Diferente de Schumacher, elas expõem cuidados com marido após acidente
A Netflix estreou, na última quarta-feira (15), um documentário sobre o heptacampeão da Fórmula 1 Michael Schumacher. O filme mostra desde sua trajetória nas pistas até o grave acidente que sofreu enquanto esquiava na estação de Meribel, nos Alpes Franceses, em 2013. O episódio deixou o ex-piloto em coma e com sequelas até hoje mantidas sob sigilo pela família.
No documentário, a mulher de Schumacher, Corinna, pouco detalha o tratamento e real estado do marido, mas deixa claro que a família faz tudo para "deixar Michael melhor".
Moramos juntos em casa, fazemos terapia. Fazemos tudo o que podemos para deixar Michael melhor e para que ele se sinta confortável e simplesmente para fazê-lo sentir nossa família, nosso vínculo. E não importa o que aconteça, farei tudo o que puder. Todos nós iremos.
Corinna Schumacher, no documentário 'Schumacher'
O ex-piloto, de fato, não gostava da exposição, e Corinna explica que está respeitando sua vontade ao não revelar detalhes do tratamento.
Decisão diferente de três paulistas que cuidam 24 horas dos respectivos maridos e relatam nas redes o dia a dia do tratamento deles.
Marcia Shiba, 52, mostra a recuperação de Robinson Shiba, 54, fundador das redes China in Box e Gendai, após um acidente de moto em 2019. Já Analice Rufino, 29, está à frente dos cuidados do frentista José Valter Rufino Junior, 33, que também tenta recuperar os movimentos após um grave acidente automobilístico. Priscila Farias, 26, é quem cuida de Julio Cesar Farias, 29, que convive com as sequelas de um AVC há sete anos. Todos chegaram a ser desenganados por médicos.
"Você não acha histórias para se espelhar", justifica Ana, que também lançou um livro relatando sua história.
A Universa, as três relatam como é se dividir entre chefe de família e cuidadora dos companheiros.
'Em duas semanas, diagnósticos diferentes'
"Eu e Robinson estamos casados há 32 anos, e em fevereiro de 2019 ele sofreu um grave acidente de moto e ficou meses em coma. Ao longo dos primeiros 15 dias, ouvi dos mais diferentes prognósticos, incluindo a possibilidade de ele não resistir aos ferimentos, a chance de ele não acordar do coma induzido, a hipótese de Shiba entrar em estado vegetativo para o resto da vida ou não conseguir se mexer.
Mas, ainda assim, os médicos no Hospital Albert Einstein (SP), onde ficou internado na UTI, não deixavam de demonstrar esperança por melhoras. A equipe chegou a mencionar a possibilidade de Shiba voltar a ter uma vida normal, mas o processo poderia ser longo e exigir muita reabilitação. Ele manteve sua respiração independente, sem a ajuda de equipamentos, ao longo de toda internação.
Shiba ficou internado por três meses e, depois, passou a receber tratamento numa clínica de reabilitação, onde ficou por um ano e seis meses. Ao longo desse período, teve uma parada cardíaca e um problema gerado pela retirada da traqueostomia. Junto com a equipe médica, decidimos que sua ida para casa só seria possível após um quadro estável.
Independentemente dos recursos ao alcance da família, levá-lo para casa nunca garantiria o mesmo atendimento proporcionado pelo hospital ou clínica. Com a pandemia, esse processo de retorno foi adiado.
Foi retirada novamente a traqueostomia dele em dezembro de 2020. No primeiro semestre de 2021, Robinson foi transferido para perto da família, na esperança de proporcionar um ambiente mais 'acalentador' para sua recuperação.
Amigos ajudaram com rede de apoio
Nunca enfrentamos problemas com relação a recursos, resultado de tudo que o Shiba construiu ao longo da vida. Mas havia uma falta de conhecimento, principalmente da minha parte, com relação a como proceder com essa experiência do acidente. Muitos amigos dele, incluindo grandes empresários com os quais tinha relações próximas, me ajudaram na escolha pela equipe médica para lidar com a situação.
