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"Sentia como se estivesse traindo": viúvas contam como foi voltar a namorar

Marcella sofreu decepções ao se relacionar após a morte do marido - Acervo pessoal
Marcella sofreu decepções ao se relacionar após a morte do marido Imagem: Acervo pessoal

Ana Bardella

De Universa

12/08/2021 04h00

Um capítulo sem final, uma página arrancada à força: é assim que aqueles que perdem um parceiro ou uma parceira se sentem. O luto vem acompanhado de uma série de sonhos interrompidos, principalmente quando a perda acontece durante a juventude. Quem já passou por uma experiência desse tipo relata o quanto a dor afeta todas as áreas da vida, incluindo a vontade de se envolver novamente.

A vivência pode ser dolorida a ponto de adormecer o desejo do(a) viúvo(a) de conhecer ou de se comprometer romanticamente com outra pessoa. Alguns permanecem sozinhos. Outros, com o passar do tempo, voltam a estabelecer vínculos afetivos. Nos relatos a seguir, Camila, Jéssica e Marcella contam como foi o processo de dar uma nova chance ao amor.

"Os homens enxergam as viúvas como mulheres frágeis"

"Fiquei viúva aos 29 anos. Nos conhecemos com 18, quando eu ainda estava na escola. Ele me viu passar, de uniforme, e veio atrás para saber quem eu era. Nos demos muito bem e, aos 23, nos casamos. O primeiro ano foi complicado: brigávamos por território, disputávamos a palavra final dentro de casa. Depois, nos entendemos e estabelecemos uma parceria muito boa.

Camila considera a perda do esposo a experiência mais desafiadora que já enfrentou - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Camila considera a perda do esposo a experiência mais desafiadora que já enfrentou
Imagem: Acervo pessoal

Financeiramente, éramos dois jovens começando a vida sem os pais, por isso passamos por alguns apertos. Tivemos dois filhos juntos e eu ficava em casa, cuidando deles, enquanto ele trabalhava fora. Quando a nossa segunda filha nasceu, a situação já estava um pouco mais estabilizada.

Aos 20 anos, ele havia descoberto um mau funcionamento no coração e passado por uma cirurgia, para a implantação de uma válvula. Oito anos depois, ele começou a sentir cansaço e os batimentos desregulados. Quando procuramos um médico, ele nos informou que seria necessário fazer a troca da válvula. O procedimento, no entanto, custava R$ 150 mil. Entramos para a fila do SUS e conseguimos vaga para janeiro do ano seguinte.

Porém, no fim do ano, ele começou a ter febre, dores no corpo e precisou ser hospitalizado. Com o diagnóstico de endocardite (uma infecção no coração), passou 30 dias no quarto comum e um, na UTI. Ao final, teve uma parada cardíaca e não resistiu. Sempre digo que a perda foi algo dilacerante. Nada do que eu já vivi se compara ao que senti naquele momento.

Uma página virou e tudo ficou diferente: perdi o provedor do lar, meu marido, pai dos meus filhos. Meu filho mais velho tinha 2 anos e a mais nova apenas 7 meses. Precisei de muita ajuda dos meus pais, amigos e de pessoas próximas para passar pela fase inicial. Mesmo com uma bebê, eu não queria ser mãe. Naquele momento, só queria viver meu luto. Com o tempo, porém, comecei a trabalhar em uma drogaria e as coisas foram se encaixando.

Durante um ano, me guardei 100%, ainda usando a aliança. Depois, tirei e comecei a permitir que outros homens me paquerassem, mas o sentimento era de estar traindo, de estar fazendo alguma coisa muito errada. Por fim, comecei a ter um ou outro ficante, mas nunca em público. Sentia vergonha dos nossos amigos.

Viúvas são muito apontadas. Se você sai, algumas pessoas começam a dizer que já superou, que nem lembra mais de quem se foi. Se fica em casa, dizem que é jovem, que precisa continuar a vida. Além disso, os homens nos encaram como se fôssemos muito frágeis.

Muitos — inclusive que conviviam com ele — me procuraram, presumindo que estava carente e tentando se aproveitar do sigilo que sabiam que eu iria manter. De fato, demorei até achar que era o momento de assumir uma nova relação publicamente.

Hoje, sinto que me tornei uma pessoa mais ponderada quando o assunto são os relacionamentos. Sou menos ciumenta, mais madura e não gosto de ter que fazer um grande esforço para ficar ao lado de alguém. No fundo, penso que, se eu superei uma perda tão devastadora no passado, sou forte o suficiente para superar outras decepções rapidamente".

Camila Morais, bioquímica e farmacêutica, 33 anos, de Araguaína (TO)

"No início, não sabia se queria outra relação ou só estava carente"

"A perda do meu esposo aconteceu há três anos e foi muito repentina: ele tinha feito uma cirurgia bariátrica e cinco meses depois, começou a sentir falta de ar e cansaço. Ele ligou para marcar uma consulta com o médico, porém, antes que a data chegasse, começou a passar mal, foi hospitalizado e descobriu que estava com uma embolia pulmonar.

