"Queremos ser ouvidas", diz pré-candidata à OAB-SP em chapa feminista
A Ordem dos Advogados do Brasil existe há 90 anos e, nesse período, apenas dez mulheres chegaram à presidência das seccionais do órgão —nenhuma no Estado de São Paulo. Duas profissionais querem mudar esse cenário: a criminalista Dora Cavalcanti e a advogada das famílias (título escolhido pela mesma) Lazara Carvalho.
Elas formam a primeira chapa feminina a concorrer à presidência da OAB, pela seccional de São Paulo. "Apesar das mulheres formarem a maior parte dos inscritos na OAB, isso não se reflete nos cargos de liderança da Ordem. Falta representatividade", diz a pré-candidata Dora Cavalcanti.
No final de 2020 uma norma de paridade de gênero foi implementada pelo conselho do órgão. Desde a Resolução 5/20, 50% das vagas de chapas que concorrerem à presidência das seccionais, das subseções e do Conselho Federal da Ordem devem ser formadas por mulheres e 30% por negros.
"As pessoas precisam entender que a OAB é, além de uma organização, uma autarquia muito importante para os processos democráticos do nosso país. Ter participação feminina, negros e pessoas diversas no comando da Ordem é um avanço social", analisa a candidata à vice-presidência Lazara Carvalho, que acrescenta: "Nós, mulheres, não estamos ali para preencher — vagas, mas sim para discutir o direito — e a sociedade que queremos".
Mães, feministas e advogadas
Tanto Lazara quanto Dora ainda não podem ser chamadas de candidatas; elas só oficializarão a chapa a partir de outubro, um mês antes da eleição. Por enquanto, elas devem ser chamadas de "pré-candidatas". Se existe o risco delas desistirem da campanha? "Claro que não", responde Dora.
As advogadas têm conversado com aliados e com o eleitorado "de perto". De Kombi pelo interior do Estado, ambas viajam de cidade em cidade em um projeto da pré-campanha que ganhou o nome de #AOABTáOn — estratégia fora dos tradicionais ritos e costumes do Direito, mas que dá o tom da chapa.
"Eu e Dora somos duas inconformadas, e é isso que nos une", fala Lazara. Militante dos direitos humanos e da igualdade racial, a pré-candidata à vice-presidência da OAB-SP é também co-fundadora do Elo, movimento criado para discutir episódios de ofensas raciais que aconteceram entre membros da Ordem.
"Quando chego a um Fórum ou Tribunal, não sou vista como advogada. Por causa da cor da minha pele, acham que eu sou a mãe ou a mulher de um réu"- Lazara Carvalho
Antes de mulher, advogada ou feminista, Lazara é mãe — "de duas filhas gêmeas", deixa claro. Para ela, é preciso criar um ambiente profissional mais solidário às mulheres que escolhem seguir o caminho da maternidade, inclusive dentro da OAB. "Perdi causas, oportunidades de crescer no trabalho, reuniões do conselho, entre outros eventos, para ter que cuidar da Bárbara e da Ester. Não vejo isso como uma coisa justa."
"OAB é importante para manutenção da democracia"
Assim como Lazara, Dora também é mãe. O direito, inclusive, está no sangue, os pais de Dora eram advogados, e a filha de Dora segue os passos da família.
Dora relata que a maternidade chegou a ser apontada como um empecilho a sua candidatura ao conselho. "Me perguntaram: 'Como você vai ser capaz de reger à OAB sendo que tem casa, carreira e filhos para cuidar?'" O currículo da advogada, porém, respondeu mais alto.
Ela já atuou como advogada de réus da Lava Jato, foi presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e é cofundadora do Innocence Project Brasil. "Acredito no direito de defesa das pessoas. Ao contrário do que dizem, o Brasil não é o país da impunidade; pelo contrário, é um país que aplica penas duras para determinados tipos de crime, o que é uma injustiça", pontua.
As mulheres já começaram a trilhar um caminho de sucesso em outras carreiras jurídicas. A doutora Raquel Dodge enquanto Procuradora-Geral da República, Rosa Werber e Cármen Lúcia no STF. Na OAB, porém, o cenário ainda é retrógrado - Dora Cavalcanti
A conversa de Universa com as pré-candidatas aconteceu na mesma semana em que o presidente Jair Bolsonaro fez ataques ao STF, a corte mais alta do Poder Judiciário Brasileiro. Na opinião de Dora Cavalcanti, o papel da OAB na defesa da democracia é essencial. "A Ordem teve um papel importante na criação da Constituição de 88, foi uma das principais responsáveis por garantir uma lei rica em termos de direitos individuais coletivos; é para manter a lei e os direitos que nós devemos lutar."
Para ela, a eleição de uma chapa feminina em um órgão como a OAB passa uma mensagem para a sociedade civil, e não só para os membros da Ordem: "Somos mulheres, estamos aqui e queremos ser ouvidas. Não há espaço para omissão".
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