E essa mesma equipe continua responsável pelos cuidados. Hoje, o Robinson tem uma rede de apoio que inclui cuidadores, fonoaudiólogas, fisioterapeutas e terapeuta ocupacional. Há também uma rede de apoio que auxilia na casa, incluindo duas faxineiras e empregadas domésticas e um motorista.
Antes do acidente, minha vida era muito dependente da agenda do Robinson. Íamos a eventos, jantares, viagens em família e a trabalho. Após o acidente, perdi parte dessa correria. Além de encabeçar a gestão financeira do Grupo Trendfoods, me dividi mais entre a casa e o trabalho.
Nossa família sempre foi muito conformada com relação a ser paciente, e esse foi um dos principais pontos reforçados pelos médicos desde o momento do acidente. Qualquer melhora no quadro de Shiba é celebrada, principalmente por ele ainda se enquadrar em uma realidade incomum, na qual não se pode ter garantias de tempo ou reações. Ver a evolução dele reanima as esperanças de todos, fortalece o pensamento de que estão fazendo o melhor que podem por ele.
Hoje, Robinson segue com o auxílio da sonda gastrointestinal para se alimentar, porque o longo período de traqueostomia e a falta da fala prejudicaram a ingestão de alimentos. Mas ele pode se comunicar por meio de sons. Ele também não tem nenhum sentido bloqueado: pode mexer qualquer parte do corpo, mas o acidente proporcionou um traumatismo cranioencefálico muito grave no lado esquerdo, o que comprometeu boa parte de sua coordenação motora.
De todo modo, Robinson compreende quando as pessoas conversam com ele, e sua memória não foi afetada. No dia a dia, me divirto em poder se comunicar com Shiba novamente, e compartilhamos de risadas a lágrimas ao assistirmos filmes juntos.
'Existe um vazio em não poder vê-lo como antes'
Meu marido renasceu uma nova pessoa, e a decisão do que ele quer ser nessa nova fase depende exclusivamente dele, porque o apoio da família sempre estará ali.
A comunicação, mesmo que sem palavras, é relativamente compreensível. É possível entender o que Shiba quer dizer por meio dos sons, olhares, e movimentos de apontar. Poucas coisas ficam subentendidas, mas a cada dia a evolução de Robinson tem melhorado essa questão.
Agora, com ele em casa, existe um vazio em não poder vê-lo com seu espírito independente e animado de antes. Mas tê-lo por perto e estável já significa muito para todos da família. Não se trata de reviver o passado e esperar que as coisas voltem a ser como antes, mas olhar para o presente como uma nova oportunidade da família se conectar e vivenciar outras experiências.
Seguir em frente foi a melhor maneira que todos encontraram para poder lidar com a situação. Não só por Robinson, ou tudo que ele construiu ao longo de sua carreira, mas por todos a quem dele e de sua família dependiam. Cuidar dos negócios, proporcionar a melhor rede de assistência e manter-se esperançosos foram os pontos de equilíbrio para todos.
O que aconteceu não é culpa de ninguém e o que está para vir não depende da gente. Então, para quem está passando por isso também, ter esperanças é um caminho leve pelo qual eu e minha família temos trilhado.
Não é sobre criar expectativas, mas se permitir sonhar por dias. Marcia Shiba, diretora no Grupo Trendfoods, 52 anos, de São Paulo
'Vontade de melhorar é maior que a de morrer'
"Morávamos em Curitiba quando nos casamos, em 2012, e dois anos e meio depois o Júlio teve um AVC (Acidente Vascular Cerebral). Nosso filho, Victor, tinha apenas 2 anos.
