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'A deficiência nunca impediu meus sonhos: sou casada, mãe e blogueira'

Sarinha Araujo se denomina como uma "blogueirinha diferente" - Acervo pessoal
Sarinha Araujo se denomina como uma "blogueirinha diferente" Imagem: Acervo pessoal

Sarinha Araújo em depoimento a Ana Bardella

De Universa

18/08/2021 04h00

"Ao nascer, fui diagnosticada com uma deficiência chamada artrogripose — que deixa as minhas pernas dobradas e limita o movimento das minhas mãos — por isso desde cedo preciso de ajuda para fazer atividades básicas do dia a dia, como cozinhar e tomar banho. Mas isso nunca me impediu de ser uma pessoa alegre, querida entre as pessoas da minha cidade e de experimentar de tudo um pouco na vida.

"Meu marido pulava a janela para ficarmos juntos"

Sara e Márcio estão juntos há 17 anos - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Sara e Márcio estão juntos há 17 anos
Imagem: Acervo pessoal

Aos 17 anos, conheci meu atual marido. Minha mãe era dona de uma lanchonete e organizou um samba. Eu estava lá com alguns amigos e comentei que o menino que tinha acabado de chegar era lindo. Havia um amigo dele na nossa mesa, que o chamou para sentar do meu lado. Achei que ele poderia se assustar por causa da minha deficiência, mas, pelo contrário: ele foi educado, puxou assunto e quis me pagar um lanche e um refrigerante. Antes de ir embora, me deu um papel com um número de telefone fixo (já que o celular não era tão comum na época) e pediu que eu o ligasse no dia seguinte, ao meio-dia.

Naquela noite, nem dormi de tanta ansiedade. No dia seguinte, cinco minutos antes do combinado, já estava com o telefone na mão. Combinamos de nos encontrar de novo na lanchonete. Passamos um bom tempo conversando, até que fomos andando até um ponto de ônibus e ele me beijou. Parecia cena de filme: logo depois de eu dar meu primeiro beijo, a vizinhança começou a soltar vários de fogos de artifício. Até hoje não entendi o motivo da comemoração, mas esse fato acabou marcando a nossa história.

Minha mãe achava que nós namorávamos só no portão, mas sempre fui danada. Durante quase um ano, ele subia escondido até a minha janela e passávamos as noites juntos. Minha irmã era nossa cúmplice e dormia na sala para nos dar mais privacidade. Mas o esquema foi descoberto pelo meu irmão e fui obrigada a contar toda a verdade. Então, minha mãe acabou permitindo o nosso namoro com mais liberdade.

"Tive dois filhos e recebi o apoio da minha família"

Sarinha com o marido e os dois filhos, Gustavo e Isabella - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Sarinha com o marido e os dois filhos, Gustavo e Isabella
Imagem: Acervo pessoal

Algum tempo depois, engravidei. Foi um susto imenso para mim e para toda a família. Eles acreditavam que eu não poderia ter um filho, devido à minha condição. No entanto, o médico explicou que, tirando as minhas limitações nos braços e nas pernas, meu organismo era normal e perfeitamente capaz de levar uma gestação. Depois dessa explicação, ficamos mais tranquilos. Fui viver com meu namorado e, desde então, estamos juntos. Contratamos uma pessoa para me ajudar com as tarefas de casa e do bebê, já que ele trabalha fora como eletricista e não daria conta.

O começo foi difícil: em algumas noites, ele ia trabalhar sem dormir, porque passava a noite segurando o bebê para que eu pudesse dar de mamar. Mas fomos nos adaptando e contando também com a ajuda dos nossos familiares. Pouco tempo depois, tivemos uma briga mais séria e decidimos nos separar. Durou só uma noite: assim que reatamos o relacionamento, engravidei mais uma vez. Foi outra surpresa, que nos deu muito trabalho, mas encaramos juntos.

"Tive compulsão por compras e hoje trabalho com internet"

O sonho de ser blogueira começou há mais ou menos 5 anos. Nesta época comecei a publicar vídeos no Facebook cantando músicas da igreja que frequento e alguns deles viralizaram. Quando vi esse potencial, decidi investir.

No início, focava mais no meu rosto, por pura vergonha da exposição.

Quando publiquei minha primeira foto de corpo percebi que é isso o que as pessoas gostam de ver: a vida real. Perdi o receio e investi nas danças, em um conteúdo mais alegre e descontraído, que combina com meu jeito.

Mesmo com visibilidade, é difícil conseguir parcerias, que é de onde vem o dinheiro. Por isso acredito que passei por uma das fases mais complicadas da vida há dois anos, quando comecei a cursar faculdade de pedagogia.

Sarinha Araujo se denomina como uma "blogueirinha diferente" - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Sarinha Araujo compartilha seu dia a dia com mais de 200 mil seguidores no Instagram
Imagem: Acervo pessoal

Além das mensalidades do curso, tive um momento de descontrole e comecei a fazer compras compulsivamente. Se alguém vinha me oferecer qualquer produto, eu comprava, parcelado ou fiado — e depois fazia empréstimos para conseguir pagar as dívidas. Quando me dei conta, estava em um beco financeiro sem saída.

Não dormia à noite de preocupação, mas não sabia como explicar para minha família o que estava acontecendo. Aos finais de semana, sempre tinha alguém no meu portão, para cobrar uma dívida — e eu sem ter como pagar. Desisti da faculdade, mas não foi o suficiente. Tive um momento de muito desespero, até que precisei me abrir com todos e expor a real situação. Mais uma vez, meu marido me ajudou e, aos poucos, fui reorganizando minhas finanças, até chegar a uma situação bem mais tranquila. Foi um período de grande aprendizado para mim.

Hoje, com o número de seguidores aumentando nas minhas redes sociais, consigo ajudar em casa com o que recebo pelo conteúdo que crio.

"Comentários negativos não vão me fazer desistir"

Infelizmente, sou alvo de ataques virtuais. Nos últimos tempos, três contas foram criadas no Instagram com um único objetivo: me xingar. Sempre com o nome "odeio a Sarinha", essas contas fazem postagens com o intuito de me humilhar e me desestabilizar, criticando a minha aparência, meu peso e o fato de ter uma deficiência. Fora os comentários de ódio nas fotos e vídeos, que também têm esse objetivo.

Já pensei em ir a uma delegacia, mas, acredito que essas pessoas acabarão pagando pelos seus atos mais cedo ou mais tarde, por isso nunca cheguei a registrar uma queixa. Apenas bloqueio e peço aos meus seguidores que denunciem.

Faço questão de expor pelo que eu passo, porque são palavras que machucam, que ferem. Quando toco nesse assunto, não estou 'me vitimizando' ou 'chamando a atenção', como muita gente pensa.

Até porque, ganho seguidores com a minha alegria e não com as minhas lágrimas. Mas mostro para que as pessoas acreditem e também para dizer que palavras más nunca vão fazer com que eu desista dos meus sonhos. Se ontem foi um dia ruim, amanhã vai ser um dia muito melhor" * Sarinha Araujo tem 34 anos, mora em Itaquaquecetuba (SP) e é criadora de conteúdo.