"Me falavam que gorda não era feliz e hoje sou uma modelo de sucesso"
"Meu nome é Catharina Bersot. Comecei a engordar aos 10 anos, hoje estou com 35. No começo foi difícil porque todo mundo era magro na minha família, e eu, gorda. Achavam que eu tinha que fazer tratamento psicológico para eu entender por que tinha engordado. Minhas tias me levaram nos Vigilantes do Peso, tomei Herbalife, fiz exercícios. Vivi isso por muito tempo e nada resolveu.
Quando me lembro, que loucura... Me levavam nas pesagens, mas eu não me via como gorda. Eu era criança. Não fui mais aos Vigilantes nem fiz mais dietas malucas.
Na adolescência, veio o bullying dos amigos. Minha mãe não encontrava calças para eu ir para a escola e comprou saias longas, que iam abaixo do joelho. Debochavam de mim me perguntando se eu era crente. Como se ser crente fosse um problema.
Os caras não queriam ficar comigo na frente de todo mundo. Quando eu já tinha uns 21 anos, ouvi de um que se eu emagrecesse ele me assumiria. Mas, eu tinha minhas tiradas, sempre tive bom humor. Disse a ele: 'Posso emagrecer, mas e você? Seu pinto não vai crescer'.
Esse mesmo cara disse em uma balada que não me abraçaria porque eu era fofa como as almofadas da mãe dele. Eu respondi que fofa era a almofada mesmo, porque eu era maravilhosa. Eu sempre falei isso para mim mesma porque se eu não me olhasse com esse olhar, ninguém o faria.
Sempre fui despojada e com a resposta na ponta da língua. Quando a gente engole muito sapo, dói.
Entre 2012 e 2013, eu comecei a usar o Instagram. Frequentemente me perguntavam sobre minhas roupas, onde eu conseguia achar. Moro em Macaé, no interior do Rio. Cidade é pequena, tem 260 mil habitantes, e não temos muitas opções de moda plus size.
Comecei a sonhar em ser modelo plus size. Dos 15 aos 25 anos eu não tinha ninguém na internet que me inspirasse, que me levasse a pensar: 'Nossa, sou como ela e posso ser feliz, ter uma família'. Porque eu escutava que gorda não tem família, não casa, não tem felicidade.
Consegui fazer alguns catálogos de moda e meu perfil no Instagram começou a crescer. Comecei a trabalhar como influenciadora na minha cidade, a dar dicas de moda, onde encontrar roupas plus size, falar de restaurantes, mostrar onde arrumo meu cabelo. Aí minha família começou a pedir para eu arrumar um emprego fixo. Não entendiam o que era a internet.
Eu também tinha um trabalho fixo. De manhã eu trabalhava como recepcionista e à tarde vendia roupas. Nos intervalos eu fazia divulgações no Instagram. Rapidamente o valor que eu ganhava com as divulgações ultrapassou meu salário de recepcionista e o que eu recebia das vendas. Aí fiquei 100% com o Instagram.
O que me trouxe muita visibilidade foi o concurso de Miss Plus Size, do Estado do Rio, em 2015. Fiquei em segundo lugar. Saí em jornais, dei entrevistas na TV, fiquei muito mais conhecida. Imagina, a gorda sem perspectivas participar de um concurso? E fazer as mulheres se sentirem representadas é muito legal.
Hoje faço campanhas grandes. Fiz para as Lojas Leader, o Bob's abriu um novo conceito de loja aqui e me chamou para fazer publicidade, estou no banner do shopping pela segunda vez.
Foi aniversário da cidade e convidaram pessoas que são conhecidas ou que tenham alguma história em Macaé. Me chamaram para representar a beleza. Foi uma honra esse convite. Colocaram uma foto enorme minha no shopping. Precisamos acreditar nos nossos sonhos, tudo acontece no tempo certo. Falavam que gorda não é feliz e estou no banner do shopping da minha cidade.
Comprei meu carro, pago meu convênio e o da minha filha, tenho uma vida confortável com meu trabalho de influenciadora, que achavam que não daria certo. Realizei meu sonho de assistir a um show das Spice Girls, que fizeram uma turnê na Europa, em 2019. Vi o show na Irlanda. Se eu tivesse vendendo roupas ou trabalhando em uma empresa talvez isso não tivesse acontecido.
É engraçado que minha família é muito conhecida na cidade. Antes, eu era identificada como a sobrinha da fulana ou da sicrana. Hoje elas é quem são as tias da Catharina, quando veem o sobrenome. Eu fiz o meu nome.
Hoje minha família reconhece meu trabalho, que não é uma brincadeira na internet. Me falam que sentem orgulho porque antes acreditavam que eu viveria às custas dos meus pais.
Minha mãe só entendeu e aceitou meu peso quando fui mostrando que me amava como sou. Ela me pede perdão hoje, digo que já a perdoei, mas explico para ela que tenho que falar para as pessoas sobre o que aconteceu. O pior bullying vem de dentro de casa, de quem você ama.
Acredito que o bullying que sofri na família era um cuidado, um querer o bem, não o mal. É que há 20 anos era diferente, uma cabeça antiga.
Ainda mais no interior, minha família veio de Conceição de Macabu, um lugar de 40 mil habitantes. Por exemplo, meu avô, que morreu na pandemia, tinha o hábito de beliscar minha avó dizendo que estava gorda e tinha que emagrecer. E fazia isso comigo, às vezes. Quando fui para o concurso de miss ele foi me assistir e viu várias outras gordinhas lindas.
Ele tinha amor por mim, fui a primeira neta dele, mas não me dava muita confiança por eu ser gorda. Depois do concurso passou a me olhar com outros olhos, a me chamar de 'minha miss'. Ele nunca mais falou para eu emagrecer, pegou em minhas gordurinhas. Fui quebrando essas barreiras.
Não faço apologia da gordura
Durante a gravidez vivi tudo isso de novo. Na rua, uma senhora me viu e falou para uma moça ao lado dela: 'Coitada, tem o rosto bonito mas é enorme, né?' A mulher explicou que eu estava grávida. Não dei uma resposta atravessada em respeito a idade dela.
Até com a minha obstetra. Ela foi parada na rua para perguntarem se não achava que eu estava muito gorda.
Não faço apologia da gordura. Cuido da minha saúde, faço exames, está tudo certo. Minha gestação foi saudável, sem alteração nenhuma. Engordei seis quilos a gestação toda. A Laura, que está com um ano e seis meses, nasceu saudável.
Essa é a única ressalva do meu namorado. Estamos juntos há quatro anos, ele sempre me aceitou como sou. Me acha linda, nunca me disse que tenho que emagrecer, só se preocupa com minha saúde.
Nosso sonho agora é nos casarmos. Já moramos juntos, mas quero um casamento estilo mini wedding, fora do Brasil. Só nós e um celebrante, em uma praia bem bonita, com um vestido estilo sereia, colado ao corpo.
Não consigo nem pensar em ela passar o que passei, mas vou ensinar ela a ter amor ao próximo.
Também quero comprar uma casa e levar a Laura um dia para a Disney. Vou dizer sempre que tem que respeitar porque somos iguais, independente de cor, profissão, qualquer coisa. Quero ensinar que têm famílias com dois pais, duas mães, família com pai e mãe, preto com branco. Quero que ela entenda as diversas formas e que o amor salva tudo.
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