Foram 98 dias na UTI. Ele saiu totalmente vegetando e falaram que ficaria daquele jeito para o resto da vida. Mas entendemos que a vida dá voltas e te surpreende, e ele só vem melhorando, respira e vai ao banheiro sozinho. É um milagre.
Em momento algum ele pensou em se entregar e morrer. A gente costuma dizer: 'se fosse comigo, eu não aguentaria'. Eu falo isso. Mas o Júlio passa toda essa força, e penso: 'bom, talvez aguentaria sim'.
Muita vezes a vontade de melhorar, de estar perto da família, é muito maior do que a de morrer, então quando você tem alguém que te ama do seu lado, vale a pena lutar pela vida.
Hoje ele faz fisioterapia, aplicação de botox para aliviar os músculos e fonoaudiologia. E pagamos o tratamento com ajuda de vaquinha. Em sete anos, ele conseguiu mexer os braços, pegar algo no dedo, tem forças nas pernas e consegue ficar um pouco em pé.
"Temos relação normal"
Nunca cogitei deixá-lo no hospital para se tratar, e nossa família ficou do meu lado. Quando o Júlio saiu da UTI, ficou apenas um dia no quarto e o levei para casa. E acho que isso fez com que ele melhorasse mais, porque ele se sentia amado.
Ele saiu com pouco mais de 25 feridas. Uma delas era maior do que a minha mão, mas fui aprendendo a cuidar dele. E fui viver com minha sogra para ela me ajudar a cuidar do Victor. Hoje, eu lido com tudo sozinha.
Não é fácil. Sou uma pessoa muito carente e amava estar perto do Júlio. A questão da fala prejudicada foi difícil, porque eu amo conversar com ele. Chorei noites e noites, comecei a entrar em depressão, tive ansiedade. E ele cuidava de mim, então sinto muita falta disso e dói.
Mas eu sempre busquei estar perto dele e sou muito feliz ao lado do Júlio. A gente tem as nossas DRs, nossas briguinhas bobas, nossos momentos. As pessoas não entendem, mas nossa relação é normal, inclusive na parte sexual. Foi até uma questão que no início perguntei ao médico se ia dar tudo certo nessa parte, e deu.
'Ele cuida da administração da casa'
O Victor hoje está com 9 anos e sente um pouquinho a falta de atenção. No início, foi difícil porque não entendia bem o que estava acontecendo, e às vezes convidava o Júlio para jogar bola, por exemplo. O pai até se emocionava por não poder, mas aos poucos os dois foram aprendendo a brincar de uma maneira diferente, a lidar com a dificuldade, e inventaram outra maneira de se divertir.
Há mais ou menos um ano comecei a mostrar a evolução do Júlio nas redes, para os amigos. Mas ao mesmo tempo em que as pessoas querem ver esse progresso, elas acham que a gente se aproveita da situação para crescer, e já fui muito criticada pela exposição.
Mas o que realmente importa é que somos uma família e estamos expondo um pouco da nossa reabilitação, e isso traz benefícios. Ele melhorou muito depois que começamos nas redes sociais. O Júlio já acorda querendo dar 'bom dia' para as pessoas.
Algumas pessoas não entendem, mas o Júlio é consciente. Ele que cuida da administração da casa, das nossas redes sociais, decide qual dia tem que gravar vídeo, fazer foto. Ele que comanda tudo pela internet, e a gente faz até reunião. É o jeito que a gente acha de ele ser independente. Eu só coloco em prática." Priscila Alves Costa Farias, 26, de Itu (SP)
'Consegui a guarda do meu marido para cuidar dele em casa'
"Eu e o Júnior nos casamos em 2016, e em abril de 2018 ele foi atropelado por um caminhão enquanto ia para o trabalho de bicicleta, em Poços de Caldas (MG), onde moramos. Pararam para socorrê-lo, mas o motorista nunca me procurou para saber como ele estava. Mas eu o perdoei. O Júnior teve traumatismo cranioencefálico, edema e fratura de mandíbula.
