Gaby Amarantos sobre educação não machista: "Boto para lavar as cuecas"
"Sou uma mulher preta e da periferia. Convivo com isso que chamam de 'pauta' há muito tempo", diz a cantora Gaby Amarantos, que está prestes a lançar um novo álbum e a estrear seu primeiro papel de atriz na próxima novela das 18h, "Além da ilusão".
Na pausa das gravações entre um programa e outro (ela é jurada do "The Voice Kids" e apresentadora do programa "Saia Justa"), a paraense falou com Universa sobre carreira, maternidade antimachista e questões sociais.
O clipe de "Amor para Recordar", single do novo álbum de Gaby, estreou nas plataformas de streaming na tarde de ontem. Nesse trabalho, ela interpreta uma mulher ribeirinha que luta para dar um futuro melhor para o filho — personagem interpretado por Davi (12), o primogênito de Amarantos. A cantora Liniker também faz uma participação.
Para Gaby, o clipe é especial. "Se eu não tivesse recebido apoio familiar — principalmente da minha mãe —, eu seria a ribeirinha que interpretei nas filmagens", afirma.
A "Beyoncé do Pará", apelido que ela ganhou no início da carreira, saiu do Pará para conquistar fama nacional e hoje empresta sua voz para as minorias com as quais se identifica, principalmente para mulheres, negras, da periferia e da região Norte do país. "Minha missão é levar questões da mulher da Amazônia para o resto do Brasil."
Universa - A protagonista de 'Amor para Recordar' é uma mulher 'comum', não lembra a Gaby que a gente vê nos palcos. Por quê?
Gaby Amarantos - A personagem foi sim, inspirada em mim. É quem eu teria sido caso não tivesse uma rede de apoio, feita principalmente por mulheres, para me ajudar a criar um filho. Muitas artistas acabam interrompendo a carreira depois da gravidez. A decisão de trazer essa ribeirinha é mostrar a importância de uma estrutura familiar na vida da mulher.
Minha mãe cuidou do meu filho para que eu pudesse viajar para o Rio de Janeiro, para São Paulo... Se não fosse por ela, talvez eu não seria uma artista hoje
A personagem principal do clipe, assim como você, é uma mãe solteira. Como foi revisitar o passado?
Fui mãe solo até o Davi ter cinco anos. Depois eu conheci o Gareth, que é meu parceiro e hoje pai do Davi. Antes do meu atual marido aparecer, eu tentei de toda forma não cair em um lugar de dor. Eu queria muito ser mãe, então cerquei meu filho de todo amor possível. Não quis que ele conhecesse o pai biológico, porque era uma mulher independente e consegui criá-lo do meu jeito. Porém sei da importância de um pai na criação de uma criança. Não podemos normalizar o abandono parental.
A 'Gaby Amarantos' surgiu logo que você teve o David, certo?
Engravidei com 29, tive o Davi com 30 anos. Logo depois que eu tive o Davi, fui fazer um show em Recife, era 2010, a minha primeira apresentação pós-maternidade. Eu me assustei quando subi no palco e tinha uma multidão para me assistir, o público gritou meu nome, me chamou de diva, fiquei surpresa. Um produtor da Globo viu a apresentação, soube que meu apelido era 'Beyoncé do Pará' e me convidou a participar de um programa da casa. Foi nessa época que as portas começaram a se abrir. Fiquei em dúvida: será que eu vou deixar essa criança, ser uma mãe ausente, para investir na carreira? Sempre criei o Davi sem culpa, falando que era para ele entender a situação, que eu precisava estar ausente para dar um futuro para a gente.
Sim, a sociedade culpabiliza a mulher quando ela decide focar na carreira em detrimento da maternidade...
A mulher na periferia não tem tempo para lidar com essa culpa. Se ela não sair para trabalhar, ela vai passar fome. Eu fui criada assim. Minha mãe saía para trabalhar, eu ficava em casa. Elas não têm dinheiro para pagar babá, nem sempre tem creche boa por perto.
No clipe, eu e David tivemos a chance de revisitar um sentimento que talvez só agora com 12 anos ele entende. Teve uma hora que ele virou para mim e disse: 'Obrigada pelo que você fez por mim'
Você é mãe de um garoto. O que você faz para que ele seja um homem antimachista?
Eu boto ele para lavar louça, as roupas, as cuecas, para fazer todas as tarefas domésticas. Minha irmã tem duas filhas, então, o Davi foi criado junto com duas meninas negras. Acredito que estamos no caminho certo porque quando ele soube que atuaria com a Liniker no clipe, ficou feliz de connhecer uma atriz LGBTQIA+.
E por falar em Liniker. Ela é um dos grandes nomes da atualidade, principalmente no cenário LGBTQIA+. O que você faz para não transformar a diversidade nem em lacre nem em lucro?
Sendo o mais natural possível, sou uma mulher preta, da periferia. Eu convivo com isso que chamam de 'pauta social' há muito tempo... Estou inserida nesse meio. Quando eu falo sobre pautas feministas, por exemplo, sempre tento trazer interseccionalidade para o debate, com o cotidiano — e as dores —, que são diferentes dos das brancas. Como uma mulher negra e do Norte, agora quero trazer as questões da mulher ribeirinha para o debate público. Quero que elas entrem também nesse vocabulário de luta.
Você tem críticas ao feminismo atual?
Acho que estamos evoluindo bastante. Cada dia mais o movimento tem entendido a importância do feminismo negro e do movimento LGBTQIA+; sinto que estamos evoluindo juntas. Acho que é o momento de edificar ao invés de criticar.
Não quero ser mais uma critica do feminismo, quero somar ao debate; minha missão é trazer questões da mulher do Norte do Brasil, da mulher ribeirinha, a que vive longe do Sudeste
Além de usar sua arte, como você acredita que pode levantar essa questão?
Dando voz para ela. Isso não é só uma questão do feminismo, mas da sociedade em geral. A sociedade é muito 'sudestecêntrica'. Tanto é que recentemente o canal de comédia 'Porta dos Fundos' fez aquela critica aos 'sudestinos'. Estamos começando a questionar esses privilégios. Eu ocupar uma cadeira no 'The Voice Kids', no 'Saia Justa', na indústria da música, etc, já é algo revolucionário. Eu ter sido convidada para atuar na novela também. É importante trazer representatividade para o casting.
Como lida com as críticas, principalmente relacionadas à aparência e aos seus 'looks'. Isso ainda te incomoda?
Não dou muitos ouvidos. Estou desde 2010 na mídia, parte do público já entendeu quem eu sou. Esse tipo de crítica está também muito associada ao preconceito: quando é uma artista de fora usando um look extravagante: 'Ai, incrível', quando é uma brasileira: 'Nossa, que brega'. Quero ser reconhecido mais como fera do que bela. O padrão é o grande problema de tudo, e o nosso padrão de beleza é muito distorcido. Amo meu jeito de ser.
Esses 'fiscais de aparência' continuam fazendo críticas ao seu corpo?
Sofro, sim, até hoje com críticas ao meu corpo, mas passei a dar mais foco e atenção para as pessoas que se identificam comigo. Recebo e leio vários comentários de mulheres falando que está sendo libertadas de padrão, que passaram a achar cabelo crespo bonito. Fico feliz, é esse futuro que espero: mais livre e inclusivo.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.