'Tumor no joelho me levou a fumar maconha e virei influenciadora canábica'
Algumas pessoas acham que o apelido mãeconheira, que uso na minha conta no Instagram, vem de ser mãe de plantas, mas eu tenho um filho e uma filha, e um gato também. E quando eu me mudei para a França, cinco anos atrás, foi a primeira vez que eu estive 100% do meu tempo com meus filhos.
Tenho 46 anos, nasci na Baixada Fluminense e morava na Zona Norte, nos mudamos porque já estava vendo a degradação do Rio de Janeiro e do Brasil. Foi um pouco antes do impeachment da Dilma e dava para pressentir um clima esquisito. Hoje, o bairro em que eu nasci tem milícia, minha irmã conta que acessos foram fechados e tem um esquema pra entrar e sair, coisa que não existia antes.
Meus filhos adolescentes passaram por situações de tensão indo e vindo da escola na zona sul, ou o ônibus escolar ficava retido por uma enchente ou por um tiroteio. Então, como eles são franco-brasileiros, aproveitamos essa possibilidade de vir à França.
No Brasil, eu tinha um negócio com minha irmã, ia todos os dias na empresa e tinha alguém que cuidava dos meus filhos em casa. Quando cheguei na França, continuei fazendo a parte administrativa e de redes sociais remotamente, estava o tempo todo em casa. É um outro tipo de maternidade, pela primeira vez eu estava sozinha sem a rede que de ajuda emocional, mãe, irmã, amigos. Foi a primeira vez que me senti mãe no sentido pesado da palavra.
Quando eu contei pros meus filhos que ia passar a plantar maconha e fazer um perfil no Instagram, eles só me pediram para que eu mantivesse sigilo, eu nunca tinha considerado mostrar meu rosto, então foi ok. O meu filho é o mais velho, tem 16 anos e é bem legalista, caretão, ficou preocupado. Na verdade, eles não levavam a sério, fizeram uma aposta que eu teria no máximo quarenta seguidores. Quando eu fiz 100, esfreguei na cara deles. Agora estou próxima de fazer 100 mil seguidores.
Eu comecei a fumar maconha aos 31 porque tenho sinovite vilonodular pigmentada, que acomete o meu joelho. A doença chegou num estágio em que o ortopedista me encaminhou para fazer radioterapia —o próximo passo seria colocar uma prótese. São tumores benignos que nascem em várias regiões do corpo, no meu caso, no joelho direito. Fiz várias cirurgias e tinha uma qualidade de vida muito ruim, nas duas vezes que eu fiquei grávida foi super difícil pois eu ganhei peso e meu joelho estragava ainda mais. No meu primeiro parto, saí da maternidade para a emergência ortopédica. Voltei pra casa com um bebê e um joelho imobilizado.
Até que um dia, um médico me falou que nos EUA as pessoas tratavam câncer com maconha, e aí eu pensei: "Bom, por que não tentar?" Foi uma conversa muito rápida, de porta de saída do consultório.
Meus amigos próximos não eram maconheiros, eu vim de uma família da Baixada Fluminense, parte dela evangélica. Meu pai era policial militar, sempre muito rigoroso com a questão das drogas.
Eu via realmente como um negócio das pessoas que a gente queria ficar longe, minha mãe dizia: "Não anda com fulano, fulano tá fumando maconha". Esse discurso da maconha como porta de entrada para outras drogas estava introjetado em mim, e a questão da violência, porque quando minha mãe dizia: "Não anda com eles", ela considerava os riscos, a gente sabe o que acontece com esses meninos quando a polícia chega.
Então para mim maconha era coisa dessas pessoas, traficantes, ou o "pessoal da zona sul", que a gente sabe que parecem ter uma legitimidade para fumar, eles sabem que nunca vai dar problema.
Com maconha, me livrei de 8 medicamentos
Por meio de um amigo de amigos, da zona sul, consegui um pouco de maconha. Não tinha nenhuma expertise e procurei um tutorial na internet para apertar o baseado. Minha primeira experiência foi bem libertadora: estava sozinha, meu filho estava viajando com o pai, e só o fato de descobrir que eu podia ficar sem dor, sem tomar nenhum analgésico ou corticoide, foi revolucionário.
Meu joelho estava sempre inchado, o dobro do tamanho do outro, e agora os dois são iguais. Era muito complexada, não usava roupa curta, mancava, usava muleta. Fui usuária de antidepressivo e todos os medicamentos que vão junto. Porque você usa um antidepressivo e um regulador de humor, aí atrapalha o seu sono e você usa uma coisa pra dormir. Cheguei a tomar oito medicamentos, e com o uso da maconha eu me livrei de todos. Para mim, é uma planta muito importante na minha vida.
Quando eu cheguei na França eu não tinha fornecedor, pensei que era minha oportunidade de começar a cultivar. Entrei em grupos de Facebook, Growroom e outros, e troquei informação. Num desses grupos conheci um cara que virou meu consultor. Ao mesmo tempo que eu aprendia com ele, eu fazia minhas experiências e ia compartilhando os resultados no Instagram.