Ele foi desenganado três vezes pelos médicos. Inicialmente, deram 72 horas de vida. O Júnior ficou dez meses em estado vegetativo, respirando por aparelho, e só abria e fechava o olho.
Em todo lugar que eu pesquisava sobre o estado dele, só encontrava notícias ruins. Não via esperança de que ele poderia melhorar, mas tenho muita fé, e para quem tem fé nada é impossível. A palavra médica não é a final.
O Júnior começou a se recuperar, e em 97 dias voltou para casa. A família dele queria levá-lo para uma clínica, e eu tive que conseguir sua guarda na Justiça para não permitir isso, porque sabia que ele não seria tão bem cuidado. Eu me dediquei a aprender tudo que ele precisava.
Eu trabalhava como correspondente bancária, e hoje sou total médica, fisioterapeuta e até nutricionista dele.
'É sobre ter fé e determinação'
Um ano depois de receber alta do hospital, e já se recuperando, o Júnior passou por uma cirurgia para colocar uma válvula, porque desenvolveu hidrocefalia, e quatro dias depois seus vasos sanguíneos se romperam provocando dois coágulos no cérebro, então ele regrediu 100%. O médico falou para eu chamar a família porque não sairia vivo da cirurgia.
Mas ele saiu e hoje o meu marido tem atraso na fala, mas compreende tudo o que acontece e conversa normal. Também tem os movimentos do lado direito, e já consegue ficar em pé. Ele faz fisioterapia três vezes na semana, tem acompanhamento com dois psicólogos e psicopedagoga, e também faço as atividades com ele.
Eu cuido do Júnior totalmente sozinha. Nunca tive apoio da nossa família. A minha está na Bahia, e a dele vem visitar. Muitos me perguntam como consigo tirar tanta força.
É sobre ter fé e determinação, sair da inércia. Às vezes acontece algo trágico e a pessoa fica só esperando o que os médicos vão falar. A pessoa tem que ir atrás de informação também.
Psicóloga e neurologista ajudaram com sexo
Nós sempre fomos muito parceiros e fazíamos tudo juntos. Claro que tenho vontade de sair com ele, levar para passear, mas não tenho coragem de pagar uma pessoa para tomar conta dele e sair.
A parte da sexualidade, para mim, foi muito difícil. Foi a única vez que eu tive que recorrer à ajuda psicológica, porque criei um elo tão grande com o Júnior que isso se transformou num amor de mãe para filho. E quando ele começou a pedir, eu não conseguia me ver mais na posição de esposa.
O neurologista dele me ajudou muito também, porque ele me mostrou os benefícios do ato sexual para a parte neurológica do Júnior, e me convenci de que tinha que quebrar meu medo e voltar a vê-lo como meu esposo.
Senti como se eu estivesse fazendo algo de errado no início, molestando ele, mas ele queria também, e a psicóloga me mostrou que seria errado se somente eu quisesse a todo custo. Todo esse processo levou uns seis meses.
Solidariedade
Uma vizinha passou pela mesma situação com o marido dela e, um ano após o acidente do Júnior, ela me chamou para morar na parte debaixo de sua casa. Ela tem um salão de beleza e começou a fazer campanha entre as clientes. Recebi muita cesta básica, fralda, medicamento e ainda ajudaram a pagar a fisioterapia dele.
Hoje vivemos de doações e da aposentadoria dele, por invalidez, de um salário mínimo. Consigo manter nossos gastos com esse dinheiro, mas o tratamento é feito com doações. Também acabei de lançar um livro, "Diagnóstico Não é Destino", para começar a ter uma renda e despertar outras pessoas, porque eu recebo muitas mensagens de quem vive na mesma situação e entra em depressão, fica totalmente sem um norte. Você não acha histórias para se espelhar.
Creio totalmente na cura do Júnior por mais que a medicina fale que não. Analice Ferreira Amaral Rufino, 29, de Poços de Caldas (MG)
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