'O que importa não é roupa, são os direitos das muçulmanas', diz professora
Desde que o Talibã tomou o governo do Afeganistão, na última segunda-feira (16), um dos temas que mais preocupa são os direitos das mulheres — quando o grupo ocupou o país pela última vez, há mais de duas décadas, elas eram proibidas de ir à escola ou trabalhar, e só podiam sair às ruas acompanhadas de um homem, por exemplo.
As ameaças aos direitos das mulheres no Afeganistão com o retorno do Talibã foi tema do UOL Debate desta sexta-feira (20), que reuniu a antropóloga Francirosy Campos Barbosa, a Senior Fellow no Centro Brasileiro de Relações Internacionais Fernanda Magnotta e a diretora da ONG Human Rights Watch no Brasil Maria Laura Canineu.
As três alertaram para a "situação devastadora" que assola o país, mas reforçaram que é preciso ter cuidado para não reforçar estereótipos ou produzir desconhecimento ao discutir os direitos das mulheres muçulmanas, especialmente ao se referir às suas vestimentas e práticas religiosas.
"A situação é devastadora. Não existe nenhuma indicação de que as coisas fiquem bem a curto prazo", alertou Maria Laura Canineu. "Não estamos lidando com um governo democrático, mas com um grupo extremista que faz a interpretação mais restritiva da lei para reprimir direitos fundamentais das pessoas, especialmente de mulheres e meninas."
Não por acaso, ela estima que 80% das pessoas que estão tentando refúgio desde maio, quando o Talibã já estava avançando nos territórios, são mulheres, meninas e crianças.
"O que importa não é a roupa, são os direitos"
A antropóloga Francirosy Campos Barbosa, que é uma mulher muçulmana, disse que a religião islâmica prevê a garantia de uma série de direitos à mulher, como a escolha do marido, o divórcio, o acesso à educação, ao prazer sexual e ao voto.
"As mulheres islâmicas podem participar da vida pública desde o século 7. A gente tem uma visão que o islã é machista, patriarcal, mas não é a religião [que age assim], são as interpretações dela. É isso que leva extremistas a dizer que a mulher não pode ir à escola, por exemplo. Não existe no Islã uma afirmação que proíba a mulher de estudar", afirma.
"O que importa não é a roupa, se a mulher está de burca, hijab ou sem roupa, o que importa são os direitos, que devem ser respeitados".
Francirosy, que também é professora, explica que não é o lenço ou a forma que ele é usado o que define a religiosidade da mulher muçulmana: "Uma mulher muçulmana sem lenço pode ser mais religiosa que eu, que uso o lenço".
"Tem muitas mulheres no Brasil que adorariam estar de hijab como eu, mas precisam trabalhar, sustentar suas famílias, e não usam hijab porque, com ele, não conseguem emprego. Eu sou funcionária pública, então posso expressar quem eu sou, mas muitas muçulmanas não podem. Na França, por exemplo, possa me expressar quem eu sou. Mas muitas das mulheres muçulmanas não podem. Na França, por exemplo, os balneários estão proibindo o uso do burkini, que é a nossa vestimenta de ir à praia".
Francirosy reforça que nós, enquanto mulheres ocidentais, precisamos tomar cuidado ao opinar e discutir os direitos das mulheres muçulmanas: "A ideia do feminismo branco ocidental que dita como as mulheres muçulmanas têm que ser deveria ter caído. As mulheres afegãs estão organizadas, têm movimentos, estão na rua, e quero crer que esse movimento, que parte delas, sobreviva".
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