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"Foi como se tivesse vindo do PCC", diz deputada alvo de Eduardo Bolsonaro

Camila Brandalise

De Universa

15/09/2021 04h00

Ao abrir seu Instagram na manhã de segunda-feira (13), um dia após participar da manifestação contra Jair Bolsonaro (sem partido) na avenida Paulista, em São Paulo, a deputada federal Dayane Pimentel (PSL-BA), que até o final de 2019 era da base de apoio do presidente, viu que um dos filhos dele, o também deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), lhe havia marcado em um story. Na imagem, Dayane aparecia de mãos dadas com Bolsonaro, era chamada de traidora e tinha um alvo em cima de seu rosto.

A deputada foi eleita em 2018 na esteira do bolsonarismo, mas pulou do barco após uma crise interna no partido. Em conversa com Universa, ela contou que ingressou com uma representação no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados contra Eduardo, na tarde da terça-feira (14), e que também pretende registrar um boletim de ocorrência. "Me senti muito ameaçada, como se tivesse vindo do PCC, não vi diferença", afirma. A Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados divulgou uma nota de repúdio contra Eduardo Bolsonaro.

O medo, diz ela, vem do fato de considerar a família Bolsonaro uma "milícia", e de saber que o deputado, assim como outros membros do clã, tem voz para incentivar outras pessoas a atacá-la. "Ele não é qualquer deputado, ele estava incentivando para que loucos façam alguma coisa, e essas pessoas são capazes de fazer, sim, porque acham que vão ser reconhecidos pelos Bolsonaro", diz. "A sociedade entende que mulheres são mais frágeis."

UNIVERSA - Qual foi sua reação ao ver o post em aparecia com um alvo em cima do rosto?

DAYANE PIMENTEL - Eu me senti muito ameaçada, como se tivesse vindo do PCC, não vi diferença, por causa da possível ligação com milícias. E ele [Eduardo Bolsonaro] não é qualquer deputado, tem milhões de seguidores, é filho do presidente. Estava incentivando para que loucos façam alguma coisa contra mim, e essas pessoas são capazes de fazer, sim, porque acham que assim vão ser reconhecidos pela família Bolsonaro.

O que pretende fazer agora?

Estamos protocolando um boletim de ocorrência, farei denúncia ao Ministério Público e ingressei com uma representação no Conselho de Ética da Câmara. Vou usar todas as ferramentas possíveis. O que ele fez não foi uma brincadeira. Vieram muitas reações da claque dele, ataques, ofensas. Também vi mulheres de esquerda dizendo "bem feito". Achei de uma insensibilidade gigantesca. Por outro lado, recebi muito apoio de colegas de lados diferentes no espectro político, como das deputadas federais Lídice da Mata (PSB-BA) e Tabata Amaral (PDT-SP).

Acredita que, na política, é mais comum ter mulheres como alvo?

Sim. Por sermos mulheres, a impressão que sociedade tem é que somos mais frágeis. Aí uma mensagem como essa [com o alvo no rosto] é feita para calar nossa voz. Precisamos ser resilientes e conclamar outras mulheres, inclusive eleitoras, para evitar que isso continue acontecendo.

Já passou por outro tipo de constrangimento parecido com esse?

Já fui atacada no aeroporto por uma bolsonarista que começou a me filmar, me chamando de traidora e outras coisas horríveis. Berrava. Processei por calúnia e difamação. Um outro ex-vereador, na Bahia, começou a me filmar e me chamar de ladra, dizendo que desviei dinheiro da saúde. Na época, eu nem tinha rompido com Bolsonaro ainda. Depois que me distanciei do presidente e comecei a criticá-lo, o vídeo voltou a circular, todos os bolsonaristas começaram a repostar, teve milhões de visualizações. Também o processei e ele foi condenado a pagar R$ 30 mil.

O que tem a dizer sobre a pecha de traidora?

Na verdade, fomos nós os parlamentares que nos sentimos traídos por Bolsonaro, porque ajudamos o presidente a ser eleito em busca de uma agenda que não foi cumprida. Mas nosso alcance é menor que os filhos do presidente, por exemplo. Seus aliados querem, com a força digital que tem, carimbar a traição em nós.

Quando e por que rompeu com o presidente?

Comecei a me sentir traída já no início de 2019, quando apareceram os primeiros casos de corrupção envolvendo o Flávio [Bolsonaro, senador]. Sempre diziam para a gente que era mentira, perseguição. Mas com os passos que a família foi dando entendemos que tinha coisa errada. Bolsonaro quis que assinássemos a lista dando pleno poderes de liderança ao filho dentro do partido, parou a agenda para se intrometer nessa discussão. O PSL não estava sendo escutado. O presidente abraçou políticos condenados por corrupção, preterindo a gente por esses nomes. Percebemos que tinha algo por trás. Quando ele estava na campanha, não tinha intenção de mostrar essa face, mas foi necessário por causa das investigações contra familiares.

Qual sua avaliação sobre o governo?

Extremamente negativa. Não há uma boa agenda política, nem econômica e social. A situação sanitária é a pior. Faço oposição ao presidente, sou a favor do impeachment. Ganhei muitos votos dizendo que Bolsonaro olharia por todos nós, e não foi isso que aconteceu, foi justamente o contrário. Ele dá passos na direção do que, durante a campanha, dizia que iria combater.

Acredita que realmente pode ser aberto um processo de impeachment neste momento?

Não vejo a Câmara animada para isso porque a oposição ainda é minoritária. Até quem concorda conosco tem medo de perder seu eleitorado, muitos foram eleitos com propagandas bolsonaristas. E também tem um lado que é "enquanto estiver bom para mim, continua do jeito que está".

A senhora participou da manifestação a favor do impeachment no dia 12, em São Paulo, que contou com 6.000 participantes. Foi uma adesão baixa. Por quê?

Não achei a adesão baixa. Em meados de 2017, já fiz manifestação com três pessoas na rua. Mas tem motivos para não ter sido tão alta. Quando o MBL [Movimento Brasil Livre, que organizou os atos] democraticamente abriu o diálogo com todas as esferas, isso fez com que alguns centristas e membros da centro-direita não quisessem ir às ruas se a bandeira não fosse verde e amarela. Os partidos de esquerda perceberam essa hostilidade, e também decidiram não ir. A esquerda, o PT, e a direita antibolsonarista não quis se juntar. Mas o saldo pra mim é positivo, é o início. Na época do impeachment, participei de várias manifestações e vi elas crescendo muito. Acho que essas também vão crescer.

O próximo protesto deve ocorrer em 2 de outubro e é encabeçado pelo PT. Pretende ir?

Terei uma agenda no dia 2 de outubro, mas entendo que a manifestação será suprapartidária. Pretendo fazer um chamado convocando as pessoas a irem às ruas. Se não conseguirmos conviver com pessoas de partidos diferentes, não dá mais para viver em sociedade. O PT foi problema até 2016. Agora, o problema é o Bolsonaro.