'Sou a primeira mulher negra e nortista a assumir a presidência da UNE'
"Nasci no Amazonas e morei durante boa parte da minha vida no bairro Petrópolis, na periferia de Manaus. Graças a minha mãe, dona Dyla, que é comerciante e trabalha na taberna da família, entendi ainda na infância que a educação era o único caminho possível. Lembro de andar muito para chegar à escola, mas ela nunca permitiu que faltasse às aulas. Somos em seis irmãs e fui a quinta a nascer. Mesmo nos dias chuvosos, a gente colocava um saco no pé, pegava o guarda-chuva e ia. Com incentivo da minha mãe e da minha avó, Estelita, minha grandes referências, me tornei a primeira pessoa da minha família a entrar na universidade.
No ensino médio, passei a me envolver com o movimento estudantil, durante as manifestações em Manaus contra o aumento das tarifas de transporte público em 2011. Naquele momento, conheci a UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) e isso foi um divisor de águas em minha vida.
Até então, eu não acreditava na continuidade dos meus estudos numa universidade. Não por não querer, mas porque sabia que as condições de acesso eram desiguais. Por exemplo, pensava em amigas e amigos meus que tinham condições de fazer um cursinho pré-vestibular e eu não. Achava, assim, que eu iria terminar o ensino médio e pronto.
Após conhecer o movimento estudantil entrar na universidade se tornou um pensamento e objetivo recorrentes. Entendi ali que as políticas públicas tinham que ser uma defesa constante, para que os estudantes acessem e permaneçam no ensino superior. Mais ainda: que esse pode ser um aliado para o desenvolvimento do país.
Fiz o vestibular, passei e comecei a cursar Pedagogia na Universidade do Estado do Amazonas. Ao entrar no ensino superior, me dei conta, com muita dor, que os amigos que perdi na escola para a violência e a criminalidade poderiam ter tido outra história por meio da educação. Desde então, passei a lutar por direitos nesse sentido.
"Abracei a causa da educação e não parei mais"
Após o envolvimento com as manifestações de 2011, me filiei à União da Juventude Socialista (UJS), fui diretora do Diretório Central dos Estudantes na universidade em Manaus e, entre 2015 e 2017, atuei também como presidente da União Estadual dos Estudantes do Amazonas, a UEE-AM.
Esse foi um período bem importante, onde nos mobilizamos contra a PEC do teto de gastos, contra a redução da maioridade penal e em defesa da Zona Franca de Manaus, que hoje tem papel preponderante devido ao ICM recolhido e que é revertido para investimento na Universidade do Estado do Amazonas.
Graças a essas experiências, passei a contribuir também com a União Nacional dos Estudantes (UNE) e, em 2019, me mudei para São Paulo. Com a mudança de cidade, troquei também o curso. Hoje, estou no 3° semestre de Direito, na Fadisp - Faculdade Autônoma de Direito, em São Paulo. Tenho um respeito e carinho enorme pela Pedagogia, mas percebi que atuar na área jurídica é o que eu quero para o futuro.
Na UNE, atuei inicialmente como diretora de relações institucionais, cuidando dos interesses dos estudantes junto ao Congresso Nacional e ao governo federal. Pressionava pela pauta da educação, debatia com lideranças políticas e participava de comissões em Brasília. Depois, em 2019, assumi o cargo de tesoureira até ser eleita em julho deste ano a presidente da entidade para uma gestão de um ano, prorrogável por mais um.
"Quero amplificar vozes deixadas de lado historicamente"
Sou a primeira mulher negra e nortista a assumir a presidência da UNE e enxergo nisso uma oportunidade para trazer as questões do povo do Norte do Brasil, dos negros e negras e das mulheres. Acredito na potência e na importância dessas bandeiras.
As negras e negros, pobres e indígenas são quem mais sofrem com a insegurança alimentar, o desemprego e a falta de acesso à cultura e educação.
Para mim, a importância de estar na presidência da UNE, com todas essas características, é falar desses problemas, até agora sem nenhuma solução. Faço questão de denunciar o que está acontecendo com os nossos.
Tenho respeito àqueles e àquelas que pavimentaram o caminho para a chegada até esse momento. E, a despeito de um Brasil ainda racista, eu sei que nossa luta também será pelo nosso direito de viver. Para que, dessa forma, possamos lutar pelo direito de estudar.
Pessoalmente, essa é também uma conquista muito grande. Estar à frente de um dos principais movimentos sociais do país não passaria pela cabeça da menina amazonense de 16 anos que entrou no movimento estudantil para manifestar contra o aumento da tarifa.
Iniciei a gestão diante do grande desafio da pandemia, da crise social que atravessamos por conta da negligência do governo Bolsonaro e em meio à omissão do Ministério da Educação com projetos da área e suas tentativas de limitar o acesso à universidade. Será uma luta imensa e que não vai ter nem um dia sequer de sossego.
"Educação precisa voltar a ser um pilar para o crescimento do Brasil"
Nós, estudantes, estamos alertas e na linha de frente do combate a todo retrocesso imposto por esse governo. Estamos na agenda de cobrança ao Ministro da Educação sobre a falta de recursos para as universidades e também contra a evasão estudantil no ensino superior.
É desesperador ver tanta gente abrindo mão do seu sonho de entrar e se formar na universidade porque hoje existe uma negligência cruel desse governo com os estudantes. Isso entristece e revolta. Não existe desenvolvimento do país sem educação e de qualidade. É a partir dela que conseguiremos diminuir a desigualdade social.
Seguiremos atuando também na mobilização pelo impeachment do presidente e pela renovação da Lei de Cotas (Lei n° 12.711) no próximo ano, a fim de garantir o nosso direito de entrar no ensino superior. Não dá para aceitar a volta da elitização da universidade. Além disso, a questão ambiental e a defesa da Amazônia também farão parte de nossas lutas. Não abaixaremos a cabeça". *Bruna Brelaz tem 26 anos, nasceu no Amazonas e vive atualmente em São Paulo.
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