'Minha filha foi morta aos 8 meses de gravidez. Luto para achar minha neta'
"Tenho quatro filhos, a segunda, Thaysa Campos dos Santos, de 23 anos, foi encontrada morta em setembro do ano passado, às margens da linha do trem em Deodoro, zona norte do Rio de Janeiro. Ela foi buscar itens de enxoval na casa de uma amiga.
A Thaysa estava grávida de 8 meses, encontraram o corpo dela mas não encontraram minha neta, que se chamaria Isabela em sua barriga, também não havia vestígios de placenta. Ninguém até hoje sabe o que aconteceu com a criança.
"Minha filha estava ansiosa com a chegada da bebê"
Estava tudo pronto para a gente receber a menina. No dia em que sumiu, eu tinha dado a ela uma cômoda de presente. Minha filha estava muito apaixonada pelo bebê. Eu brincava dizendo que ia pegar a Isabela para cuidar, porque ela não tinha juízo, e Thaysa respondia: "Essa criança é tudo para mim".
Hoje moro em Brasília porque meu marido é militar. Mas no dia 28 de agosto, 12 dias antes do corpo de Thaysa ser encontrado, fui ao Rio encontrar com ela com Raíza, minha filha mais velha, de 27 anos, e pegar algumas coisas na casa que deixei, em Deodoro. Chamei as duas e falei que ia dividir o imóvel. Eu queria tirar a Thaysa de onde ela estava. Ela morava com uma amiga no Conjunto Habitacional do Exército.
Nessa conversa, minha filha mais velha agarrou a Thaysa e falou: "Quero a minha irmã perto de mim porque meu coração está muito apertado."
No dia 3 de setembro, a Thaysa saiu para ir a casa de uma amiga e nunca mais voltou. Se minha filha tivesse falado alguma coisa, eu a traria embora para Brasília. Eu não imaginava, não senti nada de ruim. Ela nunca se meteu com nada, com gente errada, não bebia, todo mundo gostava dela.
"Polícia acredita que traficantes possam estar envolvidos com morte"
O pai da minha neta era um homem separado quando ele se relacionou com a Thaysa, mas voltou para a ex. Mesmo assim, soube que ele assumiria a criança se ficasse comprovada a paternidade. Não sei até que ponto estava o relacionamento dos dois, mas eles estavam sempre juntos. Só o conheci por foto, que a minha filha mostrou. Ele nunca me procurou. Já a mulher desse homem a ameaçava e dizia que essa criança não ia nascer.
Só fui sabendo das coisas depois de tudo. Também soube, por exemplo, que minha filha teria sido agredida pela irmã da amiga com quem ela morava, mas não sei o motivo.
A polícia acredita que o chefe do tráfico no Triângulo [comunidade do Rio] possa estar envolvido, ou que a mulher do pai da minha neta tivesse algo também, mas eu não posso provar nada.
Só sei que conheço bem a área e sou conhecida também, porque já trabalhei como assistente social tanto no Triângulo como no Muquiço, favelas perto uma da outra. Não acredito que os bandidos teriam feito algo.
A polícia encontrou imagens de um homem com ela naquela noite, tiradas de câmeras de segurança que têm em prédios na região. Como até agora não acharam ele, depois de um ano? Desconfio de que ele não estava sozinho. O corpo da minha filha foi encontrado sem minha neta nem placenta, então alguém com conhecimento fez o parto dela. O útero dela estava limpo, e não tinha marca de cirurgia.
Acho que essa criança está viva, ou jogaram em outro canto. Se for da vontade de Deus, ela está viva. A gente não sabe do tamanho da maldade do outro. Eu tenho esperança de encontrá-la.
"Procurei fotos do corpo"
Eu não vi o corpo da minha filha, mas pesquisei pelas fotos na internet. Eu queria ver e cada vez que olho para ele, peço justiça a Deus. Ontem mesmo, revi. Olho e penso: 'Jesus, alguém merece uma morte dessa?'
Ver as fotos da minha filha naquela vala, pelada, dói muito, porque a gente cria um filho com muito amor, apesar das dificuldades, para ele ter o melhor.
O corpo dela foi exumado recentemente, no Cemitério da Penitência, do Caju, e acompanhei de longe. Quando subiu o carro do bombeiro, gritei muito, porque imaginei o resto da minha filha ali, e pedi por justiça.
"Meus netos acham que a mãe morreu de Covid e virou estrela"
A Thaysa só estudou até o sétimo ano, vivia no mundo da lua, não tinha sonhos. Ela foi mãe aos 15 anos e depois aos 17. Chegou a morar com o pai dos filhos dela, hoje uma menina de 8 e um de 6, mas ele era abusivo e a agredia. Às vezes, eu a tirava de onde eles viviam, mas ela voltava.
Quando resolveu se separar, foi morar com um tio, no Triângulo, e as crianças, desde então, ficaram com a avó materna, porque ela não tinha condições para cuidar. Mas esse tio morreu em 2019, e ela alugou uma casa com uma amiga.
Os filhos não sabem até agora como tudo aconteceu. Na época, chamei os dois e falei que a mãe deles estava internada com Covid, e acabou virando estrelinha junto com a Isabela. Até então, eu nem sabia que a menina tinha sumido.O menino pede muito pela mãe, chora, está agressivo. Quando começa a ter muita reportagem aviso a avó para não ligar a televisão.
"Criei canal na internet para cobrar resposta pela morte da minha filha"
Eu vou até as últimas consequências para saber o que aconteceu com a minha filha. Estou com vontade de fazer uma faixa pedindo justiça e estender em frente ao Bolsonaro [palácio do Planalto, onde fica o presidente]. Esse crime não pode ficar impune. Minha filha morreu por nada, de forma cruel.
O caso estava jogado na Delegacia de Descoberta de Paradeiros. Eu ficava ligando para lá, para saber novidades, e às vezes esperava 20 minutos para ser atendida. Achei um descaso. E ainda acharam, no início, que a minha filha era envolvida com o tráfico. Por isso comecei a falar sobre isso num canal no Youtube, para cobrar. Hoje o caso está na Delegacia de Homicídios da Capital.
Quero encontrar quem fez isso e perguntar se a pessoa tem mãe. Porque acabaram com a vida de uma família. Enquanto eu não fizer justiça, minha filha não descansa." Jaqueline Tavares Campos, é psicopedagoga, tem 51 anos e vive em Brasília (DF)
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