Ingra Lyberato fala de medos após Ana Raio e defende constelação familiar
Desenvolvida na Alemanha como uma prática terapêutica em busca de resolver conflitos familiares que atravessam gerações, a constelação familiar vem rendendo denúncias de mulheres vítimas de violência.
Recentemente, o jornal "O Globo" trouxe relatos de pessoas que se sentem coagidas por mediadores a, por exemplo, pedir desculpas ao ex-companheiro ou mesmo a se colocar no lugar do agressor. A terapia, que é usada em Varas de Família e em casos de violência doméstica no Brasil desde 2012, não é reconhecida pela comunidade científica e não há ainda estudos que comprovem sua eficácia.
Facilitadora da constelação, a atriz Ingra Lyberato assegura: "Jamais uma pessoa deve ser constelada se ela não pedir, e a constelação não pede nunca para ninguém perdoar ninguém."
A atriz, que estourou na década de 1990 nas novelas "Pantanal" e "A História de Ana Raio e Zé Trovão", na extinta TV Manchete, conheceu o método após se afastar da televisão por causa do sucesso repentino. "Eu me senti assustada para abraçar tudo o que estava vindo", afirma. Hoje, a artista, que é também autora dos livros "O Medo do Sucesso" e "A Natureza Oculta Iluminada", já consegue ver com outros olhos suas obras passadas e, na véspera de completar 55 anos, nesta terça (21), ela conta a Universa que vem até revendo cenas antigas.
Sua protagonista Ana Raio, inclusive, figurou recentemente entre os assuntos mais comentados no Twitter. O motivo, porém, foi por outra figura: o caminhoneiro Marcos Antônio Pereira Gomes. Ele, que ganhou projeção nas redes sociais convocando apoiadores do presidente Jair Bolsonaro para as manifestações do 7 de setembro, é conhecido como Zé Trovão, mesmo nome do personagem interpretado por Almir Sater e par romântico de Ingra na novela. Com o apelido famoso, os mais novos descobriram a trama de Marcos Caruso e Rita Buzzar, ao mesmo tempo em que os saudosistas relembraram a saga da peoa para encontrar a filha.
Com uma recém participação em "Gênesis", da Record, Ingra falou ainda como escapou de tentativas de assédio, sobre a relação com a carreira após a maternidade e mais.
UNIVERSA: O uso da constelação familiar em audiências de conciliação tem recebido muitas críticas, entre elas por revitimizar as mulheres. Qual sua avaliação sobre isso?
Ingra Lyberato: É uma ajuda muito grande mesmo para o tribunal. Muitas vezes chega ali um casal que não se olha há alguns anos, que estão brigando por bens materiais, quando, no fundo, só querem um reconhecimento da história que eles viveram e que foi linda lá atrás. Então, a constelação pede para um olhar para o outro no olho. Só isso. Posso te dizer que jamais uma pessoa deve ser constelada se ela não pediu. Bert [Hellinger, filósofo alemão criador do método] não pede nunca para ninguém perdoar ninguém, porque para perdoar o outro você estaria num lugar superior. Isso não existe dentro das constelações. As conciliações são feitas por outros movimentos. São salas de liberação. Pessoas fazem curso de fim de semana e saem constelando. Isso é bem perigoso, porque muita coisa ainda não pode ser mexida. A gente está mexendo em campos vibracionais que vão reverberar na nossa vida. É uma formação que deve ser de, no mínimo, dois anos.
Como você conheceu a constelação familiar?
Através de uma amiga, a Cida Galego, há mais de 20 anos. Sem dúvida, me trouxe transformações profundas e reais. Você aprende a conectar o que cada representante está sentindo, a trazer essa liberação de padrões repetitivos herdados de várias gerações. Pude experienciar isso por horas, por alguns anos, e minha família toda foi beneficiada pelas constelações. Esse trabalho de ajuda não compete com a terapia, com as leis humanas, nem com religião. É uma ação de ajuda, é complementar a alguma outra coisa que a pessoa está fazendo.
Cada vez mais a gente vê mulheres, incluindo artistas, denunciando abusos e assédio. Você passou por episódios como esses?
Ninguém nunca forçou nada comigo. Cheguei no Rio de Janeiro com 20 anos, e era uma baiana muito linda, saía desfilando por aí, e com certeza ficava todo mundo babando. Às vezes, percebia que tinha ali uma intenção de assédio, e eu fugia, me fazia de boba. Eu tive que ser esperta para não deixar o predador chegar perto. Qualquer pessoa conseguia trabalhos bons pelo talento, pelos testes, mas se você não era muito profissional, aquilo poderia virar uma situação de assédio. Não me acho uma pessoa super esperta, mas eu sabia sobreviver ali no meio da selva. O único assédio, entre aspas, que realmente se concretizou foi mútuo: trabalhei um ano com o Jayme Monjardim (diretor de "Pantanal"), a gente se apaixonou e se casou.
Você gravou muita cena sensual em "Pantanal", e no meio do mato. Como foi encarar aquelas situações?