Jéssica não sabia identificar os próprios sentimentos - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Jéssica não sabia identificar os próprios sentimentos
Imagem: Acervo pessoal

Quando recebi a notícia da sua morte, não acreditei. Estávamos juntos há oito anos, tínhamos quatro de casados e estávamos nos planejando para ter um filho. Nosso relacionamento era muito bom, com alguns desentendimentos pelo fato de ele ter dois empregos e passar pouco tempo em casa, mas sentia que estávamos vivendo uma das nossas melhores fases. Com 30 anos, demorei para aceitar que tinha me tornado viúva.

Meu primeiro sentimento foi de culpa: no dia anterior, tínhamos discutido porque ele vivia se atrasando para os compromissos e ainda não tínhamos feito as pazes direito. Depois, veio o velório: tomei um calmante e recebi palavras de apoio de muitas pessoas, então a dor foi um pouco aliviada pelo acolhimento.

O momento de maior tristeza veio no dia seguinte, quando caiu a ficha de que ele não estava mais em casa, não ia desejar bom dia, de manhã, não teria alguém para avisar quando chegasse do trabalho. As atividades rotineiras se tornaram as mais difíceis. A sensação é de estar completamente sozinha no mundo.

Depois da sua perda, fiquei alguns meses sozinha. Então, uma amiga me incentivou a baixar o Tinder, mas confesso que fiz isso com o pé atrás. Inconscientemente, associei o fato de me apegar a alguém com sofrer. Achava que, em algum ponto das minhas novas histórias, eu perderia a pessoa por quem desenvolvesse amor e passaria pela dor novamente. Mesmo assim, segui o conselho dela e comecei a ficar com uma pessoa que conheci por meio do aplicativo.

A sensação é estranha: além de sentir que estava traindo a memória do meu esposo, também ficava em dúvida se o que eu estava sentido era realmente uma paixão ou só uma carência. Fora o esforço de me adaptar novamente a vida solteira, ter que conhecer pessoas novas, falar sobre a minha vida. Por causa disso, passei um ano sem compromisso, só saindo de vez em quando com ficantes.

O cenário mudou quando me dei conta do outro lado de tudo o que passei: a vida é curta e eu se eu não me desse a oportunidade de viver relações mais profundas, talvez não tivesse tempo para isso. Então mergulhei na terapia, investi em autoconhecimento e comecei a pensar diferente. Hoje, namoro há oito meses".

Jéssica Ribeiro, 33 anos, psicoterapeuta, de São Paulo (SP)

"Quando expus minha nova relação, me questionaram"

"O começo do meu relacionamento foi às escondidas: eu trabalhava como recepcionista e ele, como mestre de obras de uma empresa. Eu tinha 15 anos e ele 40. Precisei manter tudo em sigilo da minha família, por causa da diferença de idade. Hoje entendo o quanto a nossa história poderia ter dado errado, mas ela deu certo: aos 16 anos, me casei. Um ano depois, engravidei da minha primeira filha. Quatro anos, depois, da segunda. Considerava a nossa vida bem feliz.

Marcella apoiou o tratamento de câncer do marido durante quatro anos - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Marcella apoiou o tratamento de câncer do marido durante quatro anos
Imagem: Acervo pessoal

Isso até chegar a doença: apenas três meses depois do nascimento da nossa caçula, ele foi diagnosticado com câncer de pulmão. Foram quatro anos de luta contra a doença e passamos por momentos de dificuldade em todas as áreas: financeira, médica e espiritual. Como não tínhamos muitas informações sobre a doença, resolvemos compartilhar sobre as dificuldades que enfrentávamos nas redes sociais, trocar experiências com outros pacientes e, por causa disso, nos tornamos conhecidos.

Eu não imaginava como seria minha vida sem ele: casei muito jovem e quase sem experiências anteriores. De fato, quando ele morreu, sofri muito. Demorei um pouco até olhar para outros homens e, depois da minha primeira tentativa, me decepcionei. Fui com muitas expectativas, mas sentia que tudo estava moderno, que eu não sabia como me comportar. Toda essa vivência e frustração resultaram em uma dor terrível, tão insuportável que cheguei a atentar contra a minha própria vida e precisei ser internada durante dois meses.

Quando saí, ainda não me considerava 100% saudável mentalmente, mas estava disposta a tentar e me permitir outros envolvimentos. Nunca gostei de ficar sozinha: meu sonho sempre foi casar e ser mãe, ter uma família. Então, mais estabilizada, conheci meu atual noivo, que é professor de música e me encantei por ele. Mas a viúva sofre muitos julgamentos: depois que postei a primeira foto com ele no Instagram, recebi o comentário de um seguidor questionando 'se eu amava tanto meu marido, por que já estava com outro?', o que obviamente não faz sentido.

Vou amá-lo para sempre e nunca me separei. A pessoa que diz algo assim claramente não sabe o que são as noites agarradas a um travesseiro, chorando por algo que não pode mais voltar. Que bom que hoje consigo amar outra pessoa. Os sentimentos não desaparecem, só se sobrepõem. Atualmente, estou grávida de 14 semanas e ainda sinto a presença dele por perto".

Marcella Braga, 28 anos, administradora, Tubarão (SC)