Indígena transexual vira cacique de aldeia em MT: 'Me respeitam muito'
A indígena transexual Majur Traytowu, 30, da etnia Bororo, se tornou cacique da aldeia Apido Paru, localizada na Terra Indígena Tadarimana, município de Rondonópolis (MT). O pai dela, Raimundo Itogoga, de 79 anos, era o cacique da aldeia, mas adoeceu e, ele junto com a mulher, Jurema Adugo Oro Kujagureudo, 65, repassaram o legado da liderança da aldeia para a filha caçula do casal.
A indígena conta que chegou a se negar como cacique, que no caso da aldeia Apido Paru é definido pelo senso de responsabilidade a partir da avaliação do cacique anterior. Ela ficou intimidada pela responsabilidade maior que iria assumir para a comunidade indígena, mas depois observou que já fazia parte da liderança há muito tempo e, há um mês, assumiu o papel definitivamente.
Majur afirma que a transexualidade nunca atrapalhou a convivência dentro da aldeia, tampouco a liderança como cacique, pois todos a tratam com respeito. "Desde sempre eu já era consultada pelos meus pais sobre decisões que deveriam ser tomadas para benefício da comunidade. As decisões eram tomadas por nós três, e quem dava a palavra final era eu. Além disso, eu que fazia a interlocução entre meu pai e os indígenas por conta da língua materna e da língua portuguesa. Sou tratada com muito respeito e até agora só recebi elogios", destaca a jovem, que sonha em cursar medicina e constituir uma família.
A aldeia Apido Paru tem 70 indígenas, e Majur se tornou cacique por reconhecimento de sua atuação na comunidade. Ela tem 19 irmãos. O pai teve 16 filhos e a mãe, outros cinco. Ela é a única filha do casal e reside com uma sobrinha de 12 anos, e um primo, de um ano e nove meses. "Eu ajudo a criar as crianças desde que me entendo de gente".
O nome social da cacique foi criado durante uma brincadeira entre parentes, que fizeram um trocadilho com seu nome civil. "Começaram a me chamar de Majur e o apelido foi se alastrando. Me sinto bem se me chamam de Majur ou de Gilmar, desde que haja respeito", conta.
O bororo é a língua falada pelos indígenas bororos e pertence ao tronco linguístico macro-jê. Majur diz que a língua materna é predominante na aldeia, mas alguns, como ela, dominam bem o português. Revolucionária e mantenedora da tradição dos povos originários, foi ela quem sugeriu que o nome da aldeia, antes chamada de Paulista, em referência a um povoado próximo, fosse mudado para algo que remetesse ao local e fizesse parte da língua bororo.
"Falei a meu pai, que é conhecedor da cultura bororo, para que fosse escolhido o nome da aldeia com algo que tivéssemos aqui. Apido Paru é um tipo de palmeira chamada de Acuri, que é presente na mata daqui da aldeia", explica a cacique.
A aldeia Apido Paru foi construída em 2017, quando os pais de Majur decidiram sair da aldeia central para o local que já tinham morado anos antes. A família de Majur morou na região na época em que seus avós eram vivos. Depois do falecimento do avô Cirilo, então pajé, a família se mudou para a aldeia central para realizar os rituais do funeral, que duram três meses, e acabou ficando por alguns anos.
Logo depois que voltaram para a antiga aldeia ainda denominada de Paulista, a família foi obrigada a voltar para a aldeia central porque um dos irmãos de Majur morreu, de ataque cardíaco, aos 40 anos. "Com a tristeza da perda do meu avô, minha mãe decidiu sair da antiga aldeia Paulista e se fixar na Tadarimana. Os anos foram se passando e minha família decidiu voltar. O destino foi tão cruel para nós, que precisamos nos ausentar de novo para fazer o funeral do meu irmão. O funeral durou 90 dias, mas acabamos ficando por um ano até construir novamente as nossas casas", relembra.
A aldeia Apido Paru é pequena, com cerca de 70 moradores. Os bororos mantêm a tradição de residirem em ocas feitas de matéria-prima da mata. O local tem energia elétrica e água potável fornecida por dois poços artesianos. As residências não têm encanamento, a telefonia móvel não funciona bem e nem há internet Wi-Fi.
A cacique conta que a vida escolar não foi fácil. Ela concluiu o ensino médio aos 25 anos, em 2017, depois de muita luta, pois a falta de condições financeiras acabava a afastando da escola sem terminar o ano.
"É diferente estudar em uma escola na cidade, pois tem o material escolar e as vestimentas, que nem sempre tínhamos condições. Quando concluí o ensino médio, dois anos depois passei no vestibular para fisioterapia e antropologia, em Goiânia. Quando voltei para a aldeia para ficar um tempo com meus pais, minha mãe falou da seleção do curso de agente de saúde, passei e optei para trabalhar na minha comunidade", relata.
A nova cacique pretende trabalhar para mudar a realidade de jovens que querem estudar e dar acesso a cursos técnicos e graduações. O primeiro passo é conseguir uma internet rural para que a aldeia tenha Wi-Fi e, os indígenas possam fazer cursos on-line e até graduações em EaD (Educação a Distância). Ela diz que também vai lutar para a aldeia ter uma escola e um posto de saúde.
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