Eu tinha muito medo de fazer cena de nudez, e tem uma de "Pantanal" bem ousada. Mas o tratamento de todos da equipe do Jayme era de muito respeito. Lembro que, no dia de fazer aquela cena [em que ela e Paulo Gorgulho, o José Leôncio, rolam pela areia], estava muito mal, e falei: 'meu Deus, como vou fazer essa cena?'. Não sabia nem por onde começar. O Jayme viu minha cara, percebeu que estava tensa, e adiou a gravação. Tive a oportunidade de procurar o Paulo Gorgulho para conversar. Depois, no cinema, fiz nu frontal e pedi para o diretor tirar todo mundo do set. Hoje não tenho esse pudor de tirar a roupa, mas ouço falar de diretores que impõem uma condição de filmagem que a pessoa não se sente bem. Eu tive bons diretores, então tive alguma sorte.
Naquela época não se discutia o feminismo e a violência de gênero como hoje. Como o tema era abordado dentro da sua casa?
Minha mãe sempre teve uma preocupação com o espaço e o direito dela. Então não desenvolvi o feminismo como bandeira, porque em casa já tinha espaço para ser quem eu era. Nunca senti nenhuma opressão por eu ser mulher na minha casa. Eu sentia que podia tudo, e quando achava que não podia, nada tinha a ver com alguém, mas porque eu estava insegura. Fui percebendo que aquele carrasco, muitas vezes, estava dentro de mim. Hoje acho que a gente se impede de fazer as coisas.
No livro 'O Medo do Sucesso', você fala que não soube lidar com a exposição. O que aconteceu?
Eu não estava preparada para o sucesso. Foi como se, de repente, o mundo crescesse muito para mim e eu me senti assustada para abraçar tudo. Eu não planejei minha vida na televisão daquele jeito. Fui para o Rio passar um verão e acabei ficando. Eu era dançarina e curti as primeiras coisas que comecei a fazer, como "Tieta" e "Pantanal". Quando chegou "Ana Raio", houve um endeusamento da minha pessoa que não me convencia. Elas me achavam o modelo de beleza, de talento, de força, de coragem, mas eu não sentia nada disso. Fiquei um pouco apavorada com aquele sucesso extremo. Depois de "Ana Raio", parei de atuar por quatro anos. Fui morar numa fazenda e criar cavalos. Depois, vivi mais um momento no Rio de muita expansão e, de novo, deixei tudo para trás e fui ter meu filho no Sul, o Gui, que está com 18 anos [ele é fruto de seu casamento com o músico Duca Leindecker].
Como a maternidade mudou sua relação com a carreira?
Eu acho que mudou a minha relação com a vida. No início, foi um pouco difícil porque parei de fazer tudo e fiquei um ano e meio dedicada à gestação, amamentação, e foi um dos momentos de maior plenitude. Mas depois, com a vontade de voltar a trabalhar, confesso que comecei a me sentir culpada. Talvez seja um sentimento mais ou menos comum entre as mães que têm carreiras que exigem viagem ou um tempo maior de ausência. Também tive minha mãe e a avó paterna do Gui como apoio. Ele, com um mês de vida, estava no festival de Gramado no meu colo, passando de mão em mão, mas a minha mãe estava junto. Depois comecei a ensaiar uma peça que está em cartaz desde 2007, e graças à avó paterna e também ao pai do Gui pude ensaiar. Eu e o pai dele sempre prezamos muito pelo cuidado dele, e a gente conseguia conciliar.
Como foi ver a internet descobrindo a Ana Raio?
Sinto como se eu estivesse me visitando nos últimos cinco, seis anos. As pessoas sempre falaram da novela, mas de uns anos para cá começou um revival, a mandarem cenas, ao mesmo tempo em que comecei a planejar levar meu filho para conhecer o Pantanal, e a me reencontrar com Almir. Ao mesmo tempo, me sinto iniciante e gosto de sustentar esse estado de espírito.
'Pantanal' terá um remake na Globo. O que você espera dessa novela?
Eu aproveitaria a oportunidade de botar alguém falando sobre regeneração do planeta. A gente já está sofrendo as consequências da nossa falta de consciência, das nossas ações, então eu colocaria personagens falando sobre isso. Mas com coerência. A gente tem que parar de sustentar essa indústria alimentícia, o agronegócio. Porque não adianta só a gente falar e sustentar a criação de gado e de todos os animais, o que é algo bastante cruel, semelhante aos campos nazistas. Eu estou cada vez mais sensível às nossas ações e tenho sentido no meu corpo.
Há um movimento de artistas que cobram mais posicionamento de pessoas famosas, e aqueles que não criticam o atual governo são vistos como seus apoiadores. Você acha que deve se pronunciar politicamente?
Prefiro ficar atenta ao que realmente vai fazer a diferença. Acho que xingar alguém não traz boas consequências. Preciso olhar para a verdade desse momento e viver uma nova maneira de ser e estar no mundo, e que não passe pelo xingamento e condenação. Quando a gente aponta o dedo para o outro, a gente está projetando todas as nossas sombras. Não estou dizendo que as pessoas não estão, de fato, cometendo absurdos, mas eu não tenho como transformar o outro. Se saio com o punho fechado querendo bater em alguém, vou estar repetindo o mesmo modelo de todas as gerações passadas.
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