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Atlas da Violência 2021: 66% das mulheres assassinadas no Brasil são negras

Segundo o Atlas da Violência, para cada mulher não negra morta, morrem 1,7 negras assassinadas - Getty Images
Segundo o Atlas da Violência, para cada mulher não negra morta, morrem 1,7 negras assassinadas Imagem: Getty Images

De Universa

31/08/2021 10h15

As mulheres negras são as maiores vítimas de violência no Brasil: em 11 anos, o homicídio dessa população aumentou 2%, enquanto o assassinato de mulheres não negras caiu 27% no mesmo período. Os dados são do Atlas da Violência, produzido pelo Ipea e pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) publicado nesta terça-feira (31).

O relatório aponta ainda que, em 2019, 33,3% do total de mortes violentas de mulheres registradas ocorreram dentro de casa, e que nos últimos 12 anos, enquanto os homicídios de mulheres nas residências cresceram 10,6%, os assassinatos fora das residências apresentaram redução de 20,6% no mesmo período, indicando um provável crescimento da violência doméstica.

Em movimento parecido com o que ocorreu no lançamento da edição do ano passado, os pesquisadores chamam ainda atenção para a escassez de números sobre a população LGBTQIA+ no país.

Cautela com redução nos números de homicídio de mulheres

Segundo o relatório, mais de três mil mulheres (3.737) foram assassinadas no Brasil em 2019. Este número inclui circunstâncias em que as mulheres morreram por causa de sua condição de gênero, ou seja, em situação de violência doméstica ou familiar ou quando há menosprezo ou discriminação à condição de mulher, como em casos de violência urbana, como roubos seguidos de morte e outros conflitos.

Numa comparação com o ano anterior, 2018, houve redução de 17,3% nos números absolutos: naquele ano foram 4.519 homicídios femininos.

Mas essa diminuição deve ser vista com cautela, alertam os pesquisadores, uma vez que houve crescimento expressivo dos registros de MVCI (Mortes Violentas por Causa Indeterminada), que tiveram alta de 35,2% de 2018 para 2019, um total de 16.648 casos no último ano.

Especificamente para o caso de homicídios femininos, enquanto o SIM/Datasus indica que 3.737 mulheres foram assassinadas no país em 2019, outras 3.756 foram mortas de forma violenta no mesmo ano, mas sem indicação da causa —se foi homicídio, acidente ou suicídio—, um aumento de 21,6% em relação a 2018 .

Os pesquisadores apontam que os 3.737 casos registrados em 2019 equivalem a uma taxa de 3,5 vítimas para cada 100 mil habitantes do sexo feminino no Brasil. A taxa representa uma redução de 17,9% em relação a 2018, quando foram registrados 4,3 vítimas para cada 100 mil mulheres.

Para cada não negra morta, morrem 1,7 negras

Do total de mulheres assassinadas no Brasil em 2019, 66% eram negras. Em termos relativos, enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras foi de 2,5, a mesma taxa para as mulheres negras foi de 4,1. Isso quer dizer que o risco relativo de uma mulher negra ser vítima de homicídio é 1,7 vezes maior do que o de uma mulher não negra. Em resumo, para cada mulher não negra morta, morrem 1,7 mulheres negras.

Essa tendência vem sendo verificada há vários anos, mas o que a análise dos últimos 11 anos indica é que a redução da violência letal não se traduziu na redução da desigualdade racial.

Em 2009, a taxa de mortalidade entre mulheres negras era de 4,9 por 100 mil, enquanto entre não negras a taxa era de 3,3 por 100 mil. Pouco mais de uma década depois, em 2019, a taxa de mortalidade de mulheres negras caiu para 4,1 por 100 mil, redução de 15,7%, e entre não negras para 2,5 por 100 mil, redução de 24,5%.

Se considerarmos a diferença entre as duas taxas verificamos que, em 2009, a taxa de mortalidade de mulheres negras era 48,5% superior à de mulheres não negras, e 11 anos depois a taxa de mortalidade de mulheres negras é 65,8% superior à de não negras.

Os números absolutos revelam ainda maior desigualdade entre raça e sexo na mortalidade feminina. Entre 2009 e 2019, o total de mulheres negras vítimas de homicídios apresentou aumento de 2%, passando de 2.419 vítimas em 2009, para 2.468 em 2019. Enquanto isso, o número de mulheres não negras assassinadas caiu 26,9% no mesmo período, passando de 1.636 mulheres mortas em 2009 para 1.196 em 2019.

Provável crescimento da violência doméstica

Em 2019, 1.246 mulheres foram mortas dentro de casa, o que representa 33,3% do total de mortes violentas de mulheres registradas. Este percentual é próximo da proporção de feminicídios em relação ao total de homicídios femininos registrados pelas Polícias Civis no mesmo ano.

Segundo o "Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020", 35,5% das mulheres que sofreram homicídios dolosos em 2019 foram vítimas de feminicídios. No entanto, o mesmo Anuário aponta que, entre 2018 e 2019, a taxa de feminicídios por 100 mil mulheres cresceu 7,1%; enquanto este Atlas indica que a taxa de homicídios femininos dentro das residências diminuiu 10,2% no mesmo período.

Esta divergência contribui para corroborar a hipótese da subnotificação dos homicídios registrados pelo sistema de saúde em 2019 relacionado ao incremento das MVCI.

A análise dos últimos 12 anos indica que, enquanto os homicídios de mulheres nas residências cresceram 10,6% entre 2009 e 2019, os assassinatos fora das residências apresentaram redução de 20,6% no mesmo período, indicando um provável crescimento da violência doméstica.

A pesquisa aponta ainda que as armas de fogo são o principal instrumento utilizado em homicídios de mulheres fora das casas: 54,2% dos registros. Já nos casos dentro das residências, essa proporção foi consideravelmente menor, de 37,5%. Isto porque, segundo os pesquisadores, é comum que armas brancas e outros tipos de armas sejam mais utilizadas em crimes cometidos no contexto de violência familiar e doméstica.

Diante desses dados, os pesquisadores atentam:

"Causam preocupação as mudanças recentes na legislação de controle de armas, como os mais de 30 decretos e atos normativos presidenciais publicados desde janeiro de 2019. Com diretrizes que visam flexibilizar as regras para a posse de armas, a ampliação do limite de compras de arma para cidadãos e categorias profissionais, o aumento da quantidade de recargas de cartucho de calibre restrito, a possibilidade de produção de munição caseira, dentre outras mudanças, o número de licenças e de armas de fogo vem crescendo significativamente (FBSP, 2020), o que pode agravar o cenário de violência doméstica posto que pode disponibilizar instrumentos ainda mais letais a agressores."

Como denunciar violência doméstica

Em flagrantes de violência doméstica, ou seja, quando alguém está presenciando esse tipo de agressão, a Polícia Militar deve ser acionada pelo telefone 190.

O Ligue 180 é o canal criado para mulheres que estão passando por situações de violência. A Central de Atendimento à Mulher funciona em todo o país e também no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita. O Ligue 180 recebe denúncias, dá orientação de especialistas e encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. Também é possível acionar esse serviço pelo Whatsapp. Neste caso, o telefone é (61) 99656-5008.

Os crimes de violência doméstica podem ser registrados em qualquer delegacia, caso não haja uma Delegacia da Mulher próxima à vítima. Em casos de risco à vida da mulher ou de seus familiares, uma medida protetiva pode ser solicitada pelo delegado de polícia, no momento do registro de ocorrência, ou diretamente à Justiça pela vítima ou sua advogada.

A vítima também pode buscar apoio nos núcleos de Atendimento à Mulher nas Defensorias Públicas, Centros de Referência em Assistência Social, Centros de Referência de Assistência em Saúde ou nas Casas da Mulher Brasileira. A unidade mais próxima da vítima pode ser localizada no site do governo de cada estado.