Quero realmente fazer uma coisa rica e bonita, pois o que eu vejo nesse mundo da cannabis é muito repetitivo, muito elitizado, usam termos em inglês, uma linguagem excludente. Meu público no Instagram é tão misto que você não faz ideia, tem uma galera de comunidade, que me segue que não entende nada de planta e me faz umas perguntas numa inocência... Mas eles têm coragem de fazer as perguntas a mim.
As pessoas se surpreendem: "Nossa, mas é uma mulher negra", então eu aprendi esse meu lugar político: uma mãe, uma mulher negra que está plantando maconha num contexto ilegal, tentando mostrar que isso pode ser diferente.
Fui a primeira pessoa da minha família a fazer faculdade. Fiz sociologia, tive uma carreira acadêmica, comecei um doutorado e dei aula durante um ano em faculdade. Pedi demissão porque não era o que eu queria. O meu contexto de ser acadêmica negra era outro, eu não sou da geração da garotada que entrou no governo Lula, teve acesso a bolsas etc. Quando eu entrei, eu era sempre a única pessoa negra, e isso é muito cansativo, principalmente quando você é jovem.
Quando eu passei para a faculdade, meu pai foi na casa da minha mãe, fardado, no carro da polícia, que não era algo que ele fazia. E fez da maneira dele uma espécie de curso, tipo o que fazem para crianças não usarem drogas.
Ele acreditava que o que atraia as pessoas para as drogas era a curiosidade, "eu nunca vi maconha então vou lá ver" e aí você acaba sendo fisgado. Ele disse: "É melhor você ver em casa do que você ver na rua".
Eu estava indo fazer ciências sociais, então imagina que um pouco ele acertou. Porque dentro do que meu pai chamava de puta e maconheiro, realmente era um pouco isso mesmo.
Quando eu fumei pela primeira vez meu filho já era nascido, tinha um ano, ele sempre me via fumar à noite e tal. Eu dizia: "Mamãe fuma planta", e ponto final. Até que quando eles tinham 6 e 9 anos, começaram a frequentar a casa de colegas da escola da zona sul, e eu com meu preconceito com a zona sul porque eu cresci ouvindo que lá só tinha maconheiro.
Foi quando eu disse para os meus filhos que eu fumava maconha, e que é uma coisa que tinha que ficar entre a gente, um assunto da nossa família, porque era ilegal. Foi uma conversa muito simples, de dois minutos.
Só depois de muitos anos voltando nesse assunto com meu filho que ele contou que já sabia o que era maconha, que entre os colegas eles faziam piadas contra maconheiros, piadas com estereótipos de gente lerda e que, para ele, era um pouco desconcertante porque ele nunca viu em mim nenhum desses comportamentos.
Da planta, deriva muitas outras problemáticas
Alguns jovens me escrevem para perguntar: "Quero plantar em casa como contar para minha mãe?" E eu digo a verdade, que é complicado porque você compartilha um espaço que também é a casa do outro, e é difícil para uma mãe responder: "Ok, pode plantar maconha", sobretudo nesse contexto de violência e repressão que é o Brasil.
São muitas mães chorando seus filhos mortos, mulheres chorando seus maridos, como minha mãe que perdeu meu pai justamente assim, de troca de tiro com traficantes. É algo que eu conheço, o da violência e da repressão dos dois lados, do lado de quem vive numa área onde tem incursão da polícia e, do outro, de alguém que por n razões, aceitou ser policial militar e fazer esse trabalho de repressão, mesmo sendo um homem negro. Como é que isso acontece?
Por isso que na internet eu tenho um discurso talvez um pouco provocativo, mesmo que eu tente trazer esse olhar botânico, eu não quero que as pessoas esqueçam que deriva desta planta muitas outras problemáticas. Quando você é um homem branco você pode expressar o seu uso de maconha de uma maneira que outros corpos não podem.
Hoje em dia eu fumo só um baseado por dia, que me deixa muito melhor do que quando eu tomava Rivotril. Às vezes, eu quero fumar mais e aviso aos meus filhos, aí eles se divertem e aproveitam para me zoar.
Eu confio nos meus filhos, e sei que se eles quiserem fumar maconha, em algum momento, eles vão me dizer antes
Se meus filhos tiverem uma exigência, cólica, enxaqueca, que eu puder tratar de maneira fitoterápica, não vou ser negligente. Agora se por acaso eles me disserem: "Ah, eu vou sair com meus amigos e quero fumar maconha", eu vou desaconselhar. Está cedo, porque há pesquisas científicas que dizem que não é bom fumar nessa idade, a gente se baseia na ciência e tem que confiar na ciência. E como eu comecei com 31 anos isso me dá uma legitimidade.
Agora, se você me perguntar se com as informações que eu tenho hoje, se eu fumaria com 31 anos, eu diria que não, não fumaria. Eu usaria maconha mas não fumaria, porque adquiri um vício de fumar que não tinha antes, e fumar faz mal. E mesmo que faça óleo, mesmo que faça manteiga, gosto de fumar, isso infelizmente gostaria de rever. Infelizmente, já peguei esse mau hábito.
*O nome foi trocado a pedido da entrevistada
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