'Instinto materno não existe': elas não queriam filhos, mas amam ser mães
No primeiro episódio do documentário sobre maternidade lançado esse mês, a empresária e criadora de conteúdo Bianca Andrade falou de alguns sentimentos conflitantes do começo da gestação. Um deles foi não sentir de imediato tal "amor maior que tudo". A mãe de Cris, de 3 meses, conta que se sentiu culpada. "Me julguei por isso antes, mas hoje falo a real. Não senti esse amor eterno ao descobrir que estava grávida", conta.
A ideia de amor incondicional e automático entre mãe e filhos tem nome e costuma ser um gerador de culpa para muitas mulheres: instinto materno. Teoria que já foi desmentida por especialistas há décadas. "Se existe um desejo muito grande e uma expectativa com a gravidez, com a chegada do bebê muitas mães dirão que existe instinto materno, mas maternidade é cheia de desafios e nem sempre uma mãe gosta de todas as etapas dela", diz Mariana Clarck, psicóloga especialista em acolhimento, de São Paulo.
Além de indicar que mães teriam afeição intensa pelo simples fato de ficar grávida e ter um filho, o conceito de "instinto materno" carrega a ideia de que toda mulher tem a obrigação de querer - e amar - ser mãe. Essa crença pode ser nociva para muitas mulheres que não querem ter filhos, não curtem a gestação, não se apaixonam de cara pelo seu filho ou simplesmente passam por momentos difíceis por serem mães.
Não sentir o instinto maternal não tem nada a ver com não querer ter um bebê. "O amor materno se constrói com vínculo, intimidade e responsabilidade afetiva, aos poucos. A criança nasce e a mãe precisa se adaptar às mudanças do corpo, ao choro, a amamentação, é um período de transformação. Essa obrigação de amar de cara gera ansiedade", diz a psicóloga perinatal Allana Pezzi,do Centro de Medicina Integrativa do Hospital e Maternidade Pro Matre.
A prova de que o tal instinto não existe, são essas três mulheres a seguir ouvidas por Universa. Sem nunca terem tido vontade de engravidar, elas perceberam na prática que o amor de mãe também é gerado. Leia os depoimentos delas a seguir:
"Engravidar foi a escolha errada, mas agora meu filho é meu melhor amigo"
"Quando eu engravidei me bateu um desespero, foi uma escolha errada. Eu estava em um momento muito bom, recém-casada e estudando pedagogia com a chance de uma graduação sanduíche no Chile. Eu e o Paulo, meu marido na época, éramos livres, saíamos direto, viajávamos cada hora para um lugar. A gravidez veio bem na pausa do anel hormonal que eu usava.
Ter filho não estava nos meus planos naquele momento nem nunca esteve. Mas, como eu estava em uma fase de estudar sobre budismo, tirar meu filho não era opção, tinha uma concepção diferente ali.
Durante quase toda a gestação, trabalhei e agi como se não tivesse grávida. Fiz um pré-natal bem mais ou menos.
Meu começo de maternidade foi bem complicado e mesmo com a convivência diária com o Francisco, não conseguia curtir ser mãe. Quando meu filho tinha dois meses, eu e o pai dele nos separamos. Dali até os oito meses do Chico, fiquei deprimida, estava muito mal. Para me ajudar, meu ex-marido foi morar na minha casa.
Só comecei a curtir ser mãe quando ele estava com dois anos, já andava e falava. Começou a rolar uma interação melhor e nossa relação foi se construindo. Crescendo, crescendo... Hoje o Chico tem 11 anos e posso dizer que nosso amor é infinito.
Meu filho, sem saber, só me dando amor, com aqueles olhos brilhando, me ensinou muito. Ele é meu melhor amigo, um cara muito bacana. Me deu consciência do que é ser mãe. Nosso combinado é nunca mentir e morrer velhinhos." Cinthia Sanches, 40 anos, chefe de cozinha e consultora, mãe de Francisco, 11, de São Paulo (SP)
"Após doença no coração, minha relação com a maternidade mudou"
"Nunca quis ser mãe. Eu me incomodava até com barulho de criança em festa ou na sala de espera do médico. Trabalhei muito tempo como auxiliar de exame de ultrassom, via a emoção das gestantes, mas aquilo não me pegava. Eu até brincava com os médicos que se conhecesse alguém que fizesse laqueadura eu faria.
Meu marido, Giuseppe, de 31 anos, também não queria ter filhos. Ele tinha espermograma baixo e eu, por ter Doença de Crohn, não tomava anticoncepcional pois não absorvo medicamento direito. A gente usava preservativo, mas transamos uma vez fora do período fértil e engravidei do Luigi, hoje com 4 anos.
Quando a médica me disse que eu estava grávida respondi, chorando: 'não pode ser, estou noiva ainda, nem tenho onde morar'.
Depois que o Luigi nasceu, foi difícil eu me apegar ao bebê - apesar de querer muito. Apenas 5 dias depois do parto, tive uma miocardiopatia, doença do músculo cardíaco que pode causar falência do coração. Fui parar na UTI, mas tive sorte, sobrevivi.
Essa experiência mudou tudo em mim. Comecei a me envolver com a maternidade e minha paixão por ele só aumentou.
Anos mais tarde, meu filho foi diagnosticado com autismo. Quando eu soube, pensei 'nossa, agora que está bom vou ter que enfrentar mais uma'. Mas nunca tive nenhum sentimento ruim pois amo ser mãe e amo ser mãe dele.
O amor pelo Luigi só cresceu e eu hoje até adotaria uma criança de tão mãezona que sou." - Cintia Ferreira Marinho, 30 anos, estudante de pedagogia, mãe de Luigi, 4, de Mauá (SP)
"Maternidade era algo que nem pensava e hoje virou foco da minha profissão"
"Ser mãe não era nem de perto meu sonho quando cheguei em São Paulo, vinda do Rio, para ser trainee em uma multinacional. Hoje a maternidade está tão presente na minha vida que faz parte da minha vida pessoal e profissional.
Quando engravidei, tinha acabado de chegar na empresa, muito jovem, aos 26 anos. Não me passava pela cabeça aquele desafio. Meu marido era meu namorado, eu tinha acabado de me mudar de cidade para morarmos juntos.
Após o nascimento da Olívia, hoje com 5 anos, continuei trabalhando bastante. Foram dez anos como líder de marketing em grandes empresas.
Eu sempre fui uma pessoa de muitas ideais, mas a maternidade me trouxe um lado criativo que eu não tinha. Me conectou com outras coisas inimagináveis. Comecei a fazer coisas como produção de fotos para aniversário dela e a confeccionar brinquedos. Em 2019, eu ajudei uma pedagoga em um projeto infantil e me apaixonei.
Resolvi deixar para trás minha carreira para ajudar outras mães como eu. Como eu já passei por questionamentos de deixar com babá ou na escola, tive uma ideia de montar uma empresa, a Poppins, em que educadores vão na casa das famílias e trabalham de maneira individual com as crianças com brincadeiras e estimulação.
Olho para aquela jovem trainee lá atrás que não queria ser mãe e vejo que muita coisa mudou. Hoje, a questão da maternidade ocupa todos os campos da minha vida." - Marcella Cohen, 32 anos, empresária, mãe da Olívia, 5, São Paulo (SP)
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