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'Pensava que cinema era coisa de Hollywood e hoje sou cineasta na Bahia'

A cineasta baiana Vilma Martins  - aquivo pessoal
A cineasta baiana Vilma Martins Imagem: aquivo pessoal

Vilma Martins em depoimento a Fernando Barros

Colaboração para Universa

27/08/2021 04h00

"Nasci em Ilhéus, no sul da Bahia, e moro atualmente em Salvador. Quando criança, eu era amava desenhos, livros e filmes. Muitos diziam que eu era "estranha", porque vivia no mundo da fantasia. Eu adorava histórias, brincava de fazer personagens e ser outras pessoas.

Por conta disso, imaginava que eu seria escritora de literatura. Meu sonho era viver escrevendo contos e romances, mas à medida em que fui crescendo percebi que não é tão simples e fácil atuar como escritora profissionalmente.

Na época do vestibular, considerei cursos onde eu podia usar esse meu gosto pela escrita. Fiquei entre jornalismo e cinema, mas optei pela área jornalística, que me parecia mais viável e acessível. "Cinema é algo para gente rica, coisa de Hollywood e Globo", pensava.

Vilma Martins tem 28 anos, é cineasta e mora em Salvador-BA. - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Vilma Martins tem 28 anos, é cineasta e mora em Salvador-BA.
Imagem: arquivo pessoal

Comecei o curso de jornalismo na Universidade Federal da Bahia, mas logo vi que alguma coisa não se encaixava. Por mais que eu gostasse, eu não me sentia completa. Durante a graduação, peguei algumas disciplinas ligadas à arte audiovisual e se tornou claro para mim que fazer cinema era o que eu realmente queria.

Em 2017, logo após me formar em jornalismo, decidi correr atrás da minha verdadeira paixão e comecei a buscar cursos práticos relacionados à área audiovisual. Coincidentemente, na mesma época, a universidade abriu inscrições para um curso livre de cinema. Decidi me jogar de corpo e alma e foi uma verdadeira epifania.

Dentro desse curso, me encontrei tanto profissional quanto existencialmente. Comecei a entender quem eu era e conheci pessoas incríveis como os meus atuais sócios: Djalma e Heraldo. Éramos três pessoas negras e tínhamos em comum o sonho de trabalhar com cinema.

Passamos a atuar juntos, colaborar uns com os outros, nos incentivar mutuamente e decidimos criar um coletivo independente para contar histórias que nos representassem, baseadas em nossas vivências e de outras pessoas como nós. Assim, nasceu o coletivo de cinema negro "Sujeito Filmes".

De lá para cá, foram 4 anos e, nesse período, fiz mestrado em comunicação na linha de análise fílmica e passei por mais algumas formações práticas na área de cinema, buscando aprender cada vez mais. Fiz especializações em roteiro, produção executiva e viajei para Cuba para fazer um curso de cinema autorreferencial, que foi uma grande experiência de vida.

Meu maior orgulho é ver o curta-metragem que assino como roteirista em festivais nacionais e internacionais

Junto com o coletivo, comecei a fazer meus primeiros trabalhos na área. Fiz a produção de alguns curtas como "Sujeito objeto", "A mulher no fim do mundo", "Facão" e assinei o meu primeiro curta como roteirista, o "5 Fitas". Esse filme tem sido a realização de um sonho, pois me abriu muitas portas e me enche de alegrias.

Com a obra, estamos circulando por vários lugares e recebendo muitos retornos positivos, tanto dos espectadores quanto de especialistas em cinema. Fomos exibidos no Los Angeles Brazilian Film Festival 2020, passamos pelo Toronto Black Film Festival 2021, pela 24ª Mostra de cinema de Tiradentes, I Festival Cinema Negro em Ação, Mostra Itinerante de Cinemas Negros - Mahomed Bamba - 2021, Petit Pavé - Festival de Cinema Independente de Curitiba e NollywoodWeek Paris.

Vilma Martins segura prêmio recebido ao lado de um dos sócios, Heraldo - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Vilma Martins segura prêmio recebido ao lado de um dos sócios, Heraldo
Imagem: arquivo pessoal

No primeiro semestre deste ano, com esse filme, fomos premiados também no Festival Fade to Black. O evento foi idealizado para descobrir, divulgar e premiar narrativas audiovisuais criadas por pessoas negras. Para nosso coletivo, foi uma grande alegria participar desse festival e ver nosso curta ganhar como melhor roteiro, direção de arte e melhor filme na categoria júri popular.

Foi um reconhecimento não só para nós, mas também para o cinema negro baiano como um todo, pois outras obras daqui foram premiadas. Torço muito pela continuidade do festival e por outras iniciativas como essa, que valorizam narrativas negras e dão espaço para produções fora do sudeste.

Para completar, em junho, nosso filme "5 Fitas" também estreou no streaming, passando a fazer parte do catálogo da Wolo TV. Atualmente, os streamings fazem sucesso, mas não são todas as produções que conseguem ser exibidas. A Wolo TV busca exatamente ampliar esse acesso e divulgar obras majoritariamente de pessoas negras. Isso é ótimo porque nos permite rodar não somente em festivais, mas chegar também a públicos maiores.

Estou trabalhando no meu primeiro longa e quero contar ainda muitas histórias

Em 2018, cheia de medos e inseguranças, comecei a escrever o roteiro do meu primeiro longa-metragem, mas, como sentia que ainda tinha pouca experiência, acabei voltando minha atenção para outros trabalhos e deixei esse projeto de lado.

No ano passado, decidi que era hora de retomá-lo. Na época, foi lançado aqui no estado um edital de cultura baseado na Lei Aldir Blanc, regulamentada durante a pandemia para apoiar o setor cultural. Inscrevi o projeto do meu longa, chamado "Star Video", e fui selecionada.

Agora, estamos na fase de captação de recursos e co-produção para realizar esse filme. Mas a situação da cultura no Brasil não vai bem. O nosso setor ficou estagnado na pandemia e o descaso com a área já vem de muito tempo, mesmo a gente gerando empregos, arte e entretenimento para a população.

Quero muito poder levar esse longa até o fim. Ele faz parte das experiências maravilhosas que venho tendo nos últimos anos como cineasta. Agora, acabei de ser aprovada para o mestrado em curadoria de cinema na "Elias Querejeta Zine Eskola", que coordena o festival de San Sebastian, na Espanha. Vou passar um ano lá para estudar e fazer esse curso.

Consegui realizar bastante coisa desde que abracei definitivamente o cinema e, daqui para frente, espero poder continuar contando muitas histórias, realizando projetos com meus pares, levando meus filmes ao público e, principalmente, espero que o nosso país valorize mais a área cultural." Vilma Martins tem 28 anos, é cineasta e mora em Salvador (BA)