Como caso Murilo Becker, violência contra mãe pode afetar crianças; entenda
Em entrevista publicada ontem, em Universa, a influenciadora digital Patricia Pontes, de 37 anos, relatou episódios de violência doméstica que sofreu recentemente do ex-marido, Murilo Becker, jogador de basquete — entre outras agressões, ela levou dois socos no rosto e chutes pelo corpo.
Patricia conta que sentiu vergonha de apanhar na frente dos filhos, quadrigêmeos de 7 anos: "Eu morria de vergonha de pensarem que a mãe perfeita na internet, aquela que dá conta de tudo, cuida dos filhos sozinha, que é mãe solo e que abdicou de tudo apanhava. E apanhava na frente dos filhos".
Como ela, a maioria das vítimas de violência doméstica no Brasil são mães. Dados do último Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelam que, em 2020, 65% das mulheres que denunciaram agressões físicas ou ameaças têm filhos.
Em 83,8% dos casos, as crianças presenciam as agressões ou são agredidas junto com a mãe, de acordo com o Balanço Anual do Ligue 180, de 2016.
Mas, afinal, a violência contra as mães afeta as crianças pequenas? Para a psicóloga Manoela Lainetti, que atua com crianças e adolescentes vítimas de violência, a resposta é sim.
"O fato de a criança não ser a vítima direta da violência não significa que ela não será impactada. Por menor que ela seja, o ambiente que a cerca afeta seu desenvolvimento, o mesmo em relação às emoções das pessoas próximas, especialmente a mãe. Se é um ambiente de violência, mesmo que a criança seja pequena e ainda não tenha compreensão total do que está acontecendo, ela percebe os gritos, as dores, a tensão", diz.
"Presenciar violência é uma forma de abuso psicológico"
"A violência psicológica é tão naturalizada que, muitas vezes, nem é entendida como violência", explica a psicóloga. Mas, desde 2017, uma nova lei incorporada ao Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece que crianças que testemunham violência doméstica como sujeitos que precisam de proteção, tanto quanto as que foram vítimas diretas.
Os impactos de crescer em um lar violento são muitos e podem se manifestar em curto, médio e longo prazo. Segundo ela, a criança pode se tornar um adulto mais suscetível a desenvolver relações abusivas — não só com cônjuges, mas também com amigos, familiares e colegas de trabalho — e transtornos psicológicos como ansiedade, depressão e estresse pós-traumático.
"Uma criança que vive em um ambiente violento vive em constante medo, constante tensão. E não é medo de qualquer pessoa, como a gente sente quando sai na rua à noite, por exemplo. É medo das pessoas que deveriam protegê-la. Esse medo impacta diretamente o desenvolvimento, desde o desempenho escolar até a autoestima."
Mudanças na socialização, seja com coleguinhas e professores, seja com outros familiares, também costumam ocorrer, alerta a assistente social Camila Cristina dos Santos, que também é agente do Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
"Tendência é violência passar de geração para geração"
A psicóloga Manoela Lainetti afirma que "a tendência da violência é passar de geração para geração", porque grande parte do aprendizado de uma criança se dá por imitação. Ou seja, uma das maiores consequências em crescer em um ambiente violento é entender que essa é a única forma de resolver conflitos.
Tanto Manoela quanto a assistente social Camila Cristina dos Santos reforçam a importância de interromper esse ciclo.
"É uma questão familiar, mas também social, afinal nós vivemos em uma sociedade machista. O homem que agride está reproduzindo uma violência de gênero que existe na sociedade. Aí, ao expor crianças à violência doméstica, ensinamos para elas uma forma violenta de se relacionar com mulheres. Elas crescem e reproduzem essa violência na sociedade", afirma Camila.
Ela continua: "É importante que existam serviços que ajudem as crianças que testemunharam agressões a elaborar e superar o que viveram. Só assim a gente rompe o ciclo da violência".
Para a assistente social, "é preciso mudar a cultura que permite a violência no âmbito doméstico". "Mas o ditado popular [em briga de marido e mulher não se mete a colher] reforça a cultura da permissividade da violência dentro de casa. Enquanto isso não acontecer, crianças continuarão presenciando cenas de violência."
Como denunciar
Se você está sofrendo violência doméstica ou conhece alguém que esteja passando por isso, ligue para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher. A ligação é gratuita e o canal funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia, recebendo denúncias, dando orientações e encaminhando as vítimas para serviços de proteção e auxílio psicológico.
O contato também pode ser feito pelo Whatsapp, no número (61) 99656-5008.
Outra sugestão, caso tenha receio de procurar uma delegacia, é ir até o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da sua cidade. Em alguns deles, há núcleos específicos para identificar a principal necessidade da mulher agredida pelo marido, psicológica e financeira, por exemplo, e dar o encaminhamento necessário.
Também é possível realizar denúncias de violência contra a mulher pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil e na página da Ouvidoria Nacional de Diretos Humanos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
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