no dia em que foi morta. As investigações revelaram que Patrícia constava de uma lista de 12 pessoas marcadas para morrer.

"Minha mãe tinha oficialmente 33 pedidos de proteção por causa das ameaças que recebia. Todos foram negados. Após sua morte, o Estado também não nos deu nenhuma proteção. Nosso pai que nos mudou de casa, mudava nossa rota e tomou uma série de medidas de segurança", lista Ana Clara, hoje com 22 anos. O pai, o advogado Wilson Maciel Chagas Junior, e Patrícia eram separados.

Onze PMs foram condenados pela morte. Para a maioria, as penas variam de 19 a 36 anos. Handerson Lents recebeu pena de 4 anos e seis meses, em regime semiaberto. Ele confessou ter fornecido o endereço de Patrícia para os colegas de farda executarem o crime.

"Família de Marielle merece resposta"

Ver a condenação dos envolvidos na morte da mãe não diminui a dor da perda, mas Ana Clara afirma que traz certo conforto. Por isso, ela aponta, sua família também engrossa o coro de quem cobra explicações pelo assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, que ocorreu há três anos. O PM reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Elcio Queiroz foram denunciados pelo Ministério Público acusados de executar o crime. Ainda não se sabe quem mandou matar nem o motivo .

"Somos muito solidários à família dela porque são pessoas que merecem uma resposta do Estado. Não é que a dor diminua. Independentemente do que aconteça, a minha mãe e a Marielle não estarão mais aqui."

Minha mãe não vai na minha formatura ano que vem, no meu casamento, nas minhas viagens, nem ver meu primeiro filho nascer. Mas a gente tem um conforto. A família da Marielle dorme e acorda se perguntando quem mandou matar e por que. Ela merece uma resposta como deram ao caso da minha mãe

"Se fosse homem não seria da forma como foi"

Vereadora pelo PSOL, a quinta mais votada no Rio em 2016, Marielle tinha 38 anos e atuava no combate à violência do Estado, e também denunciava atuação de maus policiais. Por isso, na avaliação de Ana Clara, a brutalidade usada na execução tanto da mãe como na de Marielle esbarra na violência de gênero.

"Acho que eles pensaram: 'Quem essa mulherzinha está pensando que é?' Se minha mãe fosse homem, até poderia ter acontecido algo parecido, mas não seria da forma que foi, não chegariam a tanto. A mensagem que quiseram passar matando minha mãe em frente à nossa casa foi: 'A gente pode fazer o que quiser com essa mulher'."

"Com a Marielle ainda teve a questão de ser negra e periférica, o que torna o buraco mais embaixo. Devem ter pensado: 'A gente faz o que quiser com esse povo'. Esses caras achavam que eram deuses

Hoje estudando Direito na UFF (Universidade Federal Fluminense) e estagiando na Polícia Federal, a jovem diz que quer tentar "mudar o sistema". O irmão, que tem 29 anos, também segue os passos da mãe: é bacharel em Direito e estuda para ser juiz.

"Uma das minhas possibilidades é a magistratura, mas minha primeira opção é ser delegada federal. Quero prender uma organização, um traficante internacional responsável por pessoas que estão entrando no crime, pegar o político que rouba. Minha mãe sempre falava: 'Brigar para baixo é fácil, quero ver brigar para cima'."

Ana Clara presta homenagem à mãe, a juíza Patrícia Acioli, assassinada há dez anos - Ricardo Borges/UOL - Ricardo Borges/UOL
Ana Clara presta homenagem à mãe, a juíza Patrícia Acioli, assassinada há dez anos
Imagem: Ricardo Borges/UOL

Juíza recebe homenagens

Para marcar os dez anos do assassinato de Patrícia, a família de Ana Clara participou nesta quarta-feira de ato organizado pela ONG Rio de Paz em frente ao monumento dedicado à juíza, em Icaraí, em Niterói. Foram depositadas 21 rosas.

"Nessa data, especificamente, a dor aumenta. É como se reabrisse a ferida novamente. Hoje lido com ela indo à praia, aos lugares que minha mãe gostava, para me conectar. A tristeza e a saudade estão aqui. O que tento fazer é acolher e dar espaço para